Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
O tio Zé lá estava sentado à sua porta, moendo os dias e as amarguras de recordações passadas e de riquezas antigas por terras de Cuba.
Ainda novo emigrou, levado pelo sonho dourado de enriquecer à sombra do açúcar, do café e principalmente do tabaco. O sonho realizou-se e o tio Zé, nos tempos áureos da ditadura de Fulgêncio Batista passeava-se como um fidalgo pelas longas avenidas de Havana fumando, ostensivamente, charutos havanês.
Mas a História, inesperadamente, inverteu a promissora carreira do Tio Zé que não resistiu à demolidora nacionalização da revolução Socialista de Fidel Castro.
E assim, de um dia para o outro, o Tio Zé regressou à humílima casa que tinha na sua pequena aldeia do Nordeste transmontano, deixando para trás infindos campos agrícolas onde abundavam as colheitas do açúcar, do café e do tabaco.
E agora, lá estava o Tio Zé, todos os dias, sentado à sua porta, de bengala na mão, não se cansando de murmurar, como quem reza um responso de esconjuro:
- Morra Fidel Castro!
- Abajo Ernesto Che Guevara!
E assim passava os dias o Tio Zé, abanando a cabeça e oferecendo aos que passavam uma bebida estranhíssima que quase ninguém usava…pois todos preferiam o vinho que abundava nas adegas frescas junto ao ribeiro.
- Quieres um café!
Dizia o Tio Zé num espanhol arrevesado
E mais por agrado do que por outra coisa, os vizinhos lá iam tomando o café do Tio Zé que tinha sempre a cafeteira ao lume, onde deitava duas brasas acesas para que o café assentasse!
Estava o Tio Zé envolto nos seus pensamentos, aproveitando um sol melado de fim de tarde, quando chega o Tio Manuel, um homem grande que tinha andado na Grande Guerra…na Guerra de 14, como ele gostava de dizer.
O Tio Manuel apreciava tomar banho no único chuveiro que havia na aldeia e que o Tio Zé improvisou, na sua adega, com a criva de um regador. Também os garotos depois das lides domésticas se juntavam no quintal do Tio Zé gritando em grande alvoroço:
- Tio Zé deixa-nos tomar banho no vosso chuveiro?!
Que grande modernice tinha trazido o Tio Zé das terras do fim do mundo!
Como de costume, depois de tomar banho e de pentear o cabelo para trás, o Tio Manuel sentou-se na soleira da porta e a conversa, sem pressa, desfiou-se à volta das façanhas que cada um tinha protagonizado por terras de Cuba e pelas terras de França, mergulhadas numa guerra mortífera:
- Tu que pensas Zé, para a Guerra de 14 fomos 200 mil homens portugueses e morreram lá mais de 10 mil…eu, lá me safei misturado com as tripas e os corpos dos mortos…quieto…a fazer-me de morto…assim, deixei-me levar para a vala onde eram enterrados os que caíram nas trincheiras…e ao anoitecer…pernas para que te quero, fugi para um povo, onde fui tratado como um rei.
Então era ver o Tio Manuel tirar do bolso velhas fotografias de namoradas coquetes que na sua imaginação pródiga teria tido, por terras de França, enquanto o Tio Cubana atirava à queima-roupa:
…mulheres, tu sabes lá o que são mulheres, Manuel, eu em Cuba chegava a ter a três mulheres e governava-as a todas…cada uma em sua casa!
- Eu, até cheguei a namorar com uma freira!
Digladiava assertivo o Tio Manuel.
- Mas não era uma freira qualquer, era uma daquelas que quase não se lhe vê a cara que trazem umas palas, assim para a frente…e alongava cerimoniosamente os braços para exemplificar o cumprimento das palas.
- Conho…e como lhe davas um beijo!
Pergunta desconfiado o Tio Zé.
Sem se desmanchar, solenemente, responde o Tio Manuel:
- Com um canudo!
O Tio Zé acenou com a cabeça, como quem concorda com a resposta para o enigma e sem mais delongas vai buscar a cafeteira para presentear o seu amigo com um café…embora o Manuel tomasse a custo o café, somente na esperança que o mesmo fosse acompanhado com um quarteirão de aguardente.
Depois deste ritual, o Tio Manuel despedia-se do seu vizinho, levantando-se a custo, sempre murmurando:
- Já me doem as dobradiças…se me apanhasse no tempo em que namorava com a freira!
- Se tu conhecesses a minha Cármen de Havana, que até lhe mandei por um dente de ouro, então sim…
E a conversa ficava por aqui, até ao dia seguinte, em que de novo, os dois homens que viviam de sombras e dos sonhos dum passado de estrangeiros, haviam de relatar, pela milésima vez, as suas proezas com as mulheres longínquas e passear, demoradamente, pelos infindos campos de Cuba…ou sobreviver no terror das trincheiras da Grande Guerra de 14.
Ainda novo emigrou, levado pelo sonho dourado de enriquecer à sombra do açúcar, do café e principalmente do tabaco. O sonho realizou-se e o tio Zé, nos tempos áureos da ditadura de Fulgêncio Batista passeava-se como um fidalgo pelas longas avenidas de Havana fumando, ostensivamente, charutos havanês.
Mas a História, inesperadamente, inverteu a promissora carreira do Tio Zé que não resistiu à demolidora nacionalização da revolução Socialista de Fidel Castro.
E assim, de um dia para o outro, o Tio Zé regressou à humílima casa que tinha na sua pequena aldeia do Nordeste transmontano, deixando para trás infindos campos agrícolas onde abundavam as colheitas do açúcar, do café e do tabaco.
E agora, lá estava o Tio Zé, todos os dias, sentado à sua porta, de bengala na mão, não se cansando de murmurar, como quem reza um responso de esconjuro:
- Morra Fidel Castro!
- Abajo Ernesto Che Guevara!
E assim passava os dias o Tio Zé, abanando a cabeça e oferecendo aos que passavam uma bebida estranhíssima que quase ninguém usava…pois todos preferiam o vinho que abundava nas adegas frescas junto ao ribeiro.
- Quieres um café!
Dizia o Tio Zé num espanhol arrevesado
E mais por agrado do que por outra coisa, os vizinhos lá iam tomando o café do Tio Zé que tinha sempre a cafeteira ao lume, onde deitava duas brasas acesas para que o café assentasse!
Estava o Tio Zé envolto nos seus pensamentos, aproveitando um sol melado de fim de tarde, quando chega o Tio Manuel, um homem grande que tinha andado na Grande Guerra…na Guerra de 14, como ele gostava de dizer.
O Tio Manuel apreciava tomar banho no único chuveiro que havia na aldeia e que o Tio Zé improvisou, na sua adega, com a criva de um regador. Também os garotos depois das lides domésticas se juntavam no quintal do Tio Zé gritando em grande alvoroço:
- Tio Zé deixa-nos tomar banho no vosso chuveiro?!
Que grande modernice tinha trazido o Tio Zé das terras do fim do mundo!
Como de costume, depois de tomar banho e de pentear o cabelo para trás, o Tio Manuel sentou-se na soleira da porta e a conversa, sem pressa, desfiou-se à volta das façanhas que cada um tinha protagonizado por terras de Cuba e pelas terras de França, mergulhadas numa guerra mortífera:
- Tu que pensas Zé, para a Guerra de 14 fomos 200 mil homens portugueses e morreram lá mais de 10 mil…eu, lá me safei misturado com as tripas e os corpos dos mortos…quieto…a fazer-me de morto…assim, deixei-me levar para a vala onde eram enterrados os que caíram nas trincheiras…e ao anoitecer…pernas para que te quero, fugi para um povo, onde fui tratado como um rei.
Então era ver o Tio Manuel tirar do bolso velhas fotografias de namoradas coquetes que na sua imaginação pródiga teria tido, por terras de França, enquanto o Tio Cubana atirava à queima-roupa:
…mulheres, tu sabes lá o que são mulheres, Manuel, eu em Cuba chegava a ter a três mulheres e governava-as a todas…cada uma em sua casa!
- Eu, até cheguei a namorar com uma freira!
Digladiava assertivo o Tio Manuel.
- Mas não era uma freira qualquer, era uma daquelas que quase não se lhe vê a cara que trazem umas palas, assim para a frente…e alongava cerimoniosamente os braços para exemplificar o cumprimento das palas.
- Conho…e como lhe davas um beijo!
Pergunta desconfiado o Tio Zé.
Sem se desmanchar, solenemente, responde o Tio Manuel:
- Com um canudo!
O Tio Zé acenou com a cabeça, como quem concorda com a resposta para o enigma e sem mais delongas vai buscar a cafeteira para presentear o seu amigo com um café…embora o Manuel tomasse a custo o café, somente na esperança que o mesmo fosse acompanhado com um quarteirão de aguardente.
Depois deste ritual, o Tio Manuel despedia-se do seu vizinho, levantando-se a custo, sempre murmurando:
- Já me doem as dobradiças…se me apanhasse no tempo em que namorava com a freira!
- Se tu conhecesses a minha Cármen de Havana, que até lhe mandei por um dente de ouro, então sim…
E a conversa ficava por aqui, até ao dia seguinte, em que de novo, os dois homens que viviam de sombras e dos sonhos dum passado de estrangeiros, haviam de relatar, pela milésima vez, as suas proezas com as mulheres longínquas e passear, demoradamente, pelos infindos campos de Cuba…ou sobreviver no terror das trincheiras da Grande Guerra de 14.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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