Conheci o senhor Venâncio há vários anos. O senhor Venâncio era muito popular lá na terra. Grupo de amigos em que estivesse presente, proporcionava a todos um grande divertimento e uns momentos bem passados que faziam esquecer as vicissitudes da vida. E aquela gente bem o merecia. Subjugados por um trabalho de subsistência – uns a cuidar das suas propriedades e outros a ajudá-los em troca da jeira – pouco dispunham de uma vida melhor do que a ruralidade, na qual o precário se avantajava em toda a extensão do seu significado.
Pois o senhor Venâncio, além de outras caraterísticas que lhe eram inerentes, portava-se como um grande contador de histórias e de anedotas, por vezes bem picantes. Mas antes de avançar para uma das mais apimentadas, feito palhaço, metia-se pelo grupo à procura de alguma senhora, menina ou criança que estivessem presentes. E fazia-o de tal maneiro que toda a gente lhe achava graça. Era um pândego, mas muito boa pessoa. Também ele, vivendo da jeira, suportava a precariedade da vida rural.
Porém, uma sua caraterística que a todos metia confusão, (e não era assim tão má), era o de abusar um pouco da hospitalidade que muitos lhe proporcionavam, principalmente a de um seu grande amigo – o senhor Horácio, a troco de um ou outro favor. Nesta hospitalidade habituou-se a sentar-se à mesa e servir-se da refeição, como se fosse em sua casa. Acabada a refeição, derretia-se em agradecimentos, saía e retomava a sua vida normal.
Conhecido nas redondezas como pessoa esperta e com algo de ambição, ali estava o homem que procuravam.
Um dia, subitamente, e com a admiração de todos, viu-se fiscal das feiras do concelho. E, como a ambição muitas vezes muda o caráter das pessoas, começou a falar de alto e distanciar-se um pouco dos amigos da sua terra, a quem raramente dava alguma atenção, excetuando o já falado amigo senhor Horácio que várias vezes o aconselhava a comportar-se de forma a que toda a gente o tomasse por pessoa séria e imparcial. Isto, porque corria um rumorejo sobre a sua estranha atuação em relação aos vendedores, fazendo vista grossa para alguns e intimando outros.
Começou a perceber-se depois que a vista grossa acontecia só para aqueles com quem se dava melhor e a quem deixava passar uma ou outra infração – aqueles que o convidavam a almoçar gratuitamente e lhe entregavam, no fim da feira, algo contido num saco de compras que ele depressa e à sorrelfa, recolhia no seu automóvel comprado há pouco tempo por um preço e condições especiais… Já agora, a talho de foice, era ele que fazia de taxista para quem precisava de se deslocar e a quem exigia um preço algo exagerado.
Principalmente em datas assinaláveis, era também no seu automóvel que transportava para as pessoas importantes da vila os melhores produtos da sua e de outras terras ao redor, nomeadamente cabritos e cordeiros, galos e perus, queijos e requeijões, compotas e produtos artesanais que comprava por um preço muito em conta e vendia por um preço em conta – um favor que fazia às pessoas importantes.
E chegou a altura em que as pessoas importantes, ansiosas por terem alguém contorcionista que se movimentasse à vontade num campo político, onde sempre quiseram penetrar, pensaram preparar para tal o senhor Venâncio que decerto iria manejar esse campo bastante bem.
E assim foi. Apesar das recomendações do amigo Horácio, que o foram acompanhando pela vida fora, nunca tendo aceitado dele qualquer favor que colidisse com a sua consciência e reconhecida probidade, o senhor Venâncio, não deixando de aliciar quem ele sabia e podia aliciar, vive muito bem, e vai ressonando diante da televisão, na sua poltrona de pele, enquanto o amigo Horácio saboreia, à mesa, o parco jantar, sentado numa cadeira de pau.
Pois o senhor Venâncio, além de outras caraterísticas que lhe eram inerentes, portava-se como um grande contador de histórias e de anedotas, por vezes bem picantes. Mas antes de avançar para uma das mais apimentadas, feito palhaço, metia-se pelo grupo à procura de alguma senhora, menina ou criança que estivessem presentes. E fazia-o de tal maneiro que toda a gente lhe achava graça. Era um pândego, mas muito boa pessoa. Também ele, vivendo da jeira, suportava a precariedade da vida rural.
Porém, uma sua caraterística que a todos metia confusão, (e não era assim tão má), era o de abusar um pouco da hospitalidade que muitos lhe proporcionavam, principalmente a de um seu grande amigo – o senhor Horácio, a troco de um ou outro favor. Nesta hospitalidade habituou-se a sentar-se à mesa e servir-se da refeição, como se fosse em sua casa. Acabada a refeição, derretia-se em agradecimentos, saía e retomava a sua vida normal.
Conhecido nas redondezas como pessoa esperta e com algo de ambição, ali estava o homem que procuravam.
Um dia, subitamente, e com a admiração de todos, viu-se fiscal das feiras do concelho. E, como a ambição muitas vezes muda o caráter das pessoas, começou a falar de alto e distanciar-se um pouco dos amigos da sua terra, a quem raramente dava alguma atenção, excetuando o já falado amigo senhor Horácio que várias vezes o aconselhava a comportar-se de forma a que toda a gente o tomasse por pessoa séria e imparcial. Isto, porque corria um rumorejo sobre a sua estranha atuação em relação aos vendedores, fazendo vista grossa para alguns e intimando outros.
Começou a perceber-se depois que a vista grossa acontecia só para aqueles com quem se dava melhor e a quem deixava passar uma ou outra infração – aqueles que o convidavam a almoçar gratuitamente e lhe entregavam, no fim da feira, algo contido num saco de compras que ele depressa e à sorrelfa, recolhia no seu automóvel comprado há pouco tempo por um preço e condições especiais… Já agora, a talho de foice, era ele que fazia de taxista para quem precisava de se deslocar e a quem exigia um preço algo exagerado.
Principalmente em datas assinaláveis, era também no seu automóvel que transportava para as pessoas importantes da vila os melhores produtos da sua e de outras terras ao redor, nomeadamente cabritos e cordeiros, galos e perus, queijos e requeijões, compotas e produtos artesanais que comprava por um preço muito em conta e vendia por um preço em conta – um favor que fazia às pessoas importantes.
E chegou a altura em que as pessoas importantes, ansiosas por terem alguém contorcionista que se movimentasse à vontade num campo político, onde sempre quiseram penetrar, pensaram preparar para tal o senhor Venâncio que decerto iria manejar esse campo bastante bem.
E assim foi. Apesar das recomendações do amigo Horácio, que o foram acompanhando pela vida fora, nunca tendo aceitado dele qualquer favor que colidisse com a sua consciência e reconhecida probidade, o senhor Venâncio, não deixando de aliciar quem ele sabia e podia aliciar, vive muito bem, e vai ressonando diante da televisão, na sua poltrona de pele, enquanto o amigo Horácio saboreia, à mesa, o parco jantar, sentado numa cadeira de pau.
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