terça-feira, 5 de setembro de 2017

Liceu Nacional de Bragança nas Memórias Arqueológico-Históricas

O sistema constitucional veio desorganizar as bases da instrução vigentes no período anterior, e para obviar a estes inconvenientes criaram-se os liceus nacionais nas capitais de distrito por decreto de 17 de Novembro de 1836, o qual mandava extinguir nos respectivos distritos as cadeiras de grego, latim, retórica, moral, aritmética, geometria, história e geografia à proporção que os liceus se fossem estabelecendo, deixando contudo continuar as de gramática portuguesa e latina nas capitais das antigas comarcas que ao tempo não o eram de distrito, quando fossem relativamente importantes em população.
Porque esta era diminuta recusou a portaria de 23 de Março de 1844 à Câmara do Mogadouro e a outras o provimento das sobreditas disciplinas.
Em fins do ano lectivo de 1849 esperava o Conselho de Instrução que os governadores civis enviassem os pareceres das juntas gerais do distrito para a colocação das aulas de latim fora dos liceus.
O Diário do Governo de 27 de Outubro de 1851 traz um aviso do Conselho Superior de Instrução Pública pondo a concurso a cadeira de gramática latina e portuguesa do Liceu Nacional de Bragança, com o ordenado anual de 350$000 réis, mas ainda em 1853 este estabelecimento se não encontrava organizado como mostramos ao tratar do mosteiro de S. Bento.
Em 2 de Julho de 1855 o mesmo Conselho mandou abrir concurso de provas públicas para as cadeiras de aritmética, álgebra elementar, geometria sintética elementar, princípios de trigonometria plana e geografia matemática, filosofia racional e moral e princípios de direito natural em curso bienal do Liceu de Bragança.
Por despacho de 28 de Junho e real resolução de 5 de Julho do ano seguinte, atenta a suficiência do exame, foi nessa última cadeira provido João António Pires Vilar (que ainda foi nosso professor), por tempo de três anos.
Por decreto de 14 de Novembro de 1860 foi criada em cada um dos liceus nacionais de Castelo Branco, Bragança e Portalegre uma cadeira de língua francesa e inglesa.
Na sessão de 9 de Junho de 1863 os deputados pelo distrito de Bragança – Albino Garcia de Lima, Carolino de Almeida Pessanha e José Luís Alves Feijó, mais tarde bispo desta diocese – apresentaram uma proposta de lei para que o Liceu de Bragança, em razão da distância dos centrais da primeira classe, fosse elevado a esta categoria, como o haviam sido os de Évora, Santarém e Braga e já o eram os de Lisboa, Coimbra e Porto.
O Liceu de Bragança começou a funcionar no antigo Mosteiro de S. Bento em harmonia com a proposta apresentada na sessão de 9 de Março de 1853 por José de Morais Faria e Carvalho, deputado por Bragança; daqui passou para uma casa particular e depois para o antigo hospital militar e capela adjunta de S. João de Deus, onde hoje se encontra, que havia sido mandado fazer por el-rei D. Pedro II.
Estas mudanças levaram largos anos a realizar-se, sendo só depois de porfiadas metas, que muito puseram em evidência o civismo de alguns bragançanos dignos de memória, que o nosso liceu conseguiu instalar-se no adequado edifício que hoje ocupa.
O decreto de 8 de Julho de 1857 manda ao governador civil de Bragança que apenas se realize a mudança do hospital militar para o extinto convento de S. Francisco, onde hoje se encontra, tome posse do edifício para ser nele colocado o Liceu.
Na sessão de 24 de Março de 1863 Albino Augusto Garcia de Lima, deputado por Bragança, interpelando o ministro dizia que pedira há mais de quatro anos, o edifício que servira de hospital militar para nele estabelecer o Liceu, que de nada se fizera caso, continuando este estabelecimento a funcionar numa casa particular pela qual se pagavam de renda 90$000 réis, quando o orçamento da obra de adaptação do edifício montava em 1.200$000 réis.
Era o revoltante nepotismo do bem particular antepondo-se ao geral! O mesmo deputado, associado a Carolino Pessanha, propôs na sessão de 6 de Abril de 1864 que no orçamento se consignasse a verba de 2.000$000 réis para reparos no edifício que devia servir de Liceu em Bragança (o já citado hospital militar), e na de 1 de Março do ano seguinte, voltando à carga, interpela o governo por não ter mandado proceder às mesmas obras de reparação e adaptação, já orçadas por duas vezes.
Ainda no Diário do Governo de 2 de Novembro de 1866 vamos encontrar a seguinte espécie, numa correspondência de Bragança: «Prosseguem as obras no antigo hospital militar, no qual o governo pretende estabelecer o Liceu».
Ao tempo do decreto de 1836, que criava os liceus nacionais, o que é hoje distrito de Bragança com pouco mais e que antigamente constava de três comarcas – Bragança, Miranda do Douro e Moncorvo – por decreto de 29 de Novembro de 1836 foi dividido só em duas, extinguindo-se a de Miranda, quase toda incorporada na de Bragança.
O decreto de 24 de Outubro de 1855 veio, neste particular, repôr as coisas no antigo estado, sendo novamente Miranda elevada a cabeça de comarca.
Ao contrário do que devia supor, a aula de instrução secundária em Miranda continuou em exercício, posto que escassamente frequentada, pois vamos encontrá-la no ano lectivo de 1871-1872 apenas com um aluno em latim e outro em português, sendo no mesmo período a de português de Moncorvo frequentada por quinze alunos, por onze a de latim, por quarenta e um a de latinidade e por quinze a de francês.
Ainda mais: parece que em Mirandela continuou a subsistir a escola de instrução secundária, como deixa ver o aviso da direcção geral da instrução pública de 26 de Março de 1861 pondo a concurso as cadeiras de português, latim e latinidade dessa vila.
Em virtude do artigo 9º da carta de lei de 27 de Junho de 1866 que autorizava o governo a substituir, onde e quando o julgasse conveniente, as cadeiras de latim por escolas onde se ensinassem as línguas francesa ou inglesa, princípios gerais de administração pública, de economia política ou de economia rural ou industrial, por decreto de 16 de Dezembro de 1867 foram criadas pelo reino várias cadeiras nessas condições, tocando ao distrito de Bragança uma em Mirandela, de português, francês, administração e economia rural, com o subsídio anual de 50$000 réis pago pela respectiva Câmara Municipal, e outra em Moncorvo pelo mesmo teor.
A carta de lei de 14 de Junho de 1880 acabou, de facto, com as escolas de instrução secundária que, desde o estabelecimento dos liceus nacionais nas capitais de distrito, vinham arrostando vida moribunda, e se diziam anexas a esses liceus a cuja região administrativa pertenciam. Para atenuar de alguma forma o golpe, dispunha essa carta de lei no artigo 5º:
«Haverá uma escola municipal secundária nas terras mais importantes, fora das sedes dos distritos, onde o governo entender que deve crialas, a pedido de qualquer corporação, associação ou indivíduo.
§ 1º Estas escolas serão sustentadas conjuntamente pelo Estado e pelo indivíduo ou corporação que as requerer, dando aquele somente um terço da despesa com o pessoal docente, e estes o resto das despesas com o pessoal e material da escola».
Estas escolas ensinariam: português, francês, aritmética, geometria, escrituração e desenho.
No distrito de Bragança cremos que nenhuma destas escolas se chegou a criar e todo o ensino secundário se centralizou no respectivo liceu e seminário diocesano.
Em 9 de Outubro de 1895 morria em Lisboa Manuel António de Seixas, que nascera em Moncorvo em Setembro de 1808, deixando uma fortuna feita no comércio de quase dez mil contos de réis, de que fez louvável distribuição legando ao hospital de Moncorvo 4.000$000 réis e o rendimento de 30.000$000 réis em inscrições para a criação na mesma vila de uma escola de instrução primária ou secundária, além de várias outras esmolas igualmente avultadas a institutos de caridade e instrução.
Em virtude deste legado,Moncorvo teve ainda durante alguns anos uma aula de ensino secundário onde se leccionavam as disciplinas de francês e latim; há alguns anos que acabou mercê das chicanas políticas dos nossos desgovernos.
Ainda se compreende que os beneméritos que deixaram seus bens a hospitais e institutos de beneficiência se não revoltem no pó dos túmulos vendo que as pensões de legados pios – celebração de missas, de ofícios, bolos, comedorias a pobres, etc. – com que os oneraram se não cumprem, graças à irreligiosidade dominante; mas que os que andam constantemente a moer-nos os ouvidos com a estafada ária da luz, muita luz, instrução,muita instrução do povo, obrem por esta forma, é revoltante!
Que belo incentivo à generosidade dos ricos em prol da beneficência, da instrução!!! Coisas portuguesas de ontem e de hoje que prometem não mudar de andadura! Lá fora não é assim.

Ginásio do Liceu
Em Fevereiro de 1903 começaram as obras na cerca do liceu de Bragança para a construção de um ginásio e horto botânico. Foi devido aos esforços do conselheiro Abílio Beça, então governador civil deste distrito, que se realizou tão importante melhoramento, conseguindo, com a sua instante pertinácia e acendrado civismo em promover os melhoramentos de Bragança, obter dos ministros do Reino e Obras Públicas as verbas superiores a 1.500$000 réis necessárias para a obra, que principiou a utilizar-se no ano lectivo de 1904-1905.
Foi o nosso Liceu o primeiro da província de Trás-os-Montes que obteve tal melhoramento.

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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