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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Casca seca de Laranja

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Há certas coisas na vida que desde criança me fascinam e sendo coisas banais mais insólito se torna explicar a terceiros as razões profundas para tal.
Havia em casa dos meus pais um quintal que do lado esquerdo tinha um muro de alvenaria que suportava a força da rua de terra que marginava a linha do caminho de ferro que ali passava para gáudio da garotada que tocava a charanga à passagem do "misto" ofegante e lento em direção à Estação da CP que ficava logo a seguir à Moagem Mariano. O muro tinha uma particularidade interessante, não fora rebocado e mantinha reentrâncias pequenas mas suficientemente grande para nós, criançada, que escondíamos lá toda a sorte de bugigangas, como: berlindes e esferas, paus redondos e bem raspados para a prática do jogo do berlinde, conchas, que guardávamos para fazermos Colares e tudo que era minimamente capaz de caber no bolso e no buraco da parede.
Era um muro insólito aquele pois que como uma estante mantinha enxuto e a recato as miudezas da nossa modéstia de haveres.
Tinha este muro outra vocação que lhe advinha do facto de estar voltado a Oriente e que desde bem cedo, aos primeiros alvores do Sol Nascente até por volta das 3:00 da tarde quando se iniciava a curva descendente do astro em direção a Poente, banhava de luz o muro que nos devolvia um calor que a pedra assimilava facilmente devido ao Sol que sempre cumpria a missão eterna de nascer com o lusco-fusco e se pôr com o Ocaso.
Quando era tempo de São Lázaro a casa enchia -se de laranjas que a minha mãe comprava a granel e a casca que sobejava após as descascarmos era colocada nos buracos da parede para secar ao sol e logo que ela estava bem seca ela retirava-a pois que já o processo de secagem estava completo, podendo usar-se para dar paladar ao arroz doce. 
Nesse tempo os bolos de Aniversário estavam reservados para outra gente que não para nós e a celebração do dia de anos tinha como que o desígnio de nos fazer felizes com o jantar do dia e no final fechava-se com uma travessa de arroz doce que sabia a Laranja das do Algarve, pois durante a confeção se lhe adicionava a casca que o muro guardava e expunha ao sol para secar.
Não me imagino a relembrar o muro sem as cascas de Laranja a secar ao sol.
Quando o leite fervia e o arroz estava cozido era esvaziado para uma travessa grande e uns minutos depois, quando era já frio suficientemente, começava a arte mágica de escrever o nome do Aniversariante com capricho em que as letras fossem perfeitas e a decoração floral fosse condizente. Com mãos hábeis metia-se a canela entre os dedos e deixava-se entre o polegar e o indicador e fazia-se deslizar na vertical ao jeito de que a primeira letra fosse a que garantia uma estética perfeita na decoração que era imperativo agradasse a todos. Algumas vezes metia-se em tigelas e a decoração variava com quadrículas ou losangos que também dava gosto ver.
Mais tarde no tempo em que terminei a Escola fui trabalhar para a Pastelaria Ribeiro onde de quando em vez aparecia uma encomenda de um bolo de Aniversário, e paulatinamente o povo passou a deixar o arroz doce e passou a usar-se o bolo de Aniversário que eu próprio confecionei aos milhares durante a minha  vida, que não para mim.
E agora velho e acabado ainda peço à minha mulher que faça uma travessa de arroz doce em que ponha uma casca de laranja seca para melhorar o paladar e nessa hora é certo recordar-me do velho muro onde escondia as minhas peças e a minha mãe secava as cascas de laranja para fazer arroz doce.



Gaia 07/10/2021
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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