Dança dos Paulitos |
Constitui, sem dúvida, uma das mais castiças expressões do nosso folclore, a “dança dos paulitos“, que, nos recatados confins de Terras de Miranda do Douro, é ainda executada pelos naturais no festival a Nossa Senhora do Naso e em outros, sem que as investidas da civilização a tenham conseguido derrubar ou subverter, descaracterizando-a.
Este divertimento é duma antiguidade quási imemorial, pois já no século XV se exibia nas festas do “Corpus Christi“.
Os actores do bailado – em número de 16, na dança completa, ou de 8, na meia dança – manejam com agilidade uns pequenos bastões com cerca de 35 centímetros, “palotes” ou “paulito“, com os quais marcam o compasso, batendo com eles reciprocamente.
Os dançantes, “peões” e “guias” em mangas de camisa, tendo nas costas, ao pendurão, lenços floridos de seda, dançam numa exaltação febril, saltitando, volteando, cruzando-se e contorcionando-se com simplória graça, num estilo que perturba e entontece, ao mesmo tempo que os bastões se entrechocam ritmicamente.
Durante as evoluções coreográficas, usam uns fantasiosos vestuários regionais, apropriados para este divertimento e característicos pela orgia policrómica e terna complexidade.
Os trajes
Constam de um largo chapéu braguês, preto, engalanado de lantejoulas, penas de pavão e flores, tendo pendentes da aba duas longas fitas.
Colete guarnecido caprichosamente e no qual se distingue um losango de tecido branco, na parte posterior que se ajusta às costas.
Estes coletes são de grosseiro burel escuro, a que chamam “pardo“, espreitando no bolso dos mesmos, lenços brancos, matizados a cores berrantes;
Saias brancas, rodadas, de grandes folhos, tendo na barra guarnições bordadas, garrido saiote de baeta vermelha.
Meias de lã branca, ensilveiradas a preto e sapatos de baqueta branca, ornamentados a cores.
Esta dança cheia de cor, de movimento e dum certo pitoresco selvagem, quási não carece de ritmo e de sentido musical; executa-se ao som horríssono do tamboril, da caixa de rufo e da gaita-de-foles.
Além deste instrumento ruidoso, tangem os dançarinos, durante a exibição, castanholas, que ressoam no bailado como um estridente acompanhamento.
Estilos e variantes da dança
Tão característica dança, presa a uma sólida tradição, é por vezes acompanhada por canções populares, num cerrado dialecto quási incompreensível, misto de português e de castelhano.
Tem diversos estilos e variantes – “laços” – contando-se entre os principais: a lebre, o mirandum, a erva as pombas, os ofícios, a a carmelita, D. Rodrigo, o perdigão, o vinte e cinco, o acto de contrição, o cavalheiro, a pimenta, o touro, o canário e o maridito.
Teve a prioridade nestas investigações o erudito folclorista dr. Leite de Vasconcelos que, nos Estudos de Filologia Mirandesa, abordou o tema desenvolvidamente.
Assegura o douto arqueólogo Reverendo Francisco Manuel Alves, que esse bailado deve ter lido uma origem sagrada que se obliterou, e não guerreira, como conjecturam alguns comentadores.
Tal hipótese é admissível, tanto mais que os mirandeses não bailam com espadas, lanças ou qualquer outra arma ofensiva, mas simplesmente, com pequenos bastões, como for já referido.
A dança dos paulitos não guarda dos tempos antigos nenhum vestígio pagão, sendo demasiado rigoristas os párocos que a não toleram nas festas religiosas.
Em Penafiel, nos festivais do Corpo de Deus, exibem-se algumas danças originais tais como a dos sapateiros, dos ferreiros, e outras em que há animação e ingenuidade.
Seria longa a enumeração de todas as danças populares portuguesas, muitas delas tumultuosas e cheias de dinamismo.
Vira Minhoto |
Cada província, cada região, possui os seus bailados característicos, manifestações, de vivacidade, de alegria, telas animadas das ocupações agrárias e dos arraiais rumorosos: o Algarve tem a “cana-verde” e o “corridinho“, dançados quási sempre ao som da harmónica.
O Ribatejo, o “vira-vira“, o “estaladinho” e o “verde-gaio“, cujos movimentos são regrados frequentemente pela gaita-de-beiços.
O Douro, o “regadinho” e a “chula-vareira“.
O Minho, o “malhão“, o “vira“, a “ramaldeira” e a “cirandinha“, modas estas dançadas quási todas ao som raspado e chocalhante da viola e de típicas cantigas.
Entre as danças mais ou menos licenciosas, conta-se o “fado“, batido no tablado das lôbregas alfurjas em posições torpes e desnalgadas, em que o sadismo e a devassidão se confundem, vibrando em uníssono.
Muito embora cheia de nítida influência andaluza, deve ainda notar-se a dança, o “fandango“, cujo sapateado ou ruído feito com os rastos e tacões do calçado, atingem os efeitos duma saltitante orquestração.
A carta coreográfica da dança nacional, é uma farândula de graça desenvolta, castiça, sadia e embriagante, que devia merecer o culto dos folcloristas que têm entusiasmo por todas as revelações da simplória alma popular.
Fonte: “Ilustração” nº 273 – 1937
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