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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de julho de 2015

CORDEIRO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“O cordeiro que aqui ofereço,
Branco como a neve pura,
A Vós meu Deus, ofereço,
Com humildade e candura.
Esta vítima que ofereço
É uma clara figura
Dos cordeiros que esperamos,
Para a Redenção futura.”
[Abel – Excerto do Auto de Adão e Eva – Teatro Popular Português – Trás-os-Montes, Volume I]

O manso cordeiro além dos valores simbólicos que representa é louvado enquanto manjar por muçulmanos, judeus e cristãos alcançando a categoria de comer de excelência nos dias festivos comemorativos das efemérides exaltantes destas influentes religiões no contexto mundial. Alimento pascal dos judeus e cristãos, também os muçulmanos no fim do Ramadão imolam cordeiros em comemoração do sacrifício de Abraão.
Um tratado de cozinha muçulmana da época dos Almóadas insere várias receitas tendo o cordeiro como referente principal, sendo três na forma de assado. Na obra Un Banquete Por Sefard – Cocina y Costumbres de los Judios españoles, encontram-se três receitas de cordeiro, na Cocina Judia de Débora Chomski o número aumenta para dez, enquanto que a Encyclopedia Jewish Food enumera doze.
O cordeiro corporiza uma tradição espiritual inspiradora de pensadores, escritores, músicos, pintores e... também de cozinheiras e cozinheiros sublimes. As razões de tanto interesse radicam no facto de ser expressão da inocência, da doçura, da simplicidade, e – fundamental –, da obediência. A cor branca significa pureza, a crucificação na quinta-feira santa recorda o sacrifício do cordeiro preparado para a Páscoa judaica, assim como o facto de o seu sangue ter salvo os judeus quanto estavam no Egipto, ao ser usado na marcação das portas das suas casas e assim ficado livres do extermínio divino.
Os folcloristas acrescentam à auréola do cordeiro, ele nascer negro no solstício de inverno, depois ir ficando branco, ainda mais, num branco imaculado, atingindo o grau de pureza.
É vítima sacrificial por excelência, S. João Batista exclama ao ver Jesus: “É Ele o cordeiro de Deus que tira os pecados do Mundo”. A aliança entre o cordeiro e a festa Pascal é evidente na primeira epístola de Pedro (1,18-19): o cristão é liberto como antigamente Israel se libertou do Egipto, pelo sangue de um cordeiro, Jesus Cristo.
Estas e outras recorrências ao cordeiro para designar Cristo encontram-se profusamente vincadas no Antigo Testamento, só no Apocalipse a palavra é empregue vinte e oito vezes nessa intenção. Um concílio ocorrido em Constantinopla no ano de 692, estabeleceu que a arte cristã passasse a representar Cristo na cruz como um cordeiro sacrificial. Sabemos que as primitivas comunidades de cristãos representavam Cristo recorrendo à figura de um cordeiro, ou à do Bom Pastor tendo um cordeiro ao colo.
O historiador Luís Alexandre Rodrigues ao descrever as festas realizadas em Bragança pela Companhia de Jesus, na sequência das canonizações de Santo Inácio de Loiola e de São Francisco Xavier, no ano de 1623, narra o facto de num dos painéis de um carro triunfal, o beato Luís “era figurado, entre muitos outros, por um cordeiro que o mote hi sequuuntum agnum quocunque ierit (Com este cordeiro estarei em boa companhia) sancionava”. Este é outro exemplo a comprovar a associação do cordeiro à figura de Jesus Cristo, não constituindo surpresa tal associação ocorrer no seio da Igreja, em Bragança.
O professor Orlando Ribeiro ensina-nos que: “Para a ‘cria da ovelha’ existem três designações: a latina anho, conservada apenas em Entre-Douro-e-Minho e ocidente de Trás-os-Montes, a inovação cordeiro, que deve ter reduzido à área anterior e se usa hoje na maior parte de Trás-os-Montes, no oeste da Beira e na Estremadura, e outra inovação posterior borrego, actualmente empregada no sul e no leste da Beira mas que penetrou na Estremadura e no centro da Beira e no sueste de Trás-os-Montes”. Sem qualquer propósito de emendar o ilustre Professor, o termo reixelo é nas terras transmontanas outro apodo do dócil cordeiro.
O anho – borrego, cordeiro ou reixelo – de leite é o mais disputado, morto antes de ser desmamado, entre os 30 e os 40 dias de idade, pesando à volta de dez quilos, a sua delicada carne proporciona criações culinárias de jubilosa expressão gustativa, a ficarem na memória do gosto de quem as avalia.
O cordeiro ou borrego branco, esquecida a opção congelado, aparece entre o Natal e Junho, é consumido a partir dos sessenta dias, pode chegar aos vinte e cinco quilos, a carne após boa cozedura fica tenra, a gordura é branca. O cordeiro cinzento também conhecido pelo nome de pastante, porque passou a alimentar-se de pasto, chega aos quarenta quilos, sendo abatido depois dos seis meses e até aos nove. A carne é firme, em consequência da alimentação recebida a gordura deixou de ser branca, passa a cinzenta, daí o nome de cinzento. Em termos de sazonalidade o cordeiro cinzento surge nos meses de Setembro a Dezembro.
Em Espanha a carne do cordeiro merino castelhano foi a mais consumida durante séculos, a raça merina, criava-se com o fito de produzir lã, estando proibida a sua exportação, tornando-a cobiçada pela finura dos trajes confeccionados com ela. A partir dos finais do século XVIII a raça merina saltou de Espanha, difundindo-se pelos cinco continentes. A restrita raça espanhola deu lugar à francesa raibouillet, à merina australiana, às fleishschat e landschaf alemãs, e à merina da Nova Zelândia.
Na obra Produtos Tradicionais Portugueses editada pelo Ministério da Agricultura em 2001, sobre o cordeiro bragançano afirma-se o seguinte: “A carne do Cordeiro Bragançano é obtida a partir da raça churra Galega Bragançana que, como características principais, apresenta uma acentuada desproporção entre a altura e o tórax e a deste ao solo (animais pernalteiros), com os membros muito finos. Tem a cabeça deslanada, de perfil subconvexo, estando os cornos ausentes nas fêmeas. As arcadas orbitais são salientes e os olhos grandes. São frequentes as manchas pretas ou castanhas em torno dos olhos, focinho e orelhas. No tronco, o peito é estreito, o garrote e espádua pouco destacados, a linha dorso-lombar é horizontal, a garupa pouco volumosa e um tanto descaída e a cauda é comprida. Os membros são altos finos, deslanados”.
O cordeiro tal como o carneiro não entra nas graças de muitos porque consideram o sabor das suas carnes impregnadas de bodum, logo ordinárias. Os seus adeptos exaltam a sapidez da carne de cordeiro, os chefes e as cozinheiras ao prepará-la não devem esquecer a obrigação de lhe retirarem as gorduras adjacentes responsáveis pelo característico e intenso cheiro.
A análise de receitas de cordeiro originárias de países dos cinco continentes permite-nos concluir que as criações culinárias associam a carne a elementos vegetais de sabores fortes. Eis alguns exemplos: cordeiro e açafrão, cordeiro e alcachofras, cordeiro e alcaparras, cordeiro e alecrim, cordeiro e alho, cordeiro e amêndoas, cordeiro e amendoins, cordeiro e anis, cordeiro e canela, cordeiro e cardomomo, cordeiro e castanhas, cordeiro e cebolas, cordeiro e cerejas, cordeiro e cominhos, cordeiro e cravinho, cordeiro e chutney, cordeiro e hortelã, cordeiro e mel, isto sem falar nos múltiplos molhos.
No referente a preparações o cordeiro é preferentemente assado, aparecendo também na forma de ensopado, estufado, frito, guisado, grelhado, panado e refogado.
A ovelha velha, a canhona, também integrava os comeres bragançanos, normalmente, objecto de tratamento culinário em guisado de lenta cozedura, após a carne ter ficado pelo menos de um dia para o outro imersa numa marinada composta por vinho tinto, alhos, azeite, banha, cebola, colorau picante, louro e malagueta.

Armando Fernandes
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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