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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - JOSÉ RODRIGUES MENDES, aliás, MOISÉS MENDES PEREIRA (1705 – 1732)

Os 27 anos de vida que teve José Rodrigues Mendes antes de conhecer a Casa da Inquisição foram de verdadeira tempestade em Bragança, no que respeita à questão religiosa. A sociedade brigantina foi então varrida por vagas sucessivas de prisões. Repare-se: contando a cidade 500 fogos e uns 2000 moradores, (1) cerca de 500 pessoas compareceram naquele tribunal durante aqueles 27 anos!
Pois foi neste ambiente que se moldou a personalidade de José Rodrigues, como, aliás, a de todos os meninos e meninas nascidos “sem condição”. E frequentava a catequese onde lhe ensinavam que Jesus era misericordioso e bondoso e foi crucificado pelos malévolos judeus! Impossível imaginar como esta catequização cristã se conjugava com as vivências quotidianas, com os medos e as angústias que enchiam a casa de seus pais e dos mais familiares, bem como as conversas com todos os brigantinos da sua condição hebreia. Aliás, a lista de membros da família Gorjão, a que ele pertencia, era já mais comprida que a légua da Póvoa. Avós, tios… que quase todos eles tinham estagiado nas masmorras do santo ofício. E a lista haveria de continuar a crescer, com a sua própria prisão e a de 2 irmãos e muitos primos seus.
Impossível, pois, imaginar as dúvidas e angústias de sua alma quando, pelos 12 anos, lhe ensinaram que tudo o que aprendera na igreja dos cristãos era mentira, mas que tinha de viver com aquela mentira e continuar a frequentar a igreja dos cristãos “para contemporizar com o mundo”! Mais difícil ainda imaginar o ambiente de tragédia que viveu nessa altura quando todos os bens de sua família foram sequestrados e vendidos na praça, ao mesmo tempo que seu pai (Lourenço Rodrigues Mendes) e sua mãe (Luísa Pereira) regressavam a Bragança, infamados de judeus e vestidos de sambenito, expostos à irrisão pública. (2)
Chegado à maioridade, José R. Mendes abandonou Bragança e dirigiu-se a Lisboa. Dali embarcou para Inglaterra e, em Maio de 1727, encontrava-se em Londres. Aí, entre a “gente da nação” pontificava a família Costa Vila Real, originária de Bragança e a colónia de judeus trasmontanos era enorme e poderosa, em termos de economia e finanças. Amigos e conhecidos, como ele fugidos de Bragança, ter-lhe-ão disponibilizado toda a ajuda mas, antes, teria de frequentar a sinagoga, receber instrução da lei mosaica e circuncidar-se. Neste processo terá sido particularmente relevante a sua convivência com o porteiro da sinagoga de Bevis Marks, o brigantino Luís Sá, irmão de Alexandre (Isaac) de Morais, este casado com uma filha de João (Abraão) da Costa Vila Real. Foi o que aconteceu naquele mês de Maio. Vejam a narrativa feita pelo próprio:
- E logo ali foi conhecido, porquanto na mesma sinagoga viu alguns portugueses e entre eles conheceu José da Costa Vila Real, morador na cidade de Lisboa; e falando com o mestre da sinagoga, que era estrangeiro e não lhe sabe o nome, este lhe disse que era necessário que se circuncidasse; e com efeito, dali a 4 ou 5 dias, foi ele declarante circuncidar-se a casa de um homem que não sabe o nome, também estrangeiro, e 10 pessoas assistiram ao ato da circuncisão; e se lhe pôs o nome de Moisés Mendes Pereira. (3)

Foi curta a sua estadia em Londres. Por qualquer motivo que não conseguimos apurar, em Agosto seguinte, o nosso homem encontrava-se em Bayonne onde contactou também com muita gente da “nação de Bragança”, nomeadamente dois filhos do capitão Farrapa, natural de Chacim: Hilário (Abraão) Lopes Ferreira e Pascoal (Isaac Lopes Ferreira). Antes teria viajado pela Holanda, onde assinara o seu nome nos livros das sinagogas de Roterdão e Amesterdão.
Seria esta viagem por Londres, Amesterdão e Bayonne uma viagem de prospeção de negócios, muito em especial visando a colocação de produtos de seda, atividade em que laborava a sua numerosa família e a maioria das famílias hebreias de Bragança?
Conjuga-se esta hipótese com o facto de, em Dezembro seguinte, depois de ter regressado a Bragança por Madrid e Valladolid, se ter ido apresentar no tribunal da inquisição de Coimbra a confessar que judaizara e disso pedir misericórdia? Na verdade essa era a tática de muita gente e, de Bragança para Coimbra, chegariam a organizar-se verdadeiras peregrinações de marranos que iam apresentar-se. É que, com tal procedimento, evitavam que os bens lhe fossem confiscados e geralmente não ficavam presos. Apenas eram levados ao auto público da fé e condenados em ligeiras penas espirituais. E foi o que aconteceu com Moisés Mendes que, tendo regressado a Bragança, recebeu ordem para se apresentar em Coimbra em meados de Abril, para ser novamente examinado, posto o que, saiu condenado em penas espirituais no auto de 9 de Maio de 1728.
Regressou a Bragança e tudo parecia muito bem encaminhado, andando ele em perfeita liberdade. Porém, no dia 3 de Abril de 1729, o comissário da inquisição da cidade de Bragança escrevia para Coimbra uma carta do teor seguinte:
- Ilustríssimos Senhores. João Fernandes, criado de Manuel da Costa Silva, morador nesta cidade de Bragança, me deu parte que, haverá 2 ou 3 meses, estando ele em um quintal das casas de Manuel da Costa, ouviu dizer a José Rodrigues, solteiro, cristão-novo, filho de Lourenço Rodrigues, o Gorjão, desta cidade, que ele queria morrer pela lei de Moisés, o que repetira duas vezes, e que isto ouvira também António, solteiro, criado, o dito Manuel da Costa e Ana Henriques, viúva que ficou de Sebastião Pires, desta cidade, me deu também parte que, há 2 ou 3 meses ouvira dizer ao sobredito José Rodrigues o seguinte: - “Que ele cagava na Inquisição” e que “queria morrer queimado para ir para o céu”.
Era uma acusação muito grave e abonada de 4 testemunhas e, por isso, foi logo mandado prender, sendo metido nas masmorras do santo ofício em 27 de Outubro de 1729. Começava então a sua subida para o calvário. Uma subida que acabou em tragédia, com a morte na fogueira acesa no auto da fé de 6 de Julho de 1732 em Lisboa. Sim: no 1º de Março daquele ano, o réu foi transferido da cadeia de Coimbra para a de Lisboa, certamente para ser bem “espremido” e lhe sacarem todas as informações sobre as comunidades judaicas de Londres e Bayonne.
Em uma das audiências diria aos inquisidores que encontrou na Bolsa (“que é uma espécie de praça onde todos os dias há feira”) um homem que antes fora guarda da inquisição de Coimbra, “o qual segue a lei de Moisés, o que é público entre os judeus daquela cidade (…) e os mesmos judeus lhe estão assistindo com tudo o necessário, mas não o querem admitir no grémio da sinagoga, por este ser cristão e gentio”. Interessante também a narrativa que fez sobre um judeu de Bragança chamado Francisco Lopes Franco que “para entrar na sinagoga, o purificaram primeiro por meio de muitos banhos e cerimónias e está hoje um grande judeu”. Não caberá neste pequeno texto o tratamento daquelas informações, muito importantes, aliás, para o estudo da diáspora Marrana Trasmontana. Disso falaremos em outras ocasiões. Por agora ficamos com um dos argumentos de sua defesa:
- Disse que nunca tivera crença na lei de Moisés (…) e que se circuncidara por dinheiro, porque lhe deram 100 moedas de ouro, e lhe queriam dar muito mais se ele não tornasse a este reino.

NOTAS:
1-COSTA, António Carvalho da – Corografia Portugueza, Tomo I, p. 496, Lisboa, 1706.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 1563, de Lourenço Rodrigues; IDEM, pº 8486, de Luísa Pereira.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 4939, de José Rodrigues Mendes, sessão de 12 de Outubro de 1731.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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