Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
- Um certo vulto caminhava numa estrada brasuca. O lugar era ermo. Nenhum ser vivente à vista.
O lugar e a época, não se sabe ao certo.
A presença de um OVNI ziguezagueando acima da cabeça, parecia ser o único sinal de movimento, além daquele andarilho. De quando em quando, o foco de luz de um ou outro relâmpago, iluminava seu semblante medonho. Sua face era coberta por escamas: algumas negras, outras brancas. Aqui e acolá, algumas raras escamas azuis e rosadas. Coma luz emitida pelo foco, podia ver-se que as escamas pareciam húmidas: olhando-as mais de perto, constatava-se que eram cobertas por uma espécie de geleia. E era uma gosma malcheirosa, recendendo a enxofre. Os olhos daquele andarilho eram enormes, e não eram dotadas de pálpebras. A testa era toda franzida e, no alto da cabeça, ao invés de cabelos ou algo parecido, apenas uma nervura rugosa, no formato de uma crista, de cor avermelhada. À guisa de roupa, vestia uma capa plástica vermelha sobre o corpo nu. As mãos estavam vestidas com negras luvas de uma espécie de borracha, enquanto os pés eram protegidos por altas e negras botas plásticas que se estendiam capa adentro.
Chovia. Uma fina e fria chuva caía naqueles rincões. De repente, o OVNI, numa manobra espetacular, corta os céus, desaparecendo entre luzes verdes, azuis e prateadas. A estrada tornou-se ainda mais escura. Ao longe, ouvia-se o coaxar de um sapo-boi; por certo chamando a fêmea, enquanto que um curiango passou pelo andarilho, emitindo seu pregão aterrador. A estrada agora chega ao topo de uma montanha. O andarilho, do alto, contempla os raios, trovões e relâmpagos, que ribombam num trecho do vale entre duas montanhas. Sob a luz dos relâmpagos, o andarilho avista uma solitária casa de fazenda, cuja chaminé fumegava. Nesse instante, o andarilho certificou-se: aquela casa era a razão de suamissão; e para ela encaminhou-se. O andarilho avizinhou-se da janela. Pelo vidro, apesar da pouca luz no interior da casa, viu uma mulher cozinhando algo num pequeno caldeirão. Olhando por outro ângulo, viu a quem supôs ser o chefe da família: um homem esquálido (e ao que parecia doente), sentado à cabeceira da mesa, sendo esta rodeada por mais cinco cadeiras, quatro crianças: dois meninos e duas meninas. Sobre a mesa, umas poucas frutas e um pão descansavam sobre uma grande bandeja. Do outro lado da bandeja, uma moringa com água. Os seis lugares da mesa eram guarnecidos com pratos, talheres e copos. A mesa era forrada por uma grande e branca toalha de rendas. O andarilho ficou ali, apreciando a cena. De súbito, a mulher que cozinhava ao fogão, levou o fumegante caldeirão para a mesa. Depositou em cada prato uma batata e parte de uma cebola. A mulher serviu primeiro as crianças. No final, ela e o marido entreolharam-se. O andarilho notou que havia restado somente uma batata no caldeirão. Delicadamente, os pais daquelas crianças a dividiram. O andarilho notou que, antes de comer, o homem esquálido pediu que todos ficassem de pé, e começou uma oração, agradecendo pela comida à mesa, e desejando que aquele Natal trouxesse algo de bom para a família. Ordenou que as crianças comessem e fossem dormir, e que rezassem: pois quem sabe não aconteceria um milagre, e o Papai Noel traria presentes para todos?
Ouvindo isso, o andarilho tirou um pequeno aparelho de um bolso da capa. Ligou o aparelho e falou numa língua estranha. Em seguida voltou ao seu posto de observação. Mal terminaram a ceia, aquela família viu um clarão no quintal da casa. Três OVNI ali pousaram, ao mesmo tempo. As pessoas saíram da casa para inteirar-se do que estava ocorrendo, e viram entre incrédulos e amedrontados, que seres muito feios e fedorentos, ofertavam-lhe caixas e mais caixas de comidas e presentes. A despensa ficou abarrotada, com comida para todo um ano; e as crianças tiveram seus quartos cheios de brinquedos e roupas. Ganharam ainda sementes, e implementos agrícolas, telhas, tijolos, madeiras e outros materiais de construção. O andarilho abriu uma caixa, colocou uma barba postiça e um gorro vermelho. E falou em bom português:
-Feliz Natal!
Tão logo descarregaram as oferendas, aqueles seres horrorosos entraram em suas naves e partiram; exceto o andarilho, que agitando os braços, qual asas, alçou voo atrás dos OVNI, subindo até sumir entre as estrelas. Durante o resto da noite e madrugada que se seguiu, aquela família ainda ouvia, vindo lá do meio das estrelas, uma voz grave e sorridente, que dizia:
- Hô, Hô,Hô: Feliz Natal!
Referência:
1) Esse texto faz parte do meu livro ”Fragmentos”, publicado pela Editora Nativa, São Paulo, Brasil, em 2004 (à página 19).
2) O título original no livro Fragmentos é “Uma Visita Inesperada”.
3) Papai Noel, é como os brasileiros chamam ao Pai Natal.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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