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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Uma breve história da rádio em Portugal

 Sintonizamos a frequência da história deste meio de comunicação no nosso país desde o início do século XX até ao dia 25 de Abril de 1974.

LINA BALCIUNAITE / SHUTTERSTOCK - Exposição de rádios antigos em Mourão, vila raiana do distrito de Évora, em 2012.

Foi Heinrich Hertz quem descobriu as ondas de rádio, em 1886, mas só na década seguinte chegou um aparelho que as utilizou para transmitir mensagens. Guglielmo Marconi, inventor italiano, enviou mais tarde uma mensagem sem necessidade de fios a um colaborador que se encontrava a um quilómetro de distância em 1895 – seis anos depois, já conseguia comunicar sobre o Atlântico com os EUA.

Não demorou até que se entendesse o potencial desta nova tecnologia, com o início do século XX a abrir portas a aplicações científicas e tentativas de unir o mundo através da comunicação. Em 1920, foi lançado no mercado o primeiro aparelho de rádio e desde então, a presença deste meio de difusão é um conforto na vida dos cidadãos. Seja através de encarnações mais modernas, via online (ainda se lembra da Cotonete?) ou podcast, ou mantendo a telefonia sem fios, trazendo vozes familiares, música e informações a quem vive mais isolado, longe das cidades, a rádio merece destaque e celebração.

Recordamos aqui a história da rádio em Portugal, em factos, curiosidades e protagonistas.

CC BY 3.0 - Engenheiros dos correios britânicos inspeccionam o equipamento de telegrafia sem fios (rádio) de Guglielmo Marconi, durante uma demonstração na ilha de Flat Holm, a 13 de Maio de 1897. Fonte: Cardiff Council Flat Holm Project. 

1. OS PRIMÓRDIOS

Se Hertz, o cientista, desbravou o terreno para o surgimento deste meio de comunicação, foi Hertz, a rádio, que a estreou no nosso país. Fernando Gardelho Medeiros, um amador e amante das ondas hertzianas, transmitiu do seu quarto em 1914 esta rádio pirata antes de estas se tornarem populares nos anos 1980.

O alcance era reduzido: a Hertz chegava aos habitantes do bairro de Medeiros, em Lisboa, transmitindo palestras e música gravada. No entanto, o pioneiro da rádio em Portugal incentiva  à criação de outras estações pessoais, muitas vezes a partir de quartos ou instalações improvisadas, e à compra do equipamento feita através de investimentos particulares – em Lisboa, a Rádio Aliança, no Campo de Santana, e a Rádio Lisboa, na rua Serpa Pinto; ou, já no Porto, a ORSEC.

A febre em torno deste meio de comunicação instala-se definitivamente no país. O governo de então, já republicano, começa a fazer experiências avaliando o uso das ondas de rádio para fins militares, lembrando até algumas tentativas do capitão Severo da Cunha, em 1901, com telegrafia sem fios de curto curso. No entanto, as ambições das Forças Armadas nacionais eram maiores em 1919, conseguindo enviar uma transmissão entre o posto da Marinha em Monsanto, Lisboa, e um navio, o Douro, localizado a 300 quilómetros de distância.

Uma série de estreias reforçam a carolice e a curiosidade dos radialistas nacionais: a fundação da Rádio Academia de Portugal, por José Celestino Soares, uma escola virada para os amantes do meio em 1923; e no ano seguinte, o lançamento da revista “TSF”, com todas as novidades tecnológicas e culturais sobre o assunto. Não tarda que se instale no Chiado, nesse mesmo ano, a primeira emissora regular que recebeu o nome de Rádio Pim. Com a divulgação de aparelhos receptores, a rádio começava a chegar a um número maior de ouvintes.

Nas Ondas da Rádio - Exposição Temporária - Museu Virtual RTP

2. RADIODIFUSÃO

CT1AA é o nome técnico que marca uma mudança nos hábitos radialistas nacionais. É a designação de um emissor, comprado por um empresário e industrial português, Abílio Nunes dos Santos, alguém que viria a tornar-se figura fundamental da rádio nacional.

Além dos seus negócios, Abílio era um entusiasta de qualquer coisa relacionada com mecânica e electricidade: chegou a participar em corridas automóveis e, com o seu dinheiro e o da família abastada, lança-se na brincadeira de criar uma estação de rádio. A Rádio 1AA foi a sua primeira experiência, um caso clássico de alguém rico num país pequeno a tentar imitar o que se fazia lá fora.

No ano seguinte, viria a mudar de nome para um mais acessível Rádio Portugal. O indicativo de emissor torna-se então no referido CT1AA e a abertura das emissões crepitou com a voz de Ercília Costa, considerada a primeira fadista portuguesa de nome internacional. A Rádio Portugal é essencialmente uma paixão de Nunes dos Santos, sem ganhar dinheiro com publicidade, apostado em ter sempre o melhor equipamento disponível e em chegar ao maior público possível.

Em 1926, este segundo objectivo é alcançado com a criação da Rádio Colonial, dirigida a todos os portugueses que estavam em África. O empresário cuidou também de criar uma variação nas emissões que trouxe aquilo que reconhecemos hoje na rádio actual: além de músicas e palestras que as rádios locais já transmitiam, os seus emissores passavam um noticiário diário, baseado na imprensa escrita da época, algumas peças de teatro radiofónico e até música ao vivo.

Se já referimos o golpe de conseguir Ercília Costa como voz de inauguração, seria uma falta imperdoável não referir as várias performances da Orquestra Aldrabófona, na altura famosa nas noites de Lisboa e agora disponível para todo o público nacional. À época, um jornal questionou Abílio Nunes dos Santos até quando pretendia estender a sua aventura radiofónica. Simplesmente respondeu que, quando passasse a existir uma estação oficial que fizesse aquilo que ele fazia com a sua rádio, encerraria a sua. E como veremos, cumpriu a promessa.

Abílio Nunes dos Santos e os seus assistentes. Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo.

3. O SENHOR EXTRATERRESTRE

Enquanto as Forças Armadas testavam a nova tecnologia para comunicar com embarcações, um natural de São Bartolomeu de Messines, no Algarve, guardava ambições mais… inter-galácticas. Joaquim dos Reis Varela é hoje esquecido pelas páginas da memória, mas em 1914, os jornais apelidaram-no como o português que falava com extraterrestres. Antecipando em muito algumas febres que hoje correm televisão e Internet, Varela desde muito cedo que se interessou pelo assunto da vida noutros planetas, principalmente quando lhe relataram a observação de certas luzes nos céus nocturnos do Algarve.

Sem grande educação formal, era um autodidacta, mas entusiasmado. A 20 de Dezembro de 1914, subindo ao Penedo Grande em Messines, usou um rádio para comunicar com os céus. Alguns amigos acompanharam-no e juraram que observaram então luzes verdes e azuis, segundo Varela provenientes de Urano e Mercúrio.

Nos anos seguintes, continuou a reafirmar os seus sucessos no falatório com extraterrestres, descrevendo culturas e linguagens, garantindo até que os mais inteligentes eram os marcianos. Com a sua aparelhagem de rádio, apontando às estrelas, Varela reuniu informação suficiente para escrever artigos de jornal e até livros sobre alienígenas e a possibilidade de uma fraternidade entre seres humanos e os irmãos astrais.

Claro está que foi constantemente ridicularizado, embora convidasse membros das academias científicas europeias para se juntarem ao seu esforço, avaliando a ciência das suas experiências. Morreu aos 39 anos, desiludido com a reacção dos seus contemporâneos, dos homens de saber à sua demanda, mas convencido de que fora o primeiro ser humano a estabelecer uma ligação com extraterrestres. 

4. O RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

Em 1928, nasce no concelho da Parede a Rádio Clube Costa do Sol, pelas mãos de Alberto Lima Bastos e do Major Jorge Botelho Moniz. Tendo sido um dos participantes do golpe do 28 de Maio de 1926, Moniz tinha ligações ao novo regime, que instalou uma ditadura militar em Portugal, e como tal, a sua rádio local, que só chegava a Lisboa (o seu lema, humorístico, era “Rádio do Estado Livre de Portugal e da Galiza”),  foi crescendo de tal forma que o seu emissor começou a transmitir a nível nacional.

Nessa altura, em 1931, a emissora muda de nome para Rádio Clube Português (RCP). Ao longo da sua existência, e apesar de vários contratempos logísticos, esta rádio foi em simultâneo revolucionária e conservadora. A sua revolução veio na maneira como encarou o papel da radiofonia na vida dos ouvintes, oferecendo uma diversidade de programas de rádio: além do teatro radiofónico, a RCP acrescentou programas infantis (“O Senhor Doutor”), magazines culturais (“Serões de Arte”), música regular, conversas entre locutores e até transmissões desportivas, quando transmitiu, em 1933, um jogo entre a Académica e o União de Coimbra. Além disso, criou o hábito das novelas radiofónicas, com sucessos como o folhetim “Força do Destino”; programas humorísticos como o “Graça com Todos”, dos Parodiantes de Lisboa, ainda hoje detendo o recorde de programa mais longevo da rádio portuguesa; e iniciando a moda dos discos pedidos, com “Quando o telefone toca”.

O objectivo era o de entreter os ouvintes constantemente e manter até um espírito patriótico, de onde advinha o seu lado mais consevador. Botelho Moniz, com ligações excelentes com o Estado Novo e a União Nacional (úteis já que o Estado detinha o monopólio da comunicação), fez do seu órgão um baluarte do regime, com censura nos costumes e humor, notícias que faziam a propaganda do Estado Novo e também um serviço constante à distracção dos portugueses em relação aos seus problemas. Foi Botelho Moniz que, querendo ajudar o Estado a criar uma televisão, requereu licença estatal para instalar uma estação audiovisual, antecipando o que seria a RTP. Numa ironia, a estação de um grande entusiasta da ditadura seria central no início da Revolução do 25 de Abril, emitindo as senhas que congregaram os militares revoltosos e servindo de posto de comando durante a Revolução.

Salazar numa visita à Emissora Nacional. Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo.

5. A EMISSORA NACIONAL

Porém, o regime pretendia ter um órgão de comunicação próprio e assim, em 1935, nasceu a Emissora Nacional, numa iniciativa do engenheiro e estadista Duarte Pacheco. No ano seguinte, é lançada a Rádio Renascença; e fica assim completo o triângulo mágico de emissoras que marcarão o período da ditadura. Abílio Nunes dos Santos, como prometera, encerrou a sua rádio.

A Emissora Nacional toma a tarefa de desenvolver e controlar a cultura portuguesa. O seu primeiro director foi um militar, Henrique Galvão, e começou com duas emissões diárias: uma à hora de almoço e outra à hora do jantar. Muitas vezes, quem não tinha aparelhos, reunia-se em espaços públicos para escutar as emissões.

Indo ao encontro destes hábitos, e querendo que as suas emissões chegassem ao máximo de ouvintes, a Emissora Nacional promoveu a venda de receptores de rádio a baixo custo, instalando-se assim no máximo de casas nacionais. Esta rádio devia mostrar o grau de organização exemplar do Estado Novo e servir todos os seus habitantes, incluindo nas colónias e até em locais onde existissem grandes comunidades emigrantes portuguesas. A sua programação devia adequar-se a estes públicos: para as colónias, os noticiários eram sobre a realidade africana; nos EUA, por exemplo, focava-se em divulgação turística de Portugal em inglês.

Através de vários ideólogos do regime, com destaque para António Ferro, a Emissora Nacional tentava filtrar e modular os gostos nacionais, recorrendo a uma série de directivas que pretendiam criar um estilo português: a estação formava os seus próprios músicos, radialistas e cantores, que ajudava a promover nas suas ondas radiofónicas e emissões. Alguns dos seus programas mais emblemáticos mostram a toada conservadora: “Serão para Trabalhadores”, onde se divulgava o melhor da música ligeira nacional, a aceite pelo regime;  “Retiro da Severa”, dedicado ao fado e firmando-o como banda sonora nacional; ou “Diário da Emissora Nacional”, programa informativo controlado pela Censura.

Bruno Fernandes

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