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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PARA UMA VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO DO DISTRITO DE BRAGANÇA ALGUMAS REFLEXÕES

A riqueza e a diversidade do património arqueológico do distrito de Bragança está bem patente na bibliografia da especialidade que vem sendo publicada nomeadamente desde os finais do século XIX, fruto do labor de alguns estudiosos interessados pela investigação e salvaguarda destes testemunhos da história desta região. Sem a pretensão de apresentar uma enumeração exaustiva de todos os que se dedicaram ao estudo deste património, por não se enquadrar no âmbito deste trabalho, será de realçar no entanto alguns nomes que pela actividade desenvolvida são uma referência em qualquer investigação arqueológica que se queira realizar no distrito.

Entre os contributos relevantes encontram-se os escritos do Coronel Albino Pereira Lopo, natural do concelho de Mogadouro e fundador do Museu Municipal de Bragança que viria a ser integrado no Museu Abade de Baçal, publicou uma extensa bibliografia sobre achados e sítios arqueológicos da região, como Bragança e Bemquerença1, Apontamentos Arqueológicos2 e muitas notícias de achados e outros artigos dados à estampa sobretudo na primeira série da revista O Archeologo Português3.
Entre a extensissima produção bibliográfica de José Leite de Vasconcellos encontram-se muitas referências e artigos sobre arqueologia trasmontana e, particularmente, sobre região de Bragança, como se pode comprovar compulsando alguns dos seus mais importantes trabalhos4 ou a já referida revista, por si fundada e dirigida, O Archeologo Português5.
Nascido em Baçal, Francisco Manuel Lopes é justamente considerado como um dos maiores estudiosos da história da sua região, tendo publicado, entre outras, a monumental obra Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança6, em 11 volumes, repositório das pesquisas arqueológicas, históricas e etnográficas desenvolvidas pelo Abade de Baçal por todo o distrito.
Nos volumes IX-XI, Francisco Manuel Alves recolheu todas as informações, estudos de materiais e estações arqueológicas que detectou ao longo dos anos, ainda hoje de grande utilidade para qualquer estudo de arqueologia do nordeste trasmontano.
Estes trabalhos pioneiros abriram o caminho a novas pesquisas encetadas por vários estudiosos, normalmente oriundos da região, como são os casos, entre outros, de Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, António Maria Mourinho, Belarmino Afonso e Joaquim Maria Neto7.
A partir da década de setenta do século passado, com o grande incremento da investigação arqueológica então verificado, Trás-os-Montes e, em particular, o distrito de Bragança despertaram a atenção de alguns arqueólogos que desenvolveram projectos de investigação nesta região, alguns de grande importância.
Permitimo-nos referir aqui o original trabalho de Martin Höck realizado em São Juzenda8, os estudos de Pré-história recente de Maria de Jesus Sanches9 e a dissertação de doutoramento de Francisco Sande Lemos sobre a romanização, que cobre todo o território agora em apreço10.


Em resultado de todo este labor empreendido por várias gerações de estudiosos foi possível inventariar e, em alguns casos, estudar de forma monográfica sítios e materiais11 arqueológicos localizados na região, revelando-se, assim, uma riqueza patrimonial que permanecera praticamente desconhecida até ao início do século passado.
Pondo de lado a inquestionável relevância do contributo científico de todos os estudos realizados, interessa aqui analisar quais, entre as centenas de sítios arqueológicos detectados, foram intervencionados de modo a permitir o seu usufruto pela comunidade e a contribuir para a promoção e desenvolvimento económico, social e cultural da região em que se encontram inseridos. Tratando-se de património histórico que a todos pertence, não será de descurar a sua função social, apesar de, pelas características que apresenta, nem todo este legado a deva ter12. Uma sequência das acções de identificação, estudo, salvaguarda e valorização é imprescindível para tornar o património arqueológico socialmente útil. Não bastando a sua identificação e estudo, é necessário proceder a acções de conservação preventiva e, posteriormente, à criação de condições de visita e divulgação de um sítio ou monumento arqueológico13, aspectos que serão abordados de novo na parte final deste trabalho.
Os inventários arqueológicos existentes para o distrito de Bragança são reveladores da importância patrimonial da região. Atítulo exemplificativo utilizaram-se os dados coligidos no excelente catálogo elaborado por Sande Lemos, onde aparecem referenciados 678 sítios arqueológicos no distrito de Bragança, com ocupação proto-histórica e romana14, que apresentam a seguinte distribuição por concelhos (Gráfico n.º 1).

Como se pode constatar há uma distribuição desigual de sítios arqueológicos pelos diferentes concelhos, entre um mínimo de 20 sítios em Alfândega de Fé e um máximo de 137 em Bragança, que, para além de resultar das características próprias e da da diferente extensão do território de cada concelho que proporcionou índices de ocupação diferentes, reflectirá também níveis distintos de prospecção arqueológica.
Mas o que interessa verificar neste caso, será quantos destes sítios têm condições
para ser visitados. O recurso ao trabalho sobre 300 sítios arqueológicos que oferecem condições de visita em Portugal15, pode ser elucidativo no que se refere à região de Bragança. Segundo os autores desta listagem, “[...] foram considerados os sítios que estão em situação de abertura regular ao público (musealizados ou com centros de interpretação), visitáveis em grupo mediante marcação prévia e acompanhamento de algum serviço municipal, associação local ou outra entidade, ou aos quais é passível o acesso individual pelos próprios meios dos interessados”16. No gráfico seguinte, versão simplificada do publicado neste útil inventário17, pode-se observar a distribuição dos 300 sítios por regiões (Norte, Centro, Lisboa/Vale do Tejo e Alentejo/Algarve) e dentro de cada região uma repartição por distritos (Gráfico n.º 2).

No distrito de Bragança apenas se encontram referenciados 4 sítios18, todos no concelho de Moncorvo, que permitem um tipo de visitas por marcação organizadas pelo Posto de Turismo de Moncorvo/Museu do Ferro da Região de Moncorvo:

– Castro do Baldoeiro (Adeganha, Moncorvo): do Calcolítico à Id. Média
– Castro de N. Sra. Do Castelo (Adeganha, Moncorvo): Id. Ferro
– Castro de Cigadonha (Carviçais, Moncorvo): Id. Ferro
– Povoado de Vila Velha ou de Santa Cruz da Vilariça (Adeganha, Moncorvo): sécs. XII-XIII.

Não deixa de ser espantoso que, entre as muitas centenas de sítios arqueológicos identificados na região, apenas quatro obedeçam aos critérios definidos pelos autores deste inventário. Mesmo considerando a existência de naturais falhas num trabalho deste tipo, tal resultado deixa transparecer que o rico património arqueológico da região, apesar de todos os esforços individuais e colectivos
para a sua identificação e estudo ao longo de muitos anos, não tem sido, nesta perspectiva, convenientemente salvaguardado e valorizado, situação que não destoa, em termos gerais, com o que acontece no resto do território nacional.
Numa recente dissertação de doutoramento, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sobre a valorização do património arqueológico em Portugal19, pode-se constatar que, quando os padrões de exigência são ainda mais elevados, não aparece registado qualquer sítio da região bragançana.
Olga Matos fez o levantamento e a respectiva análise dos sítios arqueológicos que foram objecto de projectos de valorização, tendo inventariado 59 estações20 em todo o território nacional, pertencendo 9 à região norte do país que inclui apenas um sítio trasmontano: o bem conhecido Santuário de Panóias, em Vila Real.
A inventariação e o estudo científico são tarefas fundamentais em qualquer política de protecção do património. O registo, o mais completo possível, do património cultural de um dado território permitirá uma selecção fundamentada dos sítios a investigar, dos que necessitam de maiores cuidados de protecção, dos que devem ser valorizados, divulgados e incluídos em itinerários de turismo cultural, enfim dos que merecem ser classificados como património municipal, regional ou nacional.
É evidente que a valorização do património arqueológico na perspectiva, aqui abordada, de constituir um contributo para promoção da região onde está inserido, para além de pressupor um longo e indispensável trabalho de investigação científica, carece de um projecto integrado que contemple a sua qualificação por forma a permitir o acolhimento de visitantes. Para além da história e da interpretação do sítio, será necessário mobilizar todos os interessados (entidades e população local) no desenvolvimento do projecto que, entre outras acções, deverá estudar as acessibilidades e as condições de acolhimento dos
públicos, conciliar os itinerários de visita com os requisitos de protecção e conservação, conceber uma sinalização adequada, propor actividades de animação, promover a sua divulgação21.
Como é sabido os temas relacionados com a valorização, a musealização e a gestão de sítios arqueológicos têm sido objecto de diversos estudos com apresentação de modelos para o seu planeamento. Sharon Sullivan22 concebeu um modelo, que poderá ser muito útil a quem queira elaborar um projecto de valorização de um sítio arqueológico, aqui apresentado numa versão simplificada:

Só com a apresentação de projectos sustentáveis, onde sejam estudados com profundidade e sugeridas soluções viáveis para todos os aspectos plasmados neste modelo, é que será possível iniciar uma mudança gradual do estado em que actualmente se encontra o património arqueológico do distrito de Bragança no que se refere à sua salvaguarda, valorização e divulgação. Contudo, para que estes projectos apareçam, é imprescindível prosseguir os trabalhos de prospecção e inventariação (condição essencial para a protecção do património) e apoiar a realização de projectos de investigação arqueológica com alguma envergadura que proporcionem a permanência na região de equipas das universidades, museus e outras instituições, contrariando uma tendência ainda predominante em Portugal de concentração da pesquisa arqueológica nas regiões do litoral. Em suma, só com trabalhos de investigação científica de longa duração é que será possível qualificar e promover o património arqueológico bragançano e partir para projectos de musealização/valorização de sítios arqueológicos emblemáticos da região.

NOTAS:
1 Publicado em Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 17ª Série, 1898-1899, n.º 3 e 4 (1900), p. 151-264. Este trabalho foi reeditado pela Imprensa Nacional em 1983.
2 Este título permaneceu inédito até 1987, ano em que foi objecto de uma cuidada edição, da responsabilidade de Francisco Sande Lemos, pelo então Instituto Português do Património Cultural.
3 A bibliografia de Pereira Lopo está publicada em Apontamentos Arqueológicos, Lisboa, 1987, p. 175-6.
4 Por exemplo, Religiões da Lusitania, 3 vols., Lisboa, 1897-1913, passim, e De terra em terra, 2 vols., Lisboa, 1927 (sobretudo, vol. I, p. 96 e segs.).
5 Por motivos óbvios, dispensamo-nos de elencar os trabalhos publicados por Leite de Vasconcellos sobre a arqueologia do distrito. A consulta dos úteis índices elaborados por Margarida Ribeiro, O Arqueólogo Português. Índices dos volumes I-XXX (1895-1938), Tomo I, Lisboa, 1973, facilita o levantamento de todos os trabalhos publicados na revista sobre o distrito de Bragança.
6 Porto, 1909-47. Desta obra foram feitas duas reedições anastáticas e uma edição anotada, em 2000, promovida pelo IPPAR e pelo Museu do Abade de Baçal.
7 Este autor publicou um útil inventário arqueológico do distrito de Bragança em O leste do território bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 169-362.
8 Grabung auf dem Cabeço de São Juzenda (Mirandela). Ein Beitrag zur Chronologie der Castros in NordPortugal, Madrider Mitteilungen, 19, 1978, p. 139-51.
9 Pré-historia recente no planalto mirandês (Leste de Trás-os-Montes), Porto, 1992 e Pré história recente de Trás-os-Montes e Alto Douro. O abrigo do Buraco Pala (Mirandela) no contexto regional, Porto, 1997, que constituiu a sua tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
10 Povoamento Romano de Trás-os-Montes Oriental, 3 vols., Braga, 1993 (policopiada).
11 Por se tratar de um trabalho recente e dada a grande importância do material publicado, permitimo-nos referir aqui a dissertação de mestrado, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de João Paulo Barbosa, O tesouro monetário tardirromano de Chaira (Vinhais, Bragança), Porto, 2003 (policopiado), onde são estudadas mais de 6600 moedas deste achado, depositadas no Museu do Abade de Baçal.
12 Para estas e outras questões relacionadas com o património é de grande utilidade a leitura do trabalho de Carlos A. Ferreira de Almeida, Património, o seu entendimento e a sua gestão, Porto, 1998.
13 Sobre estas temáticas veja-se, entre outros, o texto de John H. Stubbs, Protección y exhibicón de estructuras excavadas, em La Conservación en excavaciones arqueológicas con particular referencia al area del Mediterráneo, ed. N.P. Stanley Price, Roma, 1984, p. 85-101. 14 Op. Cit., vol. IIa, p. 19-458.
15 Jorge Raposo (com Patrícia Freire), Sítios arqueológicos visitáveis em Portugal, Al madan, IIª Série, 10, Dezembro 2001, p. 99-157.
16 Op. cit., p. 101.
17 Op. cit., p. 103.
18 Op. cit., p. 108-9, n.os 12-15.
19 Olga Maria Pinto de Matos, Subsídios para a história da valorização do património arqueológico em Portugal, Coimbra, 2002 (policopiada).
20 Op. cit., p. 225-352.
21 Sobre este assunto, cf. Olga Matos, op. cit., p. 154-222.
22 Sharon Sullivan, A Planning Model for the Management of Archaeological Sites, em The Conservation of Archaeological Sites in the Mediterranean Region (Proceedings of an International Conference organized by the Getty Conservation Institute and the J. Paul Getty Museum, May 1995), ed. Marta de la Torre, Los Angeles, 1997, p. 15-26. Olga Matos, op. cit., p. 420, publica uma versão portuguesa do modelo proposto por Sullivan.

Rui M. S. Centeno

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