Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 9 de abril de 2022

Crónicas naturais: chegaram os cucos

Cuco-canoro. Foto: Ron Knight/WikiCommons
Abril 2022

Chegaram, foi o almocreve que os trouxe. 

Os britangos (Neophron percnopterus) chegam antes dos cucos (Cuculus canorus), assim parece à primeira vista, mas não levam grande avanço. Um dos nomes tradicionais do britango é “almocreve-dos-cucos”. Um nome de sonho; fico a imaginar o britango vindo de África, carregado com uma saca de cada lado. Abre-as ao chegar à terra e dali esvoaçam cucos espavoridos em todas as direções. Os cucos ainda levam uns dias a recompor-se, da viagem e do susto. Só depois começam a cantar.

(Parêntesis: como é que se pode chamar abutre-do-egipto a uma ave tão nossa como o britango? Como é que se pode, só porque houve um dia um português que, desinspirado e preguiçoso, resolveu traduzir o nome inglês, dando um violento pontapé na tradição. Como é possível? Os nomes dos pássaros na língua portuguesa também deveriam ser espécies protegidas). 

Por estes dias, finais de março, início de abril, chegam os cucos a toda a parte (exceto ao coração das grandes cidades, onde não há). Talvez sejam o sinal mais certo de ser primavera. Dantes eu não ligava muito aos cucos, confesso. São desengraçados nas plumas e parecem-me deselegantes nas formas e no voo, com aquela cauda tão comprida, as asas trémulas e exageradamente pontiagudas, um olho sem expressão. Não têm o mistério das coisas raras, nem um canto de espantar.

Mas como é sempre o caso, quando se começa a conhecer, logo a realidade se transfigura. Fundamental foi ter encontrado “Cuckoo, cheating by nature” de Nick Davies (publicado em 2015), um dos três ou quatro mais fantásticos livros de história natural que já li, uma obra-prima. A quem gosta destas coisas da vida da passarada, fica a recomendação.

Depois, recentemente, descobriu-se que os vulgares cucos-canoros são das aves migradoras mais prodigiosas que existem. Fiquei logo rendido, migração é magia. Não que dos cucos nacionais e dos seus roteiros se saiba ainda grande coisa (isto para além do facto, sobejamente conhecido, de que são carregados em sacas por um abutre que não vem do Egipto).

Grande parte das aves migradoras que vão da Europa ocidental para África passam o inverno em savanas sazonalmente áridas, muitas vezes logo a sul do Sara, no Sahel. Os cucos europeus, por seu lado, são das poucas aves aqui dos nossos lados que invernam nas pluviosas florestas tropicais da bacia do Congo*. Quando os virem, perguntem-lhes dos mandris, dos gorilas e dos okapis, eles vos dirão.

Cuco-canoro. Foto: Vogelartinfo/WikiCommons

Mas há cucos porventura ainda mais fascinantes, cucos que fazem das migrações mais extensas e exóticas imagináveis. São os cucos que nascem e se reproduzem em Kamchatka, no extremo leste da Federação Russa, nas margens do Pacífico Norte, terra de vulcões e de ursos-pardos gigantescos. Estes cucos (ainda estamos a falar do nosso bem conhecido cuco-canoro Cuculus canorus, insisto) fazem uma migração que atravessa a Ásia, com paragens na China e na Índia, para depois cruzarem o continente africano e invernarem… na Namíbia!! São mais de 15.000 quilómetros para cada lado. Fazem a mais longa migração conhecida (aos dias de hoje) de uma ave puramente terrestre**.

Os cucos parasitam ninhos de inúmeras espécies de pequenos pássaros. Ali poem um ovo, de onde sai um pinto que destrói os seus irmãos adotivos e é criado pelos pais de ocasião até voar e se tornar independente. Por este ciclo de vida inusual, os cucos são das aves europeias mais investigadas, mas permanecem uma fonte de surpresas, podíamos estar aqui semanas a fio de crónicas dedicadas. Na despedida desta nota de hoje, apenas um comentário de flagrante ignorância e de oportunidade de pesquisas. Procurei, mas não consigo encontrar uma indicação clara de quem possa ser a vítima mais vulgar do parasitismo dos nossos cucos. Afinal, em Portugal, geralmente os cucos põem e crescem no ninho de que hospedeiro?

Talvez o almocreve saiba. 

* Willemoes M et al 2014. PloS One

** Kasper Thorup et al 2018. International Ornithological Congress, Vancouver

Paulo Catry

Sem comentários:

Enviar um comentário