sábado, 23 de maio de 2015

Restos do Culto das Águas, Rios e Fontes

Estas crenças permaneciam ainda entre nós no século VI da era cristã, mostra-se dos cânones organizados por São Martinho, bispo de Dume, bem como por várias crendices supersticiosas de que a etnografia nos aponta vestígios, ainda hoje existentes no nosso povo.
É crença geral em todo o distrito de Bragança que a água dos rios e fontes está benta na manhã de São João (24 de Junho) e na de São Pedro (29 de Junho) e que produz efeitos benéficos ou curativos em muitas moléstias e antídotos nas feitiçarias; por isso, além das abluções próprias, os lavradores vão lá banhar seus gados bovinos, ovinos e caprinos.
É também costume geral levar o mesmo armentio a dar volta pelos adros dos santuários ou capelas existentes nos campos e montanhas, fora dos povoados, no dia da festa dos respectivos oragos, incorporando-o mesmo algumas vezes no cortejo processional e carregando à cabeça ou pendente jugo com sacos, onde vai o cereal que, em cumprimento da promessa, oferecem ao santo festejado.
Em geral, nos adros destes santuários há uma ou mais árvores colossais, respeitada religiosamente, ninguém se atrevendo a cortar-lhe pernadas ou a colher-lhe o fruto, sem consentimento do pároco ou mordomos, porque o padroeiro fere com moléstias, geralmente sezões, os violadores sacrílegos.
Como adiante nos referimos muitas vezes ao angaranho e respectivos banhos curativos, convém explicar o que isto seja. Angaranho, anqueilhado ou caílho, é uma espécie de raquitismo e enfraquecimento que ataca as crianças de leite e as idades inferior a cinco anos, incapazes de andar por se não segurarem nas pernas. Os banhos devem obedecer aos seguintes preceitos rituais: uma mulher leva a criança e outra trá-la para casa, devendo, sempre que seja possível, ter o nome de Maria; vão e voltam silenciosas; a criança é mergulhada completamente, sustentando-a uma pelos pés outra pela cabeça, deixando-lhe ao mesmo tempo ir o enxoval pela água abaixo e vestindo-lhe depois outro. De um modo geral, às águas de virtudes medicinais, ou como tais supostas, chamam Fontes Santas e Águas Santas.
Em algumas terras bragançanas também se cura o angaranho passando três vezes a criança pela abertura de uma árvore nova, que se rachou ao meio para este fim, tornando-a depois a unir a ligar por forma que solde e não seque, porque, se tal suceder, não se produz a cura.
Quando tudo isto resulta inútil e a criança, um pouco mais idosa, continua amarelecente e definhada, é preciso recorrer a uma mulher de virtude, geralmente a que teve dois gémeos de um parto, que à lameira de um alto na encruzilhada de caminhos, colocando-a no centro de um signo-salomão, traçado por regos na lameira, fazendo-lhe ao mesmo tempo rezas especiais. Estas mulheres têm também virtude para pisar as torções e veias que tomam vento, bem como para benzer quebrantos, espinhela caída e outros padecimentos.
Os pulos e saltos por cima das fogueiras de arçã, rosmaninho, sal-puro e de outras plantas balsâmicas, feitas nas ruas durante a noite de São João, livram de bruxedos, feitiçarias e de outras moléstias, segundo reza a crença popular. Também, segundo a mesma, os atacados de sarna e outros sofrimentos cutâneos saram, indo espojar-se na dita manhã sobre o linho dos Linhares.
O povo distingue perfeitamente entre águas medicinais cientificamente ditas, de efeitos terapêuticos naturais, e águas das chamadas Fontes Santas e dos angaranhos, anqueilhados ou caílhos, de efeitos curativos sobrenaturais ou como tais supostos.

Fonte: CM Mirandela

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