segunda-feira, 11 de outubro de 2021

DA VILAFRANCADA À CHEGADA DE D. MIGUEL (1823-1828) - Efeitos em BRAGANÇA

Com o movimento da Vilafrancada em maio de 1823, a Constituição de 1822 vai ser suspensa, o mesmo acontecendo às Cortes, que interrompem os seus trabalhos em 20 do mesmo mês. A restauração da Monarquia Absoluta vai dar origem a uma onda de  perseguições em todo o Reino, se bem que, em Bragança – garante Monteiro Cardoso –, os constitucionais travaram os abusos, uma vez que o cargo de juiz de fora passou a ser exercido pelo coronel Francisco de Figueiredo Sarmento, cunhado de Bernardo Sepúlveda,  que tinha sido o primeiro Presidente eleito da Câmara Constitucional de Bragança.


Os ultrarrealistas da Cidade, porém, reforçaram as suas posições, com o regresso dos cónegos da Sé à Diocese, que tinham sido desterrados para Sagres.
Em 28 de junho de 1823, o Governo agradece ao juiz de fora, vereadores e mais oficiais da Câmara de Bragança a aclamação dos direitos majestáticos do Rei, de que, “com manifesta rebelião, havia sido privado”.
Em 7 de julho do mesmo ano, a Gazeta de Lisboa dá notícia de Veiga Cabral da Câmara e Manuel Doutel de Almeida, em representação do cabido de Bragança, terem sido recebidos pelo Rei, a quem felicitaram pelos “faustosíssimos acontecimentos” que lhe restituíram “as regalias que competem à soberania”.
Por carta pastoral de 2 de agosto de 1823, o vigário capitular do bispado de Bragança congratula-se com a Vilafrancada e ordena que em todas as freguesias seja cantado um Te Deum Laudamus pelos “augustos soberanos portugueses” e toda a Família Real.
Em setembro de 1824, José de Santa Ana Noronha é nomeado bispo da Diocese de Bragança-Miranda, porventura, numa “tentativa de controlar a ação dos cónegos mais exaltados”.
Em março de 1826, o bispo de Bragança, José de Santa Ana Noronha, anuncia aos seus diocesanos a morte do Imperador e Rei D. João VI e recomenda a obediência ao Governo por ele nomeado. À medida que se aproximava a data estabelecida para o juramento da Carta Constitucional, 31 de julho de 1826, os absolutistas, um pouco por todo o Reino, espalharam “notícias aterradoras e desordeiras”. Em Bragança, como noutras cidades e vilas de Trás-os-Montes, a resistência a tal juramento revestiu a forma de pasquins afixados pela Cidade, a anteceder os atos sediciosos de 26 de julho do mesmo ano.
Com o objetivo de impedir o juramento da Carta Constitucional de D. Pedro IV, o regimento n.º 24, de Bragança, em 26 de julho de 1826, sob o comando de Luís Vaz Guedes (visconde de Montalegre) rebelou-se, prendendo o bispo da Diocese, D. José Maria de Santa Ana Noronha, o governador da praça de Bragança e todos os oficiais que não aderiram a tal movimento, proclamando D. Miguel Rei absoluto, e morras à Carta Constitucional e a D. Pedro IV.
Na sequência da prisão do bispo de Bragança-Miranda, acusado pelos ultrarrealistas de heresia e pedreiro livre, a população insultou e agrediu o prelado diocesano, “ultrajado no próprio Paço Episcopal”.
Contudo, o regimento de Cavalaria n.º 12 não aderiu à revolta, abandonando Bragança pela estrada de Vinhais, o que levou as forças rebeldes a retirarem-se da Cidade pela estrada de Gimonde, em direção à fronteira espanhola, internando-se no país vizinho. Os rebeldes portugueses foram desarmados por cavalaria espanhola no lugar de Travassos e conduzidos para Zamora.
José Correia de Melo, governador das armas de Trás-os-Montes, mandou jurar a Carta Constitucional em Bragança em 1 de agosto de 1826, tendo presenciado “os leais sentimentos do dito regimento de Cavalaria n.º 12 do povo da Cidade”. E o Governo, em 5 de agosto, extinguiu o regimento de Infantaria n.º 24, decisão que, mais tarde, irá ser anulada.
O bispo de Bragança-Miranda, José Maria Noronha, em pastoral datada de Bragança, a 20 de agosto de 1826, por ocasião da guerra civil, exorta os seus diocesanos à obediência a D. Pedro IV e à Carta por ele outorgada, assumindo, deste modo, a sua fidelidade ao regime constitucional.
Mas o clima insurrecional vai continuar em Trás-os-Montes nos meses seguintes, prenunciando a guerra civil que rapidamente se avizinha. Segundo Monteiro Cardoso, em Bragança, “o principal centro da conspiração” seria constituído pelos cónegos da Sé, enquanto nas freguesias rurais numerosos eclesiásticos se manifestavam contra a Carta e apelavam ao levantamento do povo”.
Em 22 de novembro de 1826, armados e apoiados pela Espanha, as forças absolutistas do marquês de Chaves entraram em Portugal por Bragança, derrotando aí, no dia seguinte, as forças liberais comandadas pelo coronel Valdez, o qual se vê obrigado a recuar para o castelo da Cidade, rendendo-se três dias mais tarde.
A Cidade, na noite de 26 de novembro e dias seguintes, era então juiz de fora José Bento Pestana da Silva, não “ficou reduzida a cinzas” como pretenderam os jornais constitucionais, mas “foi metida à pilhagem, ao saque de terrífica memória, ainda hoje fresca na tradição dos nossos maiores. Os regimentos de milícias e muitos paisanos armados, debaixo do nome de guerrilhas, cometeram aí atrocidades inauditas durante três dias: o roubo, a violência e o morticínio exerceram-se largamente” – escreveu Francisco Manuel Alves em 1909.
Mesmo os armazéns das casas comerciais inglesas estabelecidas em Bragança, dos negociantes Hoile e Askwart, foram saqueadas, o que os levou a reclamarem do Governo português uma indemnização de 10 000 libras pelos prejuízos que sofreram.
As tropas realistas, segundo o corregedor da comarca, foram acompanhadas por “imensa paisanada” e o general espanhol Longa relatou, a este propósito que “os paisanos tinham roubado completamente os negros em Bragança,” provenientes, na sua maior parte “das aldeias vizinhas”.
Segundo Monteiro Cardoso, estas populações do termo de Bragança eram hostis para com os “ricos negociantes de Bragança, de origem judaica, que arrendavam a cobrança dos foros do almoxarifado”, a que estavam sujeitos os moradores das freguesias rurais.
Para além do saque, o visconde de Montalegre, um dos chefes realistas, exigiu ainda aos moradores de Bragança o pagamento de uma elevada quantia – o mesmo acontecendo a 18 negociantes de Argozelo e a oito abades constitucionais do bispado de Bragança Miranda, o que levou o marquês de Chaves, mais tarde, a acusá-lo de ter roubado em Bragança 300 contos de réis.
Nesta Cidade formou-se, então, a Junta do Governo Provisório, absolutista, constituída pelo marquês de Chaves como presidente, pelo visconde de Vila-Garcia como vice presidente, pelo brigadeiro Francisco de Morais Madureira Lobo, deputado, e por José Manuel Ferreira de Castro e Sousa, secretário, que logo mandou imprimir um manifesto em defesa de D. Miguel.
Face à situação, perante a eminência do triunfo das forças absolutistas apoiadas pela Espanha e a previsível queda do Governo Constitucional, a Inglaterra enviou um corpo expedicionário para Portugal, o que vai obrigar a Espanha a mudar de posição.
No dia 3 de março de 1827, as tropas do marquês de Chaves abandonaram Bragança a caminho da fronteira, e no dia seguinte entraram na Cidade as forças constitucionais do general Correia de Melo, assim terminando a guerra civil de 1826-1827.
A discórdia entre os chefes realistas, a sua incapacidade para tomarem Porto e Lisboa e, finalmente, a sua derrota, quer em Amarante quer em Coruche, obriga os insurretos a recuar de novo para Espanha, onde, desta vez, são desarmados e internados longe da fronteira com Portugal, obrigando mesmo à retirada do marquês de Chaves e do visconde de Canelas para França.
Segundo uma correspondência de Bragança, publicada no jornal constitucional Borboleta, datada de 28 de março do mesmo ano, o juiz de fora e a vereação da Câmara de Bragança, afetas aos absolutistas, mantinham-se em funções, e a maior parte dos párocos da Diocese, na coleta, invocavam Miguel I e não Pedro IV.
Notícias de Bragança publicadas no mesmo jornal dão conta de que, em 9 de maio de 1827, a Cidade estava sem juiz de fora e que os povos da região continuavam “no estado de rebeldia”, contribuindo, para tal, o grande número de soldados pertencentes às tropas absolutistas que viviam nas aldeias, recusando apresentar-se nas unidades militares, porque esperavam pelo regresso do marquês de Chaves. E pouco depois, em 23 de maio, a Borboleta publica uma violenta diatribe contra o juiz de fora em exercício, “constitucional na boca, e apostólico nas obras”.
Em 21 de maio, o comandante militar de Bragança, António Pereira de Brito, proclama a legitimidade de Pedro IV aos soldados e habitantes da Cidade, dizendo-se “resolvido a empregar o maior rigor com os rebeldes”. As medidas de rigor começam a ser aplicadas à “canalha” em Bragança, mandando-se chibatar publicamente” os “faladores” contra o Governo.
Em setembro de 1827, a Borboleta dá notícias do regresso a Portugal, através de Bragança, de largas dezenas de soldados e paisanos que serviam nas forças do marquês de Chaves e que se encontravam na maior miséria.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário