(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Não sei o que dói mais: se a ingratidão se o desprezo.
Durante anos, considerei: a maior afronta que se pode fazer, a quem nos fez bem, é a ingratidão.
Lembrava-me da passagem evangélica, dos dez leprosos:
Uma vez curados, afastaram-se alegremente. Todavia, um, veio atrás, e agradeceu, a Jesus, o ter sarado.
Prostrando-se a Seus pés, com o rosto em terra, deu-Lhe graças.
Respondeu-lhe Cristo:
- “Não foram dez os curados? E só um voltou, para agradecer?
E voltando-se para o samaritano, disse-lhe: “ Levanta-te. A tua fé te salvou.” - Luc 17:11,19.
O nosso clássico, D. Francisco Manuel de Melo, em “ Relógios Falantes” conta o curioso caso de alguém, que tendo recebido um favor, não mais procurou, quem lhe tinha feito mercê, nem lhe tirava o chapéu:
“ Toparam-se um dia na Rua Nova de Palma, que é longa e estreita e sem travessa.
“ Um vinha, outro ia. Tanto que o requerente ou despachado viu o valido, voltou o cavalo. O valido apressou o seu. O requerente trotou; trotou o valido, também. Ele correu; correu o valido do mesmo modo e dizia, gritando:
“ - Parai senhor Fulano, e dizei-me se isto é verdade!
“ O requerente sem parar, lhe dizia, correndo:
“- Sim senhor; isso agora é verdade, que o passado era mentira.”
Comportamento igual, têm muitos, que recebido a mercê, se afastam: Estão servidos; para quê ficar grato?
Por vezes, chegam a dizer: “ Não preciso dele para nada! …”Mas precisaram….
Está sepultado no Brasil, Professor, notável político, que antes de morrer declarou não desejar, que, após o falecimento, o trouxessem para a Pátria.
Porque compatriotas, a quem fizera enormes favores, vendo-o em desgraça, esqueceram o dever da gratidão. Fizeram como o homem, que corria, a bom correr, pela Rua Nova de Palma…
Mas, se a ingratidão, fere, o desprezo, parece-me, agora, ainda mais cruel.
Em “ Reflexões Sobre a Vaidade”, Matias Aires (escritor do séc. XVIII), assevera: “Não há maior injúria que o desprezo; e é porque o desprezo todo se dirige, e ofende a vaidade.”
Desprezar, é o mesmo que dizer: Não mereces qualquer respeito; és insignificante…
Além de falta de educação, ofende fortemente o orgulho, o íntimo da alma.
Tive companheiros de infância, que por terem subido na sociedade ou por terem nome aburguesado, deixaram de serem amigos… passei a conhecido! …
Recordo, o pensar de Francisco, personagem de: “Mistérios de Fafe” de Camilo, referindo-se ao facto do fidalgo, não dar confiança à mulher, companheira de infância, comentava:
“- Criança como criança e homem como homem. Bem vês quem ele é, o Senhor fidalgo, e tu és a Rosa, mulher do espingardeiro…”
Conhecido rapaz, filho de modesto trabalhador, que foi estudar para Coimbra, quando se licenciou, deixou de acompanhar o pai. Mudava de passeio se o encontrava, na rua.
Envergonhava-se. Era, então, advogado, casado com menina de Papá…
Desprezo e ingratidão, são, para mim, as maiores afrontas que se pode fazer.
Mas, o mundo é assim: a amizade é, quantas vezes, meio de usar amigos e conhecidos, como escada. Uma vez no topo…não precisam deles para nada…
Será que não?
Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".
Sem comentários:
Enviar um comentário