Há semanas recebi uma carta de Tia dada a evocações (sem qualquer indagação espirita), sublinho. Na missiva referia dados concretos, contextos e situações: a minha tenra idade, visita protocolar à avó paterna, ser louro, ter olhos azuis e envergar ou vestir um sobretudo vermelho no dia da apresentação.
O louro fugiu aos nove anos, agora esvoaço farripas canosas mal distribuídas, mantenho os olhos azuis, do sobretudo não guardo recordação, a cor vermelha sempre me fascinou, muito antes do benfiquismo iniciado na primeira adolescência, solidificado no decorrer da hegemonia azul Andrade, não do Belenenses.
O gostar do vermelho não impede de ganhar prazer perscrutando cromatismo de múltiplas tonalidades, em tempos congeminei a alacridade das cores encerrada num Museu ou Centro de Arte na bragançana cidade, logo desvanecida ao ouvir e ler grotescas inconsiderações contra tais casas de cultura, fazendo lembrar os patibulares sempre atreitos a desenfunarem a pistola mal ouviam a palavra CULTURA.
Seria estuporada estopada alinhar palavras relativas às múltiplas representações do vermelho na várias áreas artísticas, astrologia, religião, psicologia, guerra, música, literatura, gastronomia, bruxaria, farmacopeia e tutti-quanti, a Internet está ao alcance da mão, abundam textos a borbulharem no ciberespaço puros e impuros a glosarem o vermelho, o encarnado, o escarlate.
A afeição à cor vermelha foi-se-me aninhando na vivacidade paisagística, as papoilas no meio das searas, nas veredas dos caminhos, depois saltitantes a tremularem nos olhos ao ouvir o tenor Luís Piçarra, na voluptuosidade do hoje esquecido livro O Vermelho e o Negro, nos filmes exibidos no desaparecido Cine-Camões, as sagas revolucionárias, no sangue simbolizado na nossa bandeira na companhia do verde, outras das cores aditivas primárias de luz, a terceira é o azul.
A representação abrasiva do vermelho não é só o somatório de bem-aventuranças, de êxtases sonâmbulos e suculências gustativas (pensemos nas carnes vermelhas), também abrange a face sangrenta da guerra, dos massacres, dos grandes medos.
Por assim ser o comerciante Sr. Poças não apreciava chamarem-lhe vermelho (era ruivo assanhado), ele sabia que o apodo no consulado salazarista significava, pelo menos, reviralhista, logo suspeito aos olhos dos próceres do Estado Novo e asseclas. Nessa altura quem fosse apanhado a ler ou sobraçar a Seara Vermelha ganhava uma cruz vermelha na ficha policial encimada por uma foto aumentada copiada do Bilhete de Identidade. Se duvidarem consultem os Arquivos.
A minha partitura literária escorada no vermelho integra a Letra Escarlate de N. Haowthorne, também hoje na obscuridade, de leitura intensa a figura principal – a infiel casada – é obrigada a usar roupa com a letra A de adúltera bordada na roupa. Em 2013, estive em Salém, redondezas de Boston, é uma cidade pequena, cuja economia assenta nos capitais culturais convertidos em indústrias criativas.
A localidade tornou-se tristemente célebre pelo horrendo processo de acusação a diversas mulheres e homens praticarem actos de bruxaria, torturadas e executadas são símbolo da ignorância e superstição transformadas em dor e morte.
A costa onde se situa Salém recebia frequentes ataques dos piratas, quando capturados a pena mínima era o enforcamento. Pois bem, as bruxas que não o eram e os piratas que eram são miolo de museus, centros de arte e exposição, até de artes culinárias, passando por múltiplas representações ao longo de todo o ano. Todos os bens culturais funcionam harmoniosamente, as múltiplas nótulas da herança cultural fazem-se sentir, não por acaso no centro o hotel mais significativo tem o nome do livro: Letra Escarlate.
Trouxe o vermelho à colação porque este ano o verde esperançou muitos saudosos de títulos, debalde, e o azul do dragão, bicho mítico, exasperou outros tantos, entre os quais o meu excelente amigo Adalberto Castro.
Perfilei nomes em redor do vermelho, podia ser à volta de Bragança, sempre na constante rebeldia contra o acomodamento, sempre no sustentar a ideia de Bragança ter de ser uma realidade palpável e central no Interior do País, não apenas uma realidade objectiva.
Armando Fernandes
PS. Pediram-me para comentar a opinião de José Cid acerca dos transmontanos. Não se gasta energias com o erro. Ele é um Belo exemplo de fealdade.
Armando Fernandes
in:jornalnordeste.com
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(Henrique Martins)
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quinta-feira, 9 de junho de 2016
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