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«Pus o tacho ao lume, enganei-me e meti-lhe arroz.» Nem tudo se perde: «Mas temos alheiras caseiras.» Vieram elas, feitas por Zélia, que cozinha ali, com o marido e a irmã Adriana, há 16 anos. Às alheiras juntaram-se uns grelos puros de sabor, uma conversa com a família que serve carnes de criação e um inesperado encontro com Rita Blanco e outras atrizes do filme Amen, de João Canijo, que de janeiro a março montaram residência em Vinhais.
Parte da equipa ficou instalada no Parque Biológico de Vinhais, espaço de cinco hectares dentro do Parque Natural de Montesinho, que se tem tornado polo de atração de visitantes, em boa parte pela graça do alojamento que oferece, em bungalows ou em pods equipados com conforto de hotelaria, postos em redor de uma piscina biológica. O parque é um excelente exemplo de como transformar espaço degradado num lugar de grande interesse para o público na natureza.
«Isto é a montra do que é o Montesinho», diz a diretora Carla Alves, explicando a origem do projeto, aberto em 2008, apoiado pelo seu congénere de Gaia. Tem crescido sustentadamente e vale mesmo a pena a visita, para ver de perto javalis, veados e corços, vacas e bois, ovelhas e cabras e até as quatro raças portuguesas de galinha. Quem fizer a volta toda sai de lá a saber muito mais sobre estes bichos e também sobre os cogumelos do Montesinho.
FOTO PEDRO GRANADEIRO/GLOBAL IMAGENS |
2. NATUREZA, NO PARQUE NATURAL DE MONTESINHO
Do Parque Biológico, uma boa estrada de montanha leva à aldeia de Moimenta da Raia, na borda com Espanha, passando por várias outras aldeias do Parque Natural. É um percurso para ir parando, olhando e respirando ar puro, sem atrações turísticas organizadas - e ainda bem. Porque o caminho faz-se de postal em postal, com montanhas em cujo topo, nesta época, ainda se vê uma cobertura de neve, e a paisagem é feita de carvalhos e castanheiros. Todo o conjunto revela um viver genuíno, onde a simpatia transmontana está sempre presente - ora indicando direções, ora apontando os lugares de interesse, ora apenas falando da sua pena de ver as aldeias esvaziando-se de gente e, sobretudo, da sua juventude.
Moimenta da Raia é exemplar desse viver e dessa inquietação, com a pequena escola primária no centro, encerrada há poucos anos, a ter nas costas o moderno lar de idosos. É atravessar a aldeia com atenção às portas que indicam os fornos e a forja comunitária, até onde acabam as casas e começam os campos, lugar onde fica a igreja matriz, que é, como indica a placa, uma construção «de inesperada imponência no local», porque foi ampliada quando ali mandava a Sé de Miranda, no século xvii.
Para ir dali à aldeia de Montesinho, há que baixar quase até Bragança pela Nacional 103, passando por mais algumas aldeias, entre elas Parâmio, onde se encontra um dos poucos lugares para comer. Foi por quase não os haver no Montesinho que o casal Manuel João e Elisabete Costa resolveram acumular os soutos e o rebanho de duzentas ovelhas com a empreitada de transformar o armazém agrícola que era do avô dele num restaurante, aberto há menos de um ano.
É um pequeno lugar desprovido de rodeios decorativos, porém com detalhes que honram o nome escolhido - Taberna O Capelas, a alcunha desse avô lavrador. Junto ao balcão do café, há um pedaço de rocha de onde brota água de nascente e onde o casal criou uma fonte, sendo aí que os clientes vão encher o jarro para a mesa. E a água escoa para um pequeno aquário de trutas, construído no chão da sala de refeições. O que se come ali é o que a família cria, como o fumeiro feito por Elisabete, e enormes nacos de vitela, vaca ou cordeiro, sem possibilidade de sair em desconsolo.
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Mal acaba o Montesinho, começam os prédios dos subúrbios de Bragança. Na cidade, porém, o centro histórico está a crescer em graça, com os solares brasonados em recuperação, uma oferta cultural a namorar a arte contemporânea, sem ofuscar a robusta cultura tradicional. Bragança é airosa, cheia de luz, com as margens do rio Fervença a convidar a passeios com calma e com uma ligação direta entre a Sé e o Castelo que tem de ser feita a pé - e com muitas paragens para fazer, todas elas enriquecedoras. Vamos, então, do Largo da Sé à Rua de Abílio Beça, com a primeira escala no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, equipamento que abriu portas em 2008, coroando uma década de intenções de ligar dois museus - aquele e outro, em Zamora, dedicado ao arquiteto espanhol Rafael Moneo.
O centro brigantino instalou-se numa casa solarenga recuperada com projeto de Souto de Moura, em parceria com o Museu de Serralves. A obra de Graça Morais é rainha e já permitiu fazer 17 exposições em seu nome. «Ela continua em grande atividade e isso permite-nos mostrar trabalho inédito», diz o diretor do CAC, Jorge da Costa. Mesmo ao lado, está em obras mais um equipamento a inaugurar em maio, o Centro de Interpretação Sefardita, e alguns metros abaixo, no número 75, o Centro de Fotografia Georges Dussaud, nascido do encantamento do fotógrafo francês por Trás-os-Montes, cuja vida quotidiana e momentos festivos fotografou sofregamente, e que evoca a sua amizade pelo escritor Miguel Torga.
Ainda antes de chegar ao castelo, pode-se (deve-se) entrar no Museu do Abade de Baçal, grande e carismática figura da etnologia e história local, porque em poucos lugares há tanto e tão variado para ver, mercê das coleções próprias e das parcerias com entidades como o Museu da Presidência. Além da exposição permanente, com obras de Abel Salazar, Almada Negreiros e Sarah Afonso, pode ver-se arte sacra, porcelanas, arte contemporânea e, para quem apreciar a fundo, pedir uma visita guiada. Se se tiver a sorte de ter como guia Ana Luísa Pereira, a coordenadora do Serviço Educativo, tanto melhor. A brigantina que regressou à terra após ter vivido no Porto e em Lisboa é uma entusiasta de Bragança. «Não temos aqui gente, mas não se percebe, porque é um lugar tão bom para viver». Perceber, até percebe, mas prefere arregaçar as mangas - dirigindo um programa de formação estética e artística que faz itinerância nas escolas das aldeias.
FOTO PEDRO GRANADEIRO/GLOBAL IMAGENS |
E no que diz respeito a comer bem em Bragança, destaquemos, por agora, sobretudo a aposta de António Gonçalves e Óscar Gonçalves, de 30 e 40 anos, conhecidos como os irmãos Geadas - o cognome ficou-lhes do pai, Adérito, que abriu há quase 40 anos o restaurante O Geadas em Bragança, depois de um primeiro negócio em Vinhais. Com a sua mulher Iracema a comandar a cozinha, continua ser uma referência de pratos de base tradicional soberbamente cozinhados, mas os filhos decidiram catapultar a marca de família para outro patamar.
Em parceria com o grupo Pestana, assumiram há dois anos a gestão da Pousada de São Bartolomeu, um edifício de 1959, projetado pelo arquiteto João Loureiro numa encosta de Bragança de onde se avista, com privilégio, o castelo e o centro histórico de todos os quartos e ainda das janelas do restaurante G - onde fizeram o investimento de algum risco de criar cozinha de autor em Bragança, apenas assente em produtos regionais de alta qualidade.
Na pousada, a ideia é preservar o acolhimento de proximidade «do início das pousadas», explica António, que dirige a parte hoteleira. A decoração está no mesmo estilo rétro da abertura, porém com um toque pessoal do novo diretor, que pôs à vista um fabuloso mural de azulejos de Júlio Resende e distribuiu peças de artistas contemporâneos locais pelas salas. No restaurante G, impôs-se uma ruptura. Passar do «conceito de regionalidade para o conceito de contemporaneidade», refere António.
Na cozinha, Óscar, o irmão mais velho, trabalha apenas carnes de raças autóctones, produtos de época escolhidos a dedo e outros ainda que estavam já em desuso, incluindo na agricultura, mas que foram recuperar em prol da criação de sabor. Um deles é a escorcioneira, uma raiz comestível de sabor semelhante ao nabo, porém mais delicado, que surge no desconstruído bacalhau com todos. O menu de degustação é uma viagem por quase tudo o que se come em Trás-os-Montes, e honrando alimentos tão básicos como o pão e o azeite, por onde se faz demorada entrada. A refeição prossegue por pratos de base clássica, como a empada de perdiz, mas sempre com uma espiral de sabores inesperada, neste caso, uma fresca cama de fruta e legumes. Já o lombo de veado surge rodeado daquilo que o animal come, como batata, cogumelos e bagas, entre outras prendas silvestres, preparadas para consolo humano.
No centro histórico, para uma refeição mais modesta, mas interessante para outros propósitos, há a novidade da pequena casa focada em cogumelos. Trata-se de O Batoque, projeto de dois amigos - Francisco Touças e Mário Tavares - que a ele juntaram Werner Ritter, cozinheiro suíço ali instalado há alguns anos. Numa ruazinha do centro, o pequeno espaço abre ao fim da tarde para servir quase exclusivamente petiscos feitos com cogumelos, e recomenda-se pedir vários pratos para partilhar, começando pelos ótimos rissóis, fritos instantes antes de chegarem à mesa. E de Bragança, segue-se caminho para outros recantos do Nordeste.
4. PLANALTO MIRANDÊS: NO DOURO INTERNACIONAL
O isolamento de séculos, a proximidade com a região de Castela e Leão e as restrições à produção após a entrada de Portugal na CEE moldaram o Planalto Mirandês, transformando-o naquilo que é hoje. No planalto e nas arribas, que integram o Parque Natural do Douro Internacional, as populações ainda lembram histórias de contrabando e pobreza, mas também de solidariedade. Este território, onde se fala uma língua própria - o mirandês, com as suas variantes - onde há animais únicos como o burro ou os bovinos de raça mirandesa, está a reinventar-se, a voltar a ter orgulho nas tradições, a repensar a agricultura e a adaptar-se a um apelativo mercado turístico. E está a fazê-lo mantendo a ligação à identidade cultural, à natureza e às pessoas.
Foi mesmo esse o objetivo da Associação de Municípios da Terra Fria do Nordeste Transmontano quando decidiu criar a Rota da Terra Fria, definindo circuitos e integrando diversas parcerias. Pedro Cordeiro, engenheiro agrário alentejano que deixou Portalegre para trabalhar no Nordeste Transmontano, promove com o seu projeto Douro Pula Canhada várias experiências dentro da rota. «A ideia inicial era fazer só percursos pedestres e birdwatching». Mas, «face à riqueza da região», o projeto cresceu, desde a sua criação em 2012, e hoje dá a conhecer - com passeios de jipe, BTT e canoagem -, o património natural e cultural de forma integrada e em contacto com os habitantes, que conhece bem. Durante uma caminhada para visitar o castro de Vilarinho dos Galegos (Mogadouro), nas arribas do Douro, mesmo quando fala de história, Pedro não larga o binóculo, que leva à cara frequentemente para observar com entusiasmo os primeiros abutres-do-egito do ano, animal-símbolo do Parque Natural, ou os muitos grifos que planam entre as escarpas do rio que separa Portugal e Espanha. Em baixo, este apresenta-se com um correr tranquilo, moldado pelas barragens que foram construídas a partir dos anos 1950.
Foi um Douro bem diferente que Ângelo Arribas conheceu na sua infância, em Freixiosa, aldeia no concelho de Miranda delimitada pelo planalto, de um lado, e as escarpas, do outro. «Antes, o rio era muito mais rápido e baixo. Passávamos a pé para Espanha, seguros por uma corda», recorda aquele que é um dos mais famosos gaiteiros de Miranda, lembrando os tempos da ditadura e as aventuras do contrabando. No cimo das arribas, que percorre a passo rápido e intrépido, explica que «ali se semeava o centeio», e, mais perto do rio, as oliveiras. «Os tempos do contrabando eram uma "escravidão"», admite. Café, sabão, aguardente e até dinamite eram transportados durante a noite por carreiros que hoje parecem intransponíveis. Durante a Guerra Civil Espanhola, passava-se também pão e conservas, evitando o olhar dos carabineiros, sempre prontos a disparar. No topo da arriba, Ângelo tira da mala a flauta, o tambor e a gaita-de-foles, instrumentos que ele construiu. O céu e os montes enquadram o cenário do vale, por onde ecoam sons tradicionais de festa e de trabalho.
O momento dá sentido ao slogan que António Carção inventou para a região - um «cachico de l cielo na tierra». Um pedaço de céu na terra. Carção transformou, há quatro anos, a casa do bisavô, em Sendim, num espaço de turismo rural, o Curral de l Tiu Pino. Este professor de Educação Física, que já foi vereador da Cultura em Miranda e esteve envolvido na promoção do mirandês a língua oficial, quis valorizar o passado do bisavô, o tiu Pino. Era um «agricultor remediado, um homem bom» que abria a sua casa para abrigar da intempérie quem passava com o carro de bois repleto de trigo, aveia, batata. Na entrada, foi conservado o carro de bois do pai ainda com os cestos da vindima. Carção lembra-se de faltar às aulas para pisar uvas no lagar, que hoje, recuperado, é sala de estar de quem pernoita no Curral. O espaço é composto por quatro estúdios com cozinha e outros tantos quartos.
Muito mudou desde os tempos em que se fazia vinho nos lagares antigos. A vinha já não é predominante na paisagem, como não o é o cereal que até aos anos 1980 fazia do Planalto Mirandês o segundo «celeiro» de Portugal
Depois da entrada na União Europeia, houve apoios para o arranque das vinhas e abandono do cereal e incentivos à reflorestação. Mas nem sempre o conhecimento e a tradição se perdem de uma geração para outra. Ainda em Sendim, encontramos o produtor e enólogo José Preto, que cresceu entre vinhas e lagares, e testemunhou a criação da denominação de origem Trás-os-Montes e da sub-região Planalto Mirandês. O avô fazia e vendia vinho antes da criação da adega cooperativa do Ribadouro. José Preto tem a sua própria adega, herança familiar que renovou. As vinhas, nas encostas do Douro são conduzidas em tradicional «cabeça de salgueiro», muito próximas do solo, o que permite maior controlo das uvas. Este ano, vai lançar o seu primeiro branco.
Uma visita a Sendim não fica completa sem se ir ao restaurante Gabriela, que se gaba de ser o primeiro a servir a afamada posta. A Gabriela, que na verdade se chamava Ana das Dores Morete, era conhecida pela sua língua solta e a farta penugem facial. Muito nova foi para França e lá trabalhou em restaurantes, após a I Grande Guerra. Quando regressou, montou uma taberna e hospedaria, no edifício ao lado do atual restaurante. Começou a fazer feiras e aproveitou o aparecimento das primeiras camionetas para carregar mesas e cadeiras, podendo, assim, servir quem quisesse comer sentado e de faca e garfo. Tradicionalmente, «os vitelos abatidos nas feiras eram servidos em nacos grelhados em cima de um pão. Ela começou a servi-lo no prato: era carne «posta» no prato com batatas e molho (a receita é segredo de família)», explica Altino, marido de Adelaide, que faz parte da terceira geração à frente do restaurante. Com a construção das barragens, a zona encheu-se de forasteiros e o restaurante tornou-se famoso.
À saída da vila, tempo ainda para visitar a oficina de Armandino Torrão, cuteleiro que fabrica facas, canivetes e outros objetos cortantes. Após voltar da Suíça, onde esteve emigrado, quis aprender cutelaria, ofício com tradição na região (famosa pelas facas de Palaçoulo). «Sempre gostei de navalhas artesanais, personalizadas, e não faço duas iguais», diz.
5. AINDA O DOURO: ALDEIAS, BARRAGENS E ARQUITETURA MODERNA
A poucos minutos de Sendim, para norte, paragem obrigatória em Picote. Aldeia com caráter, sítio habitado muito antes da ocupação romana, tem o miradouro da Fraga do Puio como ex-líbris. António Lourenço, que nos recebeu na Casa de l Puio, habitação familiar adaptada ao turismo rural, é um bom guia para se conhecer a zona. A poucos metros metros da casa, o miradouro proporciona uma vista memorável para o rio. Vale a pena visitar o Terra Mater - Ecomuseu da Terra de Miranda, que apresenta as tradições do planalto. À saída da aldeia, compram-se fumados e pão acabado de cozer em forno a lenha, na Cozinha Regional Picote.
Cinco quilómetros para norte, Barrocal do Douro aparece como um tesouro praticamente abandonado. Nos anos 1950, o jovem arquiteto João Archer de Carvalho foi contratado pela Hidroeléctrica do Douro para projetar a barragem do Picote. Além da barragem idealizou de raiz uma pequena cidade, em estilo modernista, longe do convencional «português suave» que dominava a arquitetura portuguesa. Desenhou as casas para quadros da empresa e para os restantes trabalhadores, algumas delas ainda habitadas. Uma escola, hoje a funcionar como café, um campo de ténis, padaria e até um cinema fizeram parte da vida de Barrocal do Douro durante o tempo da construção da barragem, quando lá viviam 6500 pessoas. Hoje, são poucas dezenas. A EDP é ainda proprietária da pousada e da piscina (abertas apenas a quadros da empresa).
Na mesma época, construiu-se a barragem da Bemposta (Cardal do Douro), mais a sul. Aqui há outro bairro da EDP, não tão vistoso, mas que vale a pena visitar. A escola primária foi adaptada para turismo rural, as Casas da Arriba, empreendimento da Naturisnor, empresa que promove também passeios de barco pelo troço do Douro entre as duas barragens.
Voltando a Picote, está-se a meia hora de Miranda do Douro. As ruínas do castelo, a Sé e o Museu da Terra são paragens aconselháveis. No centro da cidade pode ficar a conhecer-se o trabalho em burel, de que são feitas as capas de honra. A loja de Maria Suzana Castro é um exemplo da recuperação deste ofício. Além das capas, fazem-se naquele tecido peças modernas, como mochilas ou casacos.
No parque urbano do Rio Fresno, à entrada da cidade, pode passear-se devagar e até, com alguma sorte, avistar lontras. Saindo da cidade e já fora do Parque do Douro Internacional está a aldeia de Atenor, conhecida pela Ronda das Adegas, que se realiza em maio, e também por ser lá que tem sede a Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino, que promove a preservação dos burros de raça mirandesa, que durante séculos foram um dos maiores apoios de trabalho dos mirandeses. A sede tem uma pequena loja e, ali perto, pode visitar-se o centro onde estão estes animais que estiveram perto de se extinguir. Durante o ano, a associação organiza várias atividades, como o Festival do Burro e do Gaiteiro.
6. PALAÇOULO, 500 ANOS DE VIMIOSO E UM RESTAURANTE À LAREIRA
Um aspeto curioso das terras de Miranda é o inusitado desenvolvimento industrial. Palaçoulo, a seis quilómetros de Atenor, é a aldeia sem desemprego da região. As indústrias da cutelaria e da tanoaria empregam centenas de pessoas. Um exemplo de sucesso internacional é a Tanoaria JM Gonçalves, responsável por «abastecer» de pipas famosas adegas. O que começou por ser um pequeno negócio artesanal foi passando de geração em geração. Hoje, ainda na mesma família, é uma fábrica reconhecida internacionalmente. Fabrica pipas para a Francis Ford Coppola Winery, na Califórnia (sim, do realizador) e para a famosa bodega Marqués de Riscal, em Espanha. É também nos pipos que de aqui saem que se faz o Barca Velha.
Abandonemos agora o concelho de Miranda. Rumando para sudoeste volta-se para Mogadouro. Para noroeste entramos em Vimioso, que celebra em 2016 os 500 anos do Foral. O Núcleo Museológico da Casa da Cultura, pequeno e bem organizado, onde se pode ver uma cozinha tradicional ou uma antiga sala de escola primária, pode ser o ponto de partida para a visita ao município, muito conhecido pelo castelo de Algoso, que não deve ser visitado sem antes se passar pelo centro de acolhimento (no centro de aldeia de Algoso). Aqui, é possível conhecer a história do castelo, que data da reconquista cristã, e até marcar uma visita guiada ao seu interior e à torre.
Outra coisa boa que Vimioso tem para oferecer são os pratos sofisticados do A Vileira, um dos poucos restaurantes da rota da Terra Fria que serve carne mirandesa certificada. Nuno Garcia e a sua mãe Carla Freitas estão no restaurante há 15 anos, data em que o pai o abriu. Entretanto, o pai foi para França abrir o restaurante Plaisir de Portugal, em Créteil, arredores de Paris. Nuno mantém o negócio e inovou na carta. Mantêm-se os pratos tradicionais, como a posta e a costeleta à mirandesa, o bacalhau da Islândia assado na brasa ou o polvo de Olhão à lagareiro, mas apresentam-se propostas que dificilmente se encontram nestas paragens, como risotti ou especialidades brasileiras. Em 2014, a casa ganhou o primeiro prémio nas jornadas micológicas.
Rumando para sul, termina-se a rota em Mogadouro. E antes da despedida, pode visitar-se, na aldeia de Bruçó, a queijaria artesanal Fonte Velha, onde é produzido o queijo Sabor da Aldeia. Há dez anos que Dona Paula o faz a partir do leite das suas duzentas ovelhas, que o marido trata de criar. O gosto pelo ofício é antigo, pois já fazia queijo com os pais. Hoje, a sua queijaria é a única certificada na região.
Tempo para a última posta, agora no restaurante A Lareira, no centro de Mogadouro. O chef Eliseu Amaro é natural de Sendim e trabalhou, muitos anos, no restaurante de luxo Le Grand Veneur, em Barbizon, França. Ali aprendeu as artes da rôtisserie que agora aplica na lareira do seu restaurante, onde grelha a carne diante dos clientes. É já um prenúncio dos limites da Terra Fria. A Terra Quente começa mesmo ali ao lado.
DORA MOTA E LUÍSA MARINHO
Jornal de Notícias
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