Feijoadas e feijões
«Desejais inesperadamente uma boa feijoada comida em mangas de camisa?» (Eça de Queirós)
Só depois da descoberta das Américas é que o feijão foi conhecido na Europa, pois parece ser originário da América do Sul, provavelmente do Peru.
Quando os navegadores espanhóis e portugueses chegaram ao Novo Mundo, já ele era largamente cultivado pelos incas (que lhe chamavam «purutu») e também pelos astecas do México (que o designavam por «ayacote»).
Trazido para o continente europeu, espalhou-se rapidamente e no século XVII era cultivado em todos os continentes.
Os escritores quinhentistas portugueses já o nomeiam. Isto refere-se a todas as variedades de feijão vulgar («phaseolus vulgaris»).
A espécie conhecida por feijão frade («vigna sinensis») é outra conversa. Teve origem na África Central, donde irradiou parte para o Oriente e para a região mediterrânica, tendo possivelmente sendo introduzida na Península Ibérica pelos muçulmanos.
O feijão é a semente comestível do feijoeiro e assim é consumido como leguminosa seca, ou também pode ser utilizado sob a forma de vagem verde (feijão verde, feijão carrapato).
A diversidade e o cromatismo do feijão seco vistos por Aquilino Ribeiro:
«O feitor enterra a mão na rasa e retira-a plena de turmalinas, opalas, sardagatas, ónix… perdão, feijões burros, barriga-de-freira, manteiga, negrinhos, etc., (…) uma teiga com feijões de vária espécie é um escrínio de cores, de formas, de simplicidade e modéstia, quintessenciadas».
Entre nós, o feijão-verde come-se sobretudo cozido, em sopa, em salada e, passado por ovo e frito, incorpora os populares «peixinhos-da-horta».
Do feijão seco, em espécie e em puré, fazem-se substanciosas sopas com hortaliça complementar, e até à doçaria ele chega através dos pastéis de feijão, de Torres Vedras e não só.
Contudo, o seu reino por excelência é o das feijoadas.
Uma feijoada o que é?
Uma feijoada não é mais que feijão guisado (branco, manteiga, catarino, encarnado ou preto) acondutado por carne e apêndices porcinos e enchidos do mesmo.
Em formato geral, ele é cozido primeiro, tal como as carnes (junta ou separadamente), introduzindo-os depois no refogado (base de todos os guisados) de azeite, cebola e alho picados, a que se acrescenta a água da cozedura, se tempera (pelo menos com sal e pimenta, e um golpe de vinagre, digo eu) e se deixa apurar longamente (tendo cuidado com o «bispo»).
Em Portugal existem feijoadas variegadas.
Desde logo, as «tripas à moda do Porto» são, no fundo, uma feijoada (embora convoquem outras carnes que não de porco).
De Entre-Douro-e-Minho é ainda a «orelheira com feijão branco».
De Trás-os-Montes vem a «feijoada à transmontana» (com as carnes fumadas e, por vezes, com adição de couve bacalã).
E por aí fora, Beiras, Ribatejo, Estremadura e Alentejo, com as suas modalidades de feijoadas – o Algarve, ao seu estilo, junta a terra com o mar na «feijoada de búzios» -, diferentes nos condimentos e no tipo de carnes, mas não longe do modelo matricial.
Uma apaladada feijoada é sempre um prato jubiloso.
Quanto às possíveis eructações, flatulências e ventosidades, cada um responda por si.
Guia da Semana – EXPRESSO – Edição Norte
Sem comentários:
Enviar um comentário