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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

O comércio de Bragança no século XIX

O Governador Civil de Vila Real, em 1854, quanto a Trás-os-Montes, considerava que se podiam distinguir “três categorias de comércio, o comércio a pequena escala ou a retalho, o comércio de subsistências e o comércio de especulação”. O pequeno comércio era dinamizado por almocreves, bufarinheiros, recoveiros, caminheiros ou carreiros, os quais, transportando em cavalgaduras ou às costas fazendas e quinquilharias, percorriam todas as povoações. O comércio de subsistência dizia respeito sobretudo a cereais e gados. E o comércio de especulação era monopolizado por indivíduos que dispunham de capitais consideráveis, transacionando cereais, vinhos e aguardentes ou produtos de reexportação, traficando de acordo com o preço dos mercados, os únicos que podemos reportar a um certo capitalismo comercial.
Praça do Mercado - Bragança

No que a Bragança diz respeito, o seu comércio pode ser encarado em quatro planos:
• o comércio local, garantido pelos negociantes das lojas da Cidade e pelos vendilhões;
• o comércio local/regional, operado através dos mercados semanais e das feiras mensais ou anuais, que completam, pela riqueza e multiplicidade dos produtos que apresentam, a oferta de lojistas e vendilhões, constituindo instrumentos de fundamental importância para garantir a regularidade dos abastecimentos, no quadro regional de uma economia de subsistência como era a da região de Bragança;
• o comércio regional/nacional, a exigir contactos e ligações mais extensos e complexos, que abastecia a população com produtos vindos de fora, efetuado por almocreves e negociantes – estes últimos em número de 22 em Bragança em finais de Setecentos –, que pensamos disporem de capitais mais avultados;
• o comércio externo, com a Espanha, galego ou leonês, legal e de contrabando, efetuado por negociantes, almocreves e populações raianas, e que nada mais é que a continuidade para os territórios além-fronteira do comércio interno.

O comércio local e regional
Bragança, em finais do século XVIII, como refere Columbano Pinto Ribeiro de Castro, desenvolvia um comércio ativo nas sedas, nas “imensas lojas” então existentes, e de todos os produtos, alimentado pelo dinheiro que entrava na Cidade para pagamento da sua guarnição militar e pelas rendas do bispo e cabido de Bragança, o que tudo contribuía para “a riqueza e opulência da Cidade”.
A partir das invasões francesas, este comércio local desenvolvido pelas lojas da Cidade e também pelas tendas volantes e vendilhões, começa a decair, decadência esta que vai intensificar-se nas décadas seguintes, já pela redução violenta da produção da seda, já pelas guerras civis que se vão desenvolver em Portugal, e que, como sabemos, afetaram drasticamente esta Cidade. Lamentavelmente, não dispomos de fontes que nos permitam conhecer melhor o papel que as lojas dos comerciantes bragançanos desempenharam neste comércio local, mas não é difícil perceber que, dado o afundamento que a economia da região sofreu no século XIX – e que se traduziu pelo reduzido poder de compra das populações e pela escassez do numerário várias vezes referida pelos governadores civis –, a sua importância tivesse descido consideravelmente, limitando-se a garantir à população da Cidade os produtos básicos.
Vergílio Taborda escreveu que Bragança, enquanto principal Cidade de uma região isolada, a Terra Fria do Nordeste Trasmontano, só adquiria verdadeiramente “a imagem da função” que desempenhava, “quando as suas ruas um pouco sonolentas se animam de um rumor novo e de uma nova atividade pela afluência dos camponeses, em dias de feira ou de mercado”.
Mas não só a Cidade de Bragança. Mercados em regra semanais e sobretudo as feiras – estas, os “mercados grandes”, com periocidade mensal ou anual –, constituíam “a expressão mais característica da atividade comercial” de uma região caraterizada por uma economia de subsistência, na qual os municípios tentavam controlar em seu benefício a circulação e troca dos produtos.
A primeira observação a fazer, quanto a Bragança e seu Município, é que, à semelhança, aliás, do que se passou em Portugal, o número de feiras não parou de crescer nos séculos XIX e XX, e só nas últimas décadas, com o desenvolvimento da região, graças ao estabelecimento de uma efetiva rede de transportes e comunicações, é que as feiras perderam a sua importância, passando o mercado da Cidade a funcionar diariamente.
A segunda observação é a de que as feiras bragançanas desde cedo se especializaram na comercialização do gado e cereais, o que não quer dizer que, em menor escala, não se transacionassem produtos da economia doméstica e artesanal durante boa parte do século XIX, o casulo de seda e a seda em fio, servindo, ainda, num ou noutro caso, como feiras de criados de servir e de pastores, à semelhança do que aconteceu noutras localidades do País. Vergílio Taborda refere, na década de 1930, que as feiras da Terra Fria se tinham transformado praticamente “em mercados de gado”, nomeadamente em Bragança e Chão.
Não é fácil acompanhar, no século XIX, o destino das feiras bragançanas, nomeadamente as suas designações e localizações dentro da Cidade.
A Câmara de Bragança, em 1829, terá decidido transferir a feira da Praça da Sé, que se realizava no dia 21 de cada mês, para a Praça das Eiras (Praça Camões), e posteriormente, para o Toural.
Em 1864, de acordo com o Código de Posturas Municipais para a Cidade de Bragança e seu Concelho, todos os “géneros” que entravam na Cidade só podiam ser vendidos nas praças e mercados públicos, com exceção dos que se vendessem por pregão, a erva e a palha, estes dois últimos produtos vendidos “pelas ruas sem mais demora que a necessária para justar e descarregar”. Os mercados e praças de Bragança eram os seguintes:

• Campo de Santo António – nos dias de feira mensal e anual, gado cavalar, muar e asinino ao “nascente do campo”; suíno, ao sul, próximo da estrada do Forte; lanígero e cabrum ao ocidente; bovino ao norte e centro do campo;
• Largo do Tombeirinho – carvão, feno, erva e palha;
• Praça da Sé – mercado diário de cereais e “todos os géneros comestíveis”;
• Eiras do Colégio – às quintas-feiras da semana e feiras mensais, “quaisquer géneros”;
• Praça de São Vicente – mercado diário de carvão, fruta, hortaliça, legumes, lenha, peixe e pão cozido;
• Muralha da cadeia – cabeças, “forçuras”, mãos, pés e tripas de gado.
O mercado semanal da Cidade funcionava no sítio do Loreto, às quintas-feiras, no qual se vendiam cereais, legumes, frutas e mais géneros alimentícios.
Em 1870, Bragança tinha três feiras:
• uma anual, a Feira do Loreto, assim chamada por ser esse o local em que a mesma se celebrava, na segunda-feira seguinte a 8 de setembro, de gados, louças, frutas, sedas, etc.;
• uma mensal, a Feira de São Vicente, junto à Igreja do mesmo nome, no dia 3 de cada mês, criada em 1865 pela Junta Geral do Distrito, a pedido “da maior parte dos negociantes e habitantes da Cidade de Bragança”, na qual se vendiam gados, cereais, legumes, peixe, carnes secas, chapéus, linho, sedas, mantas, sola, ouro, prata, etc.;
• outra mensal, a Feira de São Mateus, a 21 de cada mês, onde eram vendidos os mesmos produtos que constam da Feira de São Vicente;
Aspeto da feira das cantarinhas, de origem medieval e que ainda hoje se realiza em Bragança

No seu Concelho funcionavam ainda as seguintes feiras:
• uma anual, em Babe, a 29 de junho, de géneros, criados de servir e pastores;
• uma mensal, em Chãos, no dia 7, de gados, cereais, carnes, sal, louça, etc.;
• uma mensal, em Izeda, a 26, de gados, cereais e carnes, sal, louça, etc.;
• no Outeiro, uma anual, a 3 de maio, e uma mensal a 14, ambas de gados, cereais, carnes, sal, etc.;
• uma mensal, a 12 (mais tarde passou para o dia 9), em Parada, de cereais, legumes, batatas, etc.
Em 1890, o Boletim da Direcção Geral de Agricultura refere que no Concelho de Bragança, quanto à transação de gados, existiam feiras na sua sede e ainda em Chãos, Izeda, Outeiro e Parada.
Na primeira década do século XX, Bragança procedeu à construção da praça do mercado, inaugurada em 1906, que vai servir a sua população ao longo de praticamente todo o século XX.
Francisco Manuel Alves indica, em 1910, que a feira mensal de Chãos se realizava no dia 20, e refere que a feira anual de Babe continuava a ter as mesmas características já referidas para 1870, ou seja, de produtos alimentares, de criados de servir e pastores. Vergílio Taborda, mais tarde, refere também uma feira de homens em Frieira, freguesia de Macedo do Mato (pretensamente, concelho no Antigo Regime), que se fazia pelo São João, e onde acorriam numerosos lavradores, vindos por vezes de Chaves e do Barroso, para contratar a mão-de-obra aí disponível.

O comércio regional/nacional
Este comércio, efetuado a nível provincial ou desenvolvido com outras regiões do País, sobretudo com o Porto, era garantido, como já dissemos, pelos almocreves e pelos negociantes ligados ao comércio de importação e exportação e ao abastecimento de Bragança. Desconhecemos o número de almocreves e negociantes de Bragança que operavam nesta atividade, garantindo as comunicações entre o litoral e o interior, uma vez que só dispomos de tal indicação para 1796: 22 negociantes e nenhum almocreve, a demonstrar que a Cidade, quanto a estes, dependia basicamente dos negociantes e almocreves de outras regiões do Reino ou de Trás-os-Montes – no que diz respeito a esta província, 694 negociantes, dos quais 44% agrupados em Vila Real e Chaves, e 420 almocreves, com 55% destes concentrados nas mesmas duas vilas. Isto quer dizer que a existência ou afluência de negociantes e mercadores a Bragança dependia fundamentalmente do nível do poder de compra dos habitantes da Cidade e do seu comércio com a Espanha e que, se a sua riqueza ou exportação para o país vizinho diminuíam, como diminuiu ao longo do século XIX, o número daqueles que aí residiam ou se deslocavam até esta Cidade baixava também.
Seja como for, são eles que garantem as ligações mais extensas, com cidades como Porto e Lisboa, quer através da estrada do Porto-Vila Real-Bragança, quer através do Rio Douro até Foz Tua, para daí prosseguirem até à capital do Nordeste Trasmontano. Eram eles que abasteciam a Cidade, no século XIX, de artigos de luxo, tecidos e roupa vindos de Inglaterra e da China, outros produtos industriais e ainda o arroz, o bacalhau, o açúcar, o peixe salgado e seco (nomeadamente de Vila do Conde e da Póvoa do Varzim) e o sal, este último produto vindo de Aveiro e Viana do Castelo. E garantem a reexportação de tecidos para Espanha.
São também os almocreves, carreteiros e bufarinheiros, sozinhos ou em grupos, com mulas e burros, que levam as mais diversas mercadorias às aldeias isoladas da região. São eles ainda que, por contrato com as autoridades nacionais ou concelhias, distribuem os produtos que são objeto de monopólio estatal, como o sal e o tabaco.

O comércio com Espanha
Em inícios do século XIX, Francisco Soares Franco afirmava categoricamente que “a grandeza de Trás-os-Montes pende do maior ou menor comércio que fizer com os espanhóis”. E Dulac, por 1820, defendia que os obstáculos que se colocavam às transações de Trás-os-Montes com Espanha contribuíam de forma determinante para “empobrecer esta província e condenar a uma eterna esterilidade, imensos baldios, que não tem meios nem braços para cultivar e muito menos para rotear”.
Durante grande parte do século XIX, Bragança através da raia seca, graças à sua localização geográfica, desenvolveu um importante comércio de exportação e importação, quer com a Galiza (província de Orense), quer com Castela-Leão (província de Zamora), comércio esse fundamental para a sua economia.
Bragança exportava para Espanha o sal proveniente de Aveiro, o qual, subindo o Rio Douro, a partir da Régua ou de Foz Tua, era transportado por almocreves até Bragança, abastecendo a sua população, ou seguindo depois para Espanha, muitas vezes comprado nas suas feiras por almocreves espanhóis. Exportava também o azeite, proveniente sobretudo da Terra Quente. E o vinho, de produção local e regional, que tinha muita procura em Espanha, e cuja produção não parou de crescer durante o século XIX, quer no seu território, quer por todo o Trás-os-Montes – os governadores civis defendiam até que as guias passadas pela alfândega de Bragança fossem emitidas também pelos regedores das freguesias, à semelhança do que acontecia, em meados do século XIX, com o gado lanígero e caprino que ia abastecer os marchantes de Madrid. Vendia ainda para Espanha, da produção local, panos de linho, tecidos de lã de produção nacional, castanhas, solas e couros de Carção e Argozelo.
Bragança reexportava também produtos importados do estrangeiro que do Porto, através de negociantes e almocreves, entravam em Espanha através da Cidade do Nordeste Trasmontano. Tratava-se sobretudo de tecidos ingleses de algodão, produtos da revolução industrial inglesa e que pela sua qualidade e preço não tinham qualquer concorrência.
De Espanha, Bragança importava grandes quantidades de centeio, uma vez que os preços dos cereais em Espanha eram bastante mais baixos, devido ao aumento da produção agrícola mais precoce no país vizinho do que em Portugal, e ao facto de o Concelho não colher o centeio necessário para o seu consumo, como aliás acontecia em todo o Distrito de Bragança.

Ainda em 1872, o Governador Civil de Bragança referia que a importação de cereais vindos de Espanha era contínua, a não ser num ou outro ano de produção excecional. Aliás, não era só Bragança que beneficiava da importação, legal e ilegal, de cereais espanhóis. Segundo alguns economistas oitocentistas, dois terços do trigo consumido pelo Porto e Norte de Portugal eram de proveniência espanhola, conduzido sobretudo através do Rio Douro. Em Barca de Alva, o primeiro porto do Douro em território português, e na Veiga do Torrão, ainda em território espanhol, juntavam-se centenas de barcos, carregando cereais com destino à Régua, de onde abasteciam grande parte de Trás-os-Montes e o Porto. Importava ainda gado bovino, em quantidade muito elevada, o qual era depois criado para engorda ou para ser abatido e consumido pela população, ou ainda remetido para a província da Beira, Porto e Lisboa. E também peixe e polvo em grandes quantidades, cujo comércio era garantido fundamentalmente pelos galegos. Recebia ainda do país vizinho ferro (oriundo da Biscaia e Cantábria), de que a guarnição militar de Bragança fazia grande consumo.
É certo que as exportações portuguesas para Espanha, no seu conjunto, ao longo da primeira metade do século XIX, nunca representaram mais de 10% do total das exportações portuguesas – cabia à Inglaterra a fatia de leão, isto é, mais de 50% do total do comércio português. Sabemos também que a maior parte dos produtos exportados de Portugal para Espanha, os algodões e os lanifícios eram, na realidade “reexportados”, provenientes, fundamentalmente, da Inglaterra e entrados no nosso País pelo Porto. E que a navegabilidade do Douro vai permitir que o fluxo desse comércio, legal e de contrabando, aumente consideravelmente nos dois sentidos.
Seja como for, a alfândega de Bragança, graças à reexportação dos produtos ingleses, era a mais importante de Trás-os-Montes, ultrapassando todas as alfândegas de Trás-os Montes, ou seja, Montalegre, Chaves, Vinhais, Outeiro, Vimioso, Miranda, Bemposta e Freixo de Espada à Cinta, quanto ao rendimento e movimento.
O rendimento da alfândega de Bragança entre 1800 e 1832 atingiu os seus valores mais elevados em 1810-1811, quando ultrapassou os três contos de réis, para começar a decair a partir de 1823, até atingir os valores mínimos em 1831-1832, anos em que não chega a um conto de réis – as guerras civis que tiveram como palco Trás-os-Montes e Bragança em particular, a partir de 1823, contribuíram fortemente para tal (Quadro n.º 47).

Que este comércio era muito importante nas primeiras décadas do século XIX, prova-se pelo facto de Bragança registar algumas dezenas de negociantes ligados sobretudo ao comércio de exportação com a Espanha e ao abastecimento da Cidade de Bragança, e de nesta Cidade se encontrarem até estabelecidos comerciantes ingleses como Hoile e Askwart, os quais reclamaram do Governo português a quantia de dez mil libras pelo saque dos seus armazéns, efetuado em finais de 1826 pelas tropas absolutistas do marquês de Chaves. Com efeito, naquele ano, as tropas absolutistas em Bragança exigiram uma contribuição forçada a 38 indivíduos, dos quais boa parte eram negociantes, e em novembro de 1826, para além do saque a que Bragança foi submetida, um dos generais responsáveis pelas tropas absolutistas do marquês de Chaves exigiu aos moradores da Cidade uma elevada quantia, na ordem dos 300 contos de réis.
O comércio com a Espanha foi muito prejudicado durante o período da Guerra Civil (1832 1834) e nos anos seguintes, encontrando-se por 1839, segundo a Junta Geral do Distrito, “decadente porque a guerra das províncias vascongadas facilita aos ingleses a introdução de suas manufaturas pelos pontos da costa de Cantábria”.
Mas, em meados do século XIX, Bragança era a alfândega seca de maior movimento do País, registando 24,2% do total do movimento das alfândegas terrestres. Em 1846, Bragança exportou 41,5 contos de réis em belbutinas, 42 contos de réis em chitas, 45 contos de réis em lenços de algodão, 80 contos de réis em panos de
linho e algodão e 11 contos de réis de lã em bruto e chapéus, ao passo que as importações atingiram apenas os 13 contos de réis – valor este que só tem leitura face ao contrabando que se efetuava de Espanha para Portugal.
Dois anos mais tarde, as belbutinas, chitas, lenços e paninhos brancos representavam 70% do valor das exportações registadas na alfândega de Bragança.
Em 1852, o Governador Civil de Bragança referia que a Cidade se encontrava “decadente”, mas que apesar de ser muito inferior ao que já tinha sido, mantinha um grande comércio com a Espanha. Com efeito, antes da assinatura da Convenção da Livre Navegação do Douro em 1835, entre Portugal e Espanha, e do Regulamento de 23 de maio de 1840 quanto à navegação do Douro, eram efetivamente os almocreves que transportavam do Porto as fazendas nacionais e estrangeiras para Bragança, levando na volta cereais para o Porto. Após 1840, com a livre navegação do Douro, este comércio decaiu, uma vez que os custos de transporte fluvial, revelando-se incomparavelmente mais baixos que os do transporte terrestre, levaram a que os cereais, no que diz respeito ao Nordeste Trasmontano, começassem preferencialmente a entrar por Barca de Alva.
Tais relações económicas, com efeito, não só se foram reduzindo paulatinamente, como também sofreram uma grande transformação quanto à estrutura dos produtos importados e sobretudo dos artigos exportados.
Assim, em 1871, Bragança importava sobretudo gado vacum, responsável por mais de 87% do valor global das importações, e exportava para Espanha, por ordem de importância, gado lanígero e caprino, gado bovino, vinho e lã em rama, tendo desaparecido praticamente os tecidos.
O comércio de Bragança com a Espanha, como o comércio de Trás-os-Montes com a Galiza e Castela-Leão, no século XIX, revestia-se de grande importância para a sua população, revelando um elevado grau de complementaridade quanto a produtos e circuitos mercantis.

A partir de 1870-1875, paulatinamente, acompanhando, por um lado, o afundamento do Nordeste Trasmontano quanto à indústria das sedas e, um pouco mais tarde, a queda da produção vinícola, por força da doença da filoxera, e por outro lado, a formação do mercado nacional, que então se estrutura com a rede de caminhos-de-ferro, as relações comerciais de Bragança com a Espanha vão reduzir-se substancialmente. A construção do caminho-de-ferro do Douro e o seu prolongamento até Salamanca, em 1887, desloca o eixo das relações de Trás-os-Montes com a Espanha para o sul da província trasmontana. A alfândega de Bragança, com uma delegação de primeira ordem em Miranda do Douro e de segunda ordem em Outeiro e Vimioso, é extinta por portaria de 24 de dezembro de 1898 e transferida para Quintanilha.
O nacionalismo triunfante em toda a Europa, procurando estruturar as economias dos Estados em função dos espaços nacionais, como aconteceu em Portugal e Espanha, inviabilizaram os projetos de cooperação transfronteiriços e reduziram substancialmente as tradicionais trocas comerciais. A reafirmação da fronteira, traçada numa larga zona de subdesenvolvimento esquecida e abandonada por ambos os Estados no que a Trás-os Montes dizia respeito, parece simbolizar o propósito deliberado, quer de Portugal, quer da Espanha, em limitar ao máximo as relações entre os seus povos.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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