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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - BERNARDO LOPES (N. VILA FLOR C. 1502)

Bernardo Lopes, “homem de boa estatura e rosto largo”, nasceu em Vila Flor por 1502. Era filho de Lançarote Rodrigues e Genebra Alvim, judeus batizados em pé. Fez-se mercador de panos, em segmentos comerciais bem definidos. Em Portugal comprava “panos de estopa, linho e seda para ir vender em Castela e de lá trazia panos de cor para vender”.

Casou com Maria Álvares, natural de Bragança. (1) O casal morava na praça de Vila Flor, mesmo junto da igreja matriz. Em 1554, entrou ao serviço de Manuel Sampaio, senhor de Vila Flor e de muitos foros concedidos pelos reis em várias partes. E como feitor que era na Casa Sampaio, (2) competia-lhe a arrecadação dos ditos foros. Em tal função, fazia-se geralmente acompanhar pelo “porteiro” do concelho que detinha o poder de penhorar os bens das pessoas que não queriam pagar.

Seria no verão daquele mesmo ano. Andaria o feitor na cobrança dos foros na aldeia de Candoso, acompanhado do porteiro João Gonçalves. E indo a casa de uma viúva a cobrar o foro devido, ela disse que não tinha cereal e pagaria em dinheiro, pelo preço a que o pão estava taxado. O feitor respondeu que por aquele preço não recebia e queria mais dinheiro ou o cereal, conforme estabelecido. E como a viúva não esteve de acordo, o porteiro procedeu à hipoteca dos bens necessários. Aí a viúva terá dito para o feitor:

- Como Nossa Senhora fora virgem antes e depois do parto, assim sejais vós destruído, por me tirar o pão de meus filhos!

Ao que Bernardo Lopes terá respondido:

- Virgem Maria… virgem Maria… virgem como a minha mãe quando me pariu!...

Obviamente que o caso chegou logo ao conhecimento do vigário geral da comarca, o licenciado Aleixo Dias Falcão. Tal como chegou a informação do padre Diogo Maçulo, capelão em Vila Flor, dizendo que Bernardo Lopes e Maria Álvares, raramente iam à missa dominical, apesar de viverem mesmo junto da igreja. E também lhe contaram que andando com operários em uma vinha “a lançar cepas de cabeça” viria a falar-se de judeus. E um dos operários, que era cristão-velho, terá feito alguma insinuação, a que Bernardo Lopes respondeu nos termos seguintes:

- Quando ele fosse bom judeu, ele réu seria bom cristão.

Claro que todos os depoimentos foram judicialmente autuados e o despacho do vigário-geral não surpreenderia: mandou recolher Bartolomeu na cadeia da comarca, em Torre de Moncorvo, ao findar da primavera de 1556. E estando preso na cadeia da Torre, com outros mais “criminosos”, imagine-se que 3 distintos companheiros ali teve: o padre Diogo Maçulo, cura em Vila Flor; o padre Amador Rodrigues, “capelão que foi em Bruçó” e o padre António Rodrigues que depois foi rezar missa para Mogadouro.

Não sabemos como os 3 clérigos foram ali parar mas sabemos que eram extremamente zelosos da fé e vigilantes. E cada um deles compareceu a denunciar novos “crimes” de Bernardo Lopes. Os três testemunhos foram idênticos e por isso transcrevemos apenas o do padre Amador Rodrigues que disse:

- Que ele esteve preso na cadeia desta vila durante 6 semanas e nesse tempo o dito Bernardo Lopes estava também preso, como está, e dormia junto a ele testemunha e nunca nesse tempo viu ele testemunha o dito Bernardo Lopes benzer-se nem rezar, nem fazer acto de cristão, e nesse tempo estivera doente 2 ou 3 dias e nunca chamara por Nosso Senhor nem Nossa Senhora, nem outro santo, e por ele testemunha e os mais padres que ali estavam presos, que eram o dito Diogo Maçulo e António Rois o tinham por mau cristão.

Outras culpas foram ainda acrescentadas e o vigário-geral decidiu enviar o prisioneiro e o respetivo processo para o arcebispo de Braga, frei Baltasar Limpo, que o remeteu para o tribunal da inquisição de Lisboa onde deu entrada em 10 de fevereiro de 1557. (3)

Entretanto e estando o prisioneiro em Braga, o vigário Aleixo Falcão, mandou também prender a sua mulher. As acusações eram em parte as mesmas do marido, dizendo que guardava o sábado e não o domingo como dia de descanso semanal e nele vestia camisa lavada; que, morando junto à igreja, não ia à missa… e as testemunhas eram semelhantes, incluindo os ditos padres. Acresceu um outro crime e que vamos contar… (4)

Dois anos e meio atrás, em um sábado, apareceu à porta de Maria Álvares um tendeiro de Chaves. E a casa de Maria Álvares tinha um “balcão ou alpendre” suportado por esteios. E o tendeiro preparava-se para armar a sua tenda debaixo do alpendre, como aliás costumava ele e outros tendeiros que ali vinham. Mas veja-se o que aconteceu, tal como ficou escrito no processo:

- Ela ré chegou à porta e tanto que viu armar a tenda (…) disse ao dito tendeiro que desarmasse a tenda e não vendesse porque era sábado e por vida dos meus filhos que não haveis hoje de armá-la e se a armardes não venhais mais aqui e fazei conta que nunca mais aqui haveis de armar. E por ela ré assim o dizer, o dito tendeiro tornou a desarmar a tenda e se foi. E ao outro dia, que era domingo, a armou no próprio lugar e ela ré (…) deixou armar a tenda no dito dia, o que ela fazia por guardar e venerar o sábado, como judia.

Uma derradeira culpa lhe imputaram no cárcere de Lisboa, ao cabo de um ano de prisão, assim formulada pelo promotor:

- Acresceu à ré agora a culpa de Isabel Dias, de Braga, que diz que cantava diante dela coisas de judia, e ela ré folgava e chorava, que é grande sinal de quem tem ainda lembrança daquelas coisas. E diz mais a testemunha que lhe dizia a ré que o Messias havia de vir e que a havia de livrar… (5)

Voltemos a Bernardo Lopes e à sua defesa. Antes de mais cumpre elogiar o comportamento do seu procurador, que atuou como um verdadeiro advogado de defesa. Veja-se, a título de exemplo, uma simples frase:

- Não curo do descrédito que o clérigo Amaro Gil, em seus testemunhos, lhe quis dar; e outros que quiseram tomar ofício do senhor Deus… (6)

Referia-se, obviamente aos padres (e aos inquisidores?) que tinham Bernardo Lopes por mau cristão.

Em segundo lugar, diga-se que nesta época ainda era permitido aos prisioneiros nomear um ou mais procuradores para acompanhar a audição das testemunhas de acusação. E assim, Bernardo nomeou o seu filho Lançarote, o amigo João da Rosa (cristão velho), ou o irmão Jorge Fernandes. Este procedimento levaria o promotor a dizer que tais procuradores pressionavam e subornavam as testemunhas e até levavam algumas a desdizer-se.

Finalmente refira-se o levantamento de suspeições sobre o Aleixo Falcão, que era seu inimigo, conseguindo que a audição das testemunhas fosse feita pelo licenciado Francisco Dias, provedor e contador da comarca e não pelo vigário-geral. Aliás, até o arcebispo lhe seria, de algum modo, suspeito, conforme se depreende deste item da sua defesa:

- Entende provar que António Fernandes, porteiro diante do vigário da Torre, é oficial ante ele e do arcebispo, os quais são inimigos de Manuel Sampaio e assim dele réu…

No processo de Bernardo, como no de sua mulher e outros mais de Vila Flor naquela época, é notória uma subterrânea “perseguição” política aos cristãos-novos que então ocupavam influentes cargos municipais, nomeadamente de notários, vereadores, almotacés, juízes… Como diria o advogado de defesa de Maria Álvares:

- Entende provar que na dita vila os cristãos-novos andavam sempre nas eleições e requerimentos da dita vila e algumas pessoas disso se escandalizavam tanto que, com inveja, difamavam deles…

Resta dizer que não demorou muito a ser publicada uma lei proibindo os cristãos-novos de ocupar cargos municipais em Vila Flor, lei que depois se estendeu a todo o país. Quanto a Bernardo Lopes, terminou condenado em cárcere por 2 anos e abjuração veemente de seus erros em auto público da fé celebrado em 15.5.1558. Um pouco mais leve a sentença ditada no mesmo auto a sua mulher.

NOTAS:

1-A família de Maria Álvares era bastante conceituada em Bragança e um dos seus irmãos chamado Garcia Álvares, era médico em Vila Flor, viúvo de Benta Dias. E estes foram os pais do advogado Francisco Rodrigues da Silva que foi martirizado pela inquisição e do médico Luís Álvares da Silva, morador em Foz Lima, terra de sua avó Benta, ambos casados em Torre de Moncorvo com duas filhas do famoso advogado Dr. André Nunes.

2-A ligação da nobre família Sampaio à gente da nação hebreia era muito estreita e o feitor Bernardo Lopes não era o único cristão-novo que frequentava a “casa grande de Vila Flor”.

3-ANTT, inq. Lisboa, pº 5157, de Bernardo Lopes.

4-IDEM, pº 2893, de Maria Álvares.

5- IDEM, pº 1330, de Isabel Dias. Esta era mulher de 75 anos, apresentada como “judia e rabina e muito sabida nas coisas da lei de Moisés”, dizia perante os inquisidores que “ela ensinava as coisas dos judeus a todos os cristãos-novos de Entre Douro e Minho”. Era também parteira e foi acusada que “tinha circuncidado muitas infindas crianças”. Sabia orações e cantigas em hebraico, explicando-as depois em português. Negou-se a prestar juramento sobre o livro dos Evangelhos que tinha desenhada uma cruz e jurou apenas pelo Deus todopoderoso que fez o céu e a terra.

6- Mais incisivo ainda seria o defensor de Maria Álvares que, entre outros, apresentou o argumento seguinte: - O testemunho de Diogo Maçulo não lhe prejudica, por muitos defeitos que tem, que é homem muito criminoso e arrastado e preso por os mais crimes, e é degredado e infame (…) pelo que ainda que fosse verdade o que as testemunhas dizem, não se há de presumir que o fazia como judia, quanto mais que nunca tal fez.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnoerdeste.com

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