quarta-feira, 6 de outubro de 2021

A chave ferrugenta do palheiro...


Pudesse eu assim cantar meu fado 
E dizer: "sou Engenheiro dos de certo!" 
Que depressa um padrinho mais prendado 
Me faria passar a efectivo 
De uma Câmara pouco ou nada exigente... 
E então também eu me passearia 
Em carro mais ou menos reluzente, 
Como vem fazendo aqui e agora 
Muito homúnculo a que por bizarria 
Damos desde há tempo o epíteto de "gente"!
Mas -ai de mim!- que não sou Sousa 
Nem bacharel nem engenheiro... 
Que não me inscrevi à pressa numa Independente 
Universidade de trazer por casa... 
Nada tenho e é pouca a cousa 
Que faz de mim um cidadão honrado: 
Como muitos pago imposto e sou roubado... 
Quando era estudante fui chumbado 
Por não dizer "amen" como o restante gado 
E ter mantido o nariz bem empinado!
Agora aqui estou -pobre de Deus!- 
Faço versos que dou aos meus amigos... 
Bebo copos de vinho rasca e baptizado 
Rio-me do mundo e deste povo esfarrapado 
Que leva no toutiço e 'inda ri e bajula 
O semp'eterno, escrevendo no caderno 
Avé Marias cheias de graça e de dinheiro... 
Esse bruto, cabeça oca, esse farsola que aceita 
Ser governado por um pseudo-engenheiro, 
Porque, ao que parece, já não há quem queira 
A chave velha e ferrugenta do palheiro!

Veríssimo Ramos
(num dia em que, como Bocage, se achou mais pachorrento!)

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