sábado, 5 de março de 2016

Adeus Torralta!

1º. Festival Distrital da Canção
Torralta início dos anos 80-F.A.O.J.
Há dias que começam mal. Hoje foi um desses dias. Logo de manhã soube do triste destino do Cine Teatro Torralta. Mal imaginava eu que as sirenes que ouvi pela meia-noite e meia eram o socorro àquela que durante muitos anos foi a sala de estar da Cidade de Bragança. As chamas consumiram o Cine Teatro Torralta. As chamas consumiram grande parte das minhas memórias de infância e juventude. A memória física está hoje feita em cinzas, talvez por isso esta necessidade de escrever que senti mal soube da triste notícia.
Porque razão é que em Portugal nunca há culpados?
Esta é uma crónica muito pessoal embora acredite também que hoje seja um dia triste para todos nós. Em Janeiro do presente ano, num texto que aqui publiquei, escrevi:
“ Mais tarde, em 76, um pouco mais crescido, o menino participava no fim do comício no Cine Teatro Torralta. Em pleno palco, o menino agitava uma enorme bandeira com umas letras enormes que ela aprendera há pouco lá na escola da Estacada: EANES.” – Correio Transmontano, 15/1/2016
Esta é só uma memória. Outras, tantas, muitas mais:
A Festas de Natal ou de Fim de Ano das escolas em que todos participamos;
Os concertos dos Melotroup ou dos Arte & Ofício;
As melodias do Sérgio Godinho ou da Mafalda Veiga;
A memória daqueles que tentaram preservar a tradição académica do 1.º de Dezembro como Fernando Pais, Carlos Genésio ou a minha própria mãe, Celeste da Cruz Machado. Confesso que recordo com saudade as encenações teatrais desse tempo ( a minha mãe chamava-lhe “Carlotadas”…);
O episódio contado pelo Sr. Vasconcelos: Dois amigos saíam do cinema depois duma fita de ação e franca pancadaria. Um deles pergunta a outro:
- Gostaste do filme?
Responde o amigo:
- O argumento não era lá grande coisa mas o desempenho foi do melhor que tenho visto;
O arrepio causado pelos grandes épicos que por ali assisti como Quo Vadis, Ben-Hur ou Spartacus e os cagaços que apanhei ao ver estes filmes e de como me aninhava nas confortáveis cadeiras, cor de mel, e desejava que as metragens não fossem assim tão longas;
Recordar com bonomia os escândalos causados numa sociedade conservadora nas estreias de “ A Última Tentação de Cristo “ de Martin Scorsese ou “ A Paixão de Cristo “ de Mel Gibson. Continuar corado ao recordar o falso moralismo duma sociedade hipócrita quando assistiu ao “ Império dos Sentidos “ do japonês Nagisa Oshima;
Podia ainda lembrar as sessões de sexta feira, mais baratas, quando toda a sociedade jovem de Bragança assistiu a muitos golpes do Bruce Lee e do Chuck Norris. Ou quando, envergonhados e entre risos nervosos, vimos no grande ecrã os seios da Sónia Braga;
Como posso não lembrar os momentos “ Cinema Paraíso”? Quando se apagavam as luzes e aos primeiros frames do genérico do leão a rugir, alguém, sempre dizia: Já vi este filme! Ou quando um de nós, no meio do silêncio do início da sessão perguntava:
- Zé Lima, estás cá?
- “Houla”! Cá em cima, no Balcão;
Os intervalos onde toda a sociedade Brigantina se cumprimentava;
E as escadinhas que se desciam para ir ao WC;
E o Parente que recebia os bilhetes à entrada;
E os cartazes que anunciavam as fitas e que nós, admirávamos ao sair das secundárias;
E os beijos que nos distraíram de tantas cenas;
E a primeira vez que levei o meu filho ao Cinema para ver o “Nemo”…
Tudo desfeito em cinzas na madrugada de hoje.
Termino com um pedido. Hernâni, as palavras que se seguem são para ti. Tu que és um dos nossos. Estou certo que também tu viveste muitas das situações que hoje recordei. E é por isso que te peço que faças deste triste episódio um marco da tua gestão autárquica. Sê tu o pivô duma solução que envolva quem tenha de envolver. Podia falar da Fénix renascida ou do dizer popular “ que há males que vêm por bem” mas não me apetece perder-me em palavras fúteis.

Faz-nos um favor. Devolve-nos o Cine Teatro Torralta!




Rui Machado

3 comentários:

  1. Muito bem!
    E quando, depois de um filme, com a alegria na alma, subíamos as escadas e já cá fora, íamos rever os cartazes do filme ? E, olhando para as fotos, dizíamos: "Lembras-te daquela cena ? E daquela ?".
    "Hernâni, és um dos nossos...". E é mesmo ! Liceu...
    Abraço.

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