As cozinheiras da cidade de Bragança, que no decorrer dos séculos, devido ao seu génio, curiosidade, calibre criativo e substância prática confeccionaram preparados de sabores a ficarem na memória, transformando-os na identidade da comunidade Bragançana, num acentuar da cozinha citadina em contraste com a menos elaborada proveniente da cozinha rural, das aldeias, que está por inventariar e estudar.
As cozinheiras oficiavam em tabernas, casas de pasto, hotéis e pensões. A maioria ficará para sempre no limbo pelo olvido do tempo. Outras romperam a barreira do esquecimento porque a fama conseguida assim o determinou, ainda devido ao facto de terem sido proprietárias de tabernas e casas de pasto ficando delas registo em evocações históricas, documentos oficiais e anúncios publicitários.
Os relatos de viajantes portugueses e, principalmente de estrangeiros, até bem dentro do século XX condenam sem apelo nem agravo as estalagens, hospedarias e tabernas existentes na terra portuguesa por serem pouco asseadas, pouco confortáveis, pouco fartas, pouco seguras e caras. A literatura romanesca acentua essa má impressão, leia-se O Malhadinhas, no referente às tabernas de Bragança, pelo menos desde os anos trinta do século passado existiam preocupações no referente à limpeza, o alvará de funcionamento só era passado após vistoria das instalações, vasilhame e medidas. O concessionário ficava “obrigado a atender na exploração a todas as condições de higiene e segurança legais e às condições especiais seguintes, que poderão, de futuro, ser alteradas ou acrescentadas”. Por essa razão no alvará de licença sanitária para a exploração de taberna sita na rua da Cidadela, freguesia de Santa Maria, vem exarado o seguinte despacho: a concessionária terá de canalizar a água do prazo de 60 dias, dado na Câmara Municipal de Bragança, a 12 de Março de 1930. Despachos semelhantes encontramos noutros alvarás, o mesmo na exigência de: a concessionária terá de construir uma chaminé dentro do prazo de 60 dias; o concessionário terá de colocar uma torneira sobre o balcão e caiar a cozinha, de fazer o esgoto. Outro despacho bem elucidativo: concedida para o hotel, necessitando que o café esteja com outro aspecto do que presentemente tem, pelo que diz respeito a limpeza e conforto.”
No ano de 1930 foram concedidos dezasseis alvarás para tabernas, dezoito para casas de pasto, dois para hotéis com café, e um para cervejaria.
No tocante a hotéis em 1905, o anúncio publicado no anuário referia três Hotéis em Bragança: o Brigantino, o Imperial e o Transmontano, em 1912, o número de hotéis era o mesmo, dada a moda da designação Grande, o Brigantino passou a Grande Hotel Brigantino, desaparece o Transmontano e surge o Grande Hotel Virgínia, mantém-se o Hotel Imperial de João Batista Fernandes.
No ano 1920 não há alterações, no ano de 1930 os hotéis anunciados continuam a ser três: Grande Hotel Virgínia, Grande Hotel Transmontano e Grande Hotel Moderno, surge também um anúncio à confeitaria e café bilhar de Paulino Augusto Saldanha.
No ano de 1935, o anuário regista o Grande Hotel Virgínia, e o Hotel Imperial passou a ser da viúva de João Batista Fernandes. Em 1940, os hotéis descem à categoria de pensões: Pensão Internacional, Moderna e Virgínia, outro anúncio refere nove casas de pasto a saber: Américo Vaz, António Fulgêncio, Anselmo Fernandes, Artur das Neves, Caridade Machado, César Augusto Fernandes, Conceição Rucha, Dárida Correia e José Vilares.
No ano de 1942, anunciam-se as mesmas três pensões e onze casas de pasto, seis de senhoras: Caridade Machado, Conceição Rucha, Maria Camões, Maria José Teixeira, Mariana Correia e viúva de António Fulgêncio, as cinco restantes pertenciam a: Américo Vaz, Anselmo Fernandes, Artur das Neves, César Augusto Fernandes e José Vilares. No ano de 1945, sobe para doze o número de casas de pasto registadas no anuário, mantêm-se as anteriores e acresce a detida por Maria da Conceição Ferreira. As pensões são as mesmas, no entanto, Roque da Silva Moura proprietário de Pensão Moderna também anuncia “nos baixos: café, cervejaria e tabacos nacionais e estrangeiros. Automóveis de aluguer e garagem para a recolha dos mesmos”.
Em 1950, anunciam-se três cafés: Chave de Ouro, Machado e Progresso, três cafés e bilhares: Central, Moderno e Poças, três confeitarias de Cipriano Augusto Lopes, Confeitaria Machado e Confeitaria Progresso, onze casas de pasto, desaparece o anúncio de Américo Vaz, no tocante a pensões nem o número nem os nomes sofrem alteração.
Em todos os estabelecimentos acima seriados serviam-se comeres e beberes. Nas tabernas, casas de pasto e hotéis (depois passados à categoria de pensões) até aos meados do século XX passantes, viajantes, juízes, militares, funcionários e professores destacados em curta permanência, fiscais, mercadores, negociantes e um ou outro turista acidental tomavam as refeições levando com eles a memória do gosto e receitas. Salvo melhor opinião, o magnífico Tratado de Cozinha e Copa, de Carlos Bento da Maia, é exemplo disso mesmo, pois o autor na qualidade de oficial do exército peregrinou de quartel em quartel até atingir o posto de coronel, notabilizando-se como esclarecido gastrónomo e estudioso da nona arte.
Desde os finais da década de cinquenta do século passado aparecem os restaurantes, posteriormente os snacks, a partir dos anos setenta Bragança passou a acompanhar o ritmo e as tendências relativas à apresentação e serviço de refeições consumidas fora de casa.
Actualmente tem todas as condições para ascender a potência gastronómica a nível regional e nacional.
Seria bom que assim acontecesse, continuando a gesta das devotadas Mestras autoras de uma cozinha extremamente característica, cujas preparações tradicionais fixaram um receituário de cor local. Essa fixação que é dos maiores valores da região possui profundo interesse nas áreas da etogenia e etognosia.
Sendo impossível referir todas as grandes artistas culinárias responsáveis pela irradiação das receitas do cânone bragançano, parece-me justo homenageá-las lembrando três cozinheiras de truz que são: a Senhora Maria do Rasgão cozinhava numa casa de pasto situada no início da rua Alexandre Herculano, frequentada assiduamente pelo Abade de Baçal e os amigos dilectos José Montanha, Pires Quintela e Raul Teixeira.
As especialidades eram alheiras a justificarem encómios do Senhor Abade, vitela assada na brasa, pratos de caça na época e famosa canja de galinha. A Senhora Camila detinha uma Taberna nos Batoques, ali confeccionava saladas de bacalhau, pratos envolvendo fumeiro e presunto recebendo fartos elogios da nutrida clientela. A Senhora Fulgência é outra cozinheira de referência, possuía uma taberna, posteriormente passou à condição de casa de pasto, instalada na Rua Alexandre Herculano n.º 186, à frente do fogão a lenha, entre tachos e panelas, concebia vitualhas à base de vitela e fumeiro com destaque para os salpicões regalando o paladar dos fregueses. Será ingratidão não referir outras da época mais recuadas, no entanto, as fontes consultadas dizem que até aos finais da primeira metade do século vinte, todas recebiam fortes elogios quando apresentavam pratos de carne de porco, preparações de caça e galináceos.
O objecto da investigação centrou-se nos receituários conhecidos, por esse facto ficaram de fora as receitas da cozinha oral, especialmente as das aldeias, mas estou convicto de que a seu tempo serão resgatadas da obscuridade.
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da CMB
Meu bisavô Paterno, Roque da Silva Moura, proprietário da antiga Pensão Moderna.
ResponderEliminarO SR. ROQUE DA SILVA MOURA foi meu sogro, porquanto casei com o seu filho Américo em 1967. Fui professora no Liceu de Bragança durante 15 anos, tendo pertencido à primeira Comissão de Gestão do Liceu no ano do 25 de Abril! Nunca esquecerei a minha sogra D. Cândida, uma cozinheira ímpar que fazia alheiras de caça como ninguém!
ResponderEliminarElisa
Olá! gostaria de saber mais sobre essa história samaraland81@gmail.com
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