"Os profissionais de saúde e quem assegura os serviços essenciais estão na linha da frente, mas a seguir serão os artistas. Não se pode sobreviver a toda a esta dor, este espanto, sem o usufruto da cultura", disse a pintora, entrevistada pela agência Lusa.
Graça Morais apresentou no ano passado a exposição "Metamorfoses da Humanidade", sobre temas como a crise dos refugiados e a condição das mulheres, no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, em Lisboa, e no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto.
Interessam-lhe os dramas da atualidade e as múltiplas facetas da natureza humana, como o medo, a exclusão e a perda, temas recorrentes na sua obra.
Mas perante esta inesperada pandemia, Graça Morais disse à Lusa que ficou paralisada: "Não consegui pintar e desenhar nestas semanas. A tragédia que estava a acontecer era tão forte que não consegui criar", admitiu.
A pintora natural da aldeia de Vieiro, no concelho transmontano de Vila Flor, nestes meses a viver em Lisboa, disse que esta semana irá tentar trabalhar pela primeira vez.
Para a criadora, esta pandemia "mostra-nos como somos frágeis, como sentimos a ignorância e impotência", perante um novo vírus que já provocou mais de 270 mil mortos e paralisou a economia mundial.
Graça Morais diz que toda a sua admiração vai para os médicos, enfermeiros, trabalhadores da recolha do lixo e da área alimentar "que são os heróis anónimos de primeira linha".
"A seguir vai ser fundamental a arte, que seja exposta e vista por todos", considera, defendendo que "os governantes, que têm sido sensatos em manter a ordem, devem valorizar os artistas".
No cenário da pandemia, considera que a incerteza é grande: "Até nas guerras há diálogo, tréguas, mas com um vírus não há, porque é invisível. Muitas pessoas não vão poder sequer despedir-se dos seus queridos. Vai haver um trauma coletivo muito forte, e os que sobreviverem vão precisar de consolo. A arte pode dar bastante desse consolo", acredita.
Sobre os apoios que têm surgido para o setor da cultura, da parte do Governo, de mecenas e de entidades culturais, Graça Morais considera-os insuficientes: "O artista é das pessoas mais generosas da sociedade, e o Ministério da Cultura é o mais pobre de todos. O artista fica desprotegido".
"Uma exposição gera muito emprego. Envolve os materiais, os seguros, os transportes, os museus, galerias e centros culturais por todo o país. Isto tudo é alimentado pelo trabalho dos artistas, que muitas vezes nada ganham com a exposição das suas obras", lamentou.
Nesta perspetiva, considera o Ministério da Cultura "impotente" e a situação atual "muito preocupante e dramática para artistas, técnicos, produtores, sem apoios".
"Claro que me preocupo com os milhões de pobres em todo o mundo, e também com os artistas, porque esta situação é muito humilhante", afirma.
Para a pintora, são os artistas que oferecem ao mundo uma dimensão criativa sem a qual ficaria ainda mais pobre: "Não imagino um mundo sem arte, não poder ir a um museu, uma livraria, ao cinema. Assistir em casa, 'online', é totalmente diferente. Faz-me muita falta ver as pessoas, os rostos".
"Vamos passar a olhar os outros com desconfiança, com medo, e temos de lutar contra isso", afirma a artista, que teve como professores, em início de carreira, artistas como Ângelo de Sousa, Tito Reboredo e José Rodrigues.
Graça Morais diz que tem vindo a pintar justamente o tema do medo desde 2011, que define como "a caminhada do medo".
Na exposição "Metamorfoses", a artista já abordava este medo e a forma como estava a observar as pessoas: "Pareciam-me como gafanhotos desesperados, a devorar tudo. Foi isso mesmo que passou para a minha pintura. A inquietação".
Para a artista plástica, nascida em 1948, a pandemia "foi um grande choque, que obrigou a uma mudança radical de hábitos muito assustadora".
"Como artista o isolamento não me custou, estou habituada. Custa-me a falta de liberdade, porque descobri que sou velha e pertenço a um grupo de risco", disse a artista de 72 anos.
Com alguma ironia, Graça Morais diz que, devido à idade, algumas pessoas perguntam-lhe se ainda pinta.
"Com esta doença caí na realidade, mas sinto-me muito mais calma, deixei de ter tantos compromissos. Nos últimos anos acho que todos nós entrámos num ritmo infernal", reiterou.
"Isto tinha de rebentar de qualquer maneira. Este capitalismo feroz gera empobrecimento", acrescentou, sobre um acontecimento mundial que embora tenha sido inesperado, era, na sua perspetiva, até "bastante previsível".
Portugal entrou no domingo em situação de calamidade, depois de três períodos consecutivos em estado de emergência, desde 19 de março.
Esta nova fase de combate à covid-19 prevê o confinamento obrigatório para pessoas doentes e em vigilância ativa, o dever geral de recolhimento domiciliário e o uso obrigatório de máscaras ou viseiras em transportes públicos, serviços de atendimento ao público, escolas e estabelecimentos comerciais.
Foto: António Pereira
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