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Pouco depois de 1660, quando os quartéis do Forte de S. João de Deus já estavam capazes de serventia, novos eixos de circulação prolongavam a cidade para o exterior dos antigos limites. Então, à medida que algumas casas roubavam espaço a hortas e cortinhas, a toponímia tradicional via-se acrescentada com designações como «o Canto junto à Caleija que vai para o Forte», o «Beco do Forte», a Rua do Forte e a Rua de S. João de Deus. Ao mesmo tempo o Forte de S. João de Deus passaria a ser encarado como uma das partes constituintes da cidade.
Deste modo, pelas relações funcionais e pela percepção das qualidades intrínsecas, as partes «castelo, cidade e forte» passaram a ser vistas como órgãos de um mesmo organismo que, em boa medida, fundava a sua unidade formal no amplo abraço da linha das muralhas e trincheiras. Elemento que também fazia valer as suas características físicas quando, como uma moldura, delimitava um quadro em que tanto o casario particular como os edifícios religiosos se acomodavam ao longo dos arruamentos ou em volta de terreiros progressivamente sujeitos aos padrões da eficácia funcional, civil, militar e religiosa.
Madeira, grandes volumes de terras, cavas, pedra, tudo servia para erguer barreiras que entravassem a progressão do invasor e majorassem as possibilidades dos defensores.
Trabalhos hercúleos que reclamavam um esforço financeiro proporcional e em que se destacou o clero tanto pelo contributo financeiro como pelo denodado nacionalismo.
É forçoso que a segunda cerca da muralha, mostrando uma epiderme diversificada e uma estrutura alongada mas sem se elevar muito em altura, não possa ser comparada aos muros de alvenaria que hoje se vêem a rodear o castelo e a Vila que, como se sabe, foram há menos de cinquenta anos objecto de fervorosa reconstrução. Em termos gerais, o cordão que delimitava a urbe, nascia na muralha do castelo, prolongava-se pela Estacada e continuava em terrenos da cerca das freiras de Santa Clara até ao cemitério do Toural, melhoramento oitocentista que tem a particularidade de assentar a sua parede Sul na linha da antiga barreira.
Depois direccionava-se para a proximidade da porta da Rua dos Oleiros (agora Rua Almirante Reis), onde havia uma estacada que protegia a real fábrica da seda – edifício que se situava nas imediações da actual CGD e edifício dos CTT e ostentava no portal os símbolos heráldicos de D. Pedro II, os quais devem ser os que hoje se vêem no portal da capela particular de Santo António do Toural – corria parcialmente a Rua do Tombeirinho (agora Rua 5 de Outubro) – topónimo que pode perpetuar a memória de uma anta - até inflectir para o sítio onde edificaram a casa do antigo Lactário, na antiga Rua de Fora de Portas (agora Rua Alexandre Herculano), e continuava, contornando as hortas da cerca dos padres da Companhia de Jesus, até ao Postigo dos Batocos. A partir daqui, o seu trajecto quase acompanhava o curso do rio Fervença até à zona do Postigo da Cadeia, na Praça de S. Vicente, continuando sobranceira ao rio e paralelamente à Costa Grande até encontrar novamente o muro do castelo.
A descrição, embora sumária, deixa ver que se tratava de um vasto perímetro onde, quando convinha por razões tácticas ou os acidentes da topografia consentiam, se apontavam alguns baluartes, como as boas metodologias da fortificação preconizavam. Era um tempo, não esqueçamos, em que a intervenção na cidade e a tendência para a sua modelação, segundo conceitos informado pela geometria, decorriam da existência de um poder central que se aproximava do absolutismo e que era muito informado pelos valores contra-reformistas.
Luís Alexandre Rodrigues – BRAGANÇA NA ÉPOCA MODERNA. MILITARES E ECLESIÁSTICOS. A RUA, A PRAÇA, A CASA.
Actas do Seminário Centros Históricos: Passado e Presente, pp. 70 a 96
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