A agricultura familiar desempenha um conjunto de funções económicas, ambientais, sociais e demográficas muito importantes e indispensáveis para o desenvolvimento e valorização sustentada dos territórios, razão pela qual a Comissão Europeia, na sua comunicação de finais de Novembro de 2017 ao Parlamento Europeu a propósito do “Futuro da Alimentação e da Agricultura”, afirma claramente que a “PAC tem que continuar a evoluir, mantendo a sua orientação para o mercado e o seu apoio ao modelo de exploração agrícola familiar da UE em todas as regiões da União”.
Infelizmente, as medidas de política que o Ministério da Agricultura tem para a agricultura familiar, designadamente as que informam o Estatuto da Pequena Agricultura em discussão pública, não atendem às especificidades e características próprias da agricultura familiar e não dão resposta adequada às suas necessidades. Estas medidas, continuam, assim, a manter afastado do apoio público e do progresso um número muito significativo de explorações agrícolas, cerceando assim as condições para o desenvolvimento das partes do território nacional onde a agricultura familiar predomina.
Com efeito, a proposta em discussão pública não reconhece a realidade da estrutura produtiva destas regiões, a importância que o plurirrendimento tem nesta agricultura, propondo algumas medidas, cujo interesse se reconhece, mas que não são as que permitirão assegurar a valorização da agricultura familiar e dos seus territórios.
Não será possível alterar a atual situação e as condições que conduziram à catástrofe da desertificação do território e das suas consequências, sem uma mudança total do paradigma em que tem, de forma continuada, assentado a conceção e delineamento das medidas de política.
Tal é possível com uma outra conceção e execução, continuada e persistente, de medidas de política que contemplem os seguintes aspetos:
– Uma atuação prioritária ao nível do território, abrangendo todas as explorações, dada a inter-relação que nelas se verifica entre os diferentes tipos de explorações e entre estas e os outros sectores de atividade. Só a esta escala é possível rentabilizar os necessários investimentos a fazer em investigação aplicada, motor da transformação tecnológica da agricultura familiar, bem como as ações que possibilitem assegurar, de forma consistente, a sustentabilidade das explorações e, por essa via, o próprio ordenamento do território.
– A existência de instituições de Investigação e Desenvolvimento que ofereçam novas técnicas e práticas adequadas aos diferentes tipos de explorações presentes no território, que sejam indutoras de ganhos de produtividade e de valorização acrescida e sustentada dos produtos e serviços dos territórios, bem como da melhoria das condições sociais da produção e do bem-estar dos agricultores e das suas famílias.
– Instituições, com escala e diferentes formas organizativas, nomeadamente cooperativas e organizações de produtores, mas também outras, que sejam capazes de organizar e promover o apoio e a difusão do conhecimento técnico, a orientação para o mercado, a transformação e valorização dos produtos e a sua comercialização competitiva.
– Um sistema de financiamento público, estável e plurianual, regularmente avaliado em função dos objetivos e resultados obtidos, quer para ações de investigação e desenvolvimento que respondam às necessidades da agricultura familiar e dos seus territórios, quer para as instituições que executem o enquadramento técnico e a difusão do conhecimento junto das explorações agrícolas familiares.
– Medidas de apoio público ao investimento às explorações agrícolas e às suas organizações de enquadramento, com vista à valorização e promoção dos seus produtos e serviços, adequadas à diversidade das suas características e que facilitem a adoção de inovação e a redução de custos de contexto.
– Medidas de apoio para a organização do mercado de proximidade para os produtos e serviços oriundos da agricultura familiar desses territórios.
– Um modelo de organização e governança territorial, assente nos princípios da legitimidade, da democracia e da cidadania, que possibilite a convergência e mobilização do conjunto de instituições e atores locais, públicos e privados, para objetivos comuns que mantenham a viabilidade da sociedade, assegurem a sua sobrevivência e desenvolvimento de longo prazo.
Com a concretização da política enunciada, a agricultura familiar, além dos efeitos benéficos que se lhe reconhecem no que respeita à preservação do ambiente (designadamente salvaguarda in situ do património genético nacional, tanto vegetal como animal), da ocupação dos territórios e da criação das condições para a valorização da multifuncionalidade dos espaços rurais, será fonte de relevantes aumentos de produção.
Com efeito, a agricultura familiar utiliza em geral baixa incorporação de tecnologia e pode, por isso, com alguma facilidade, fazer a transição para a prática de agricultura sustentável e aumentar a produção, pois a sua Superfície Agrícola Utilizada representa 56% do total e a produtividade da terra é baixa.
A agricultura familiar, que representa 97% dos agricultores, à qual se deve 42% do Valor da Produção Total em 2013, poderá, deste modo, não só aumentar significativamente a sua contribuição para o VPT total da agricultura, como melhorar as condições de vida e de trabalho dos agricultores e contribuir decisivamente para uma vivificação sustentável e durável do território. Elevar-se-ia ainda a sua capacidade de proteção e resiliência perante eventuais crises económicas e sociais.
A concretização deste modelo e dos seus resultados positivos estão já, em parte, no terreno, com a implementação do programa Vitis, que se iniciou em 2000. Por exemplo, na região vitivinícola do Minho, entre 2000-01 e 2013-14 foram reestruturados 6 800 hectares de vinhas, com área média por projeto de 1,20 hectares. A pequena dimensão das explorações não impediu a substituição das vinhas em bordadura, por vinhas contínuas, com castas recomendadas, e as alterações positivas que se registaram na produção dos tipos de vinho, de acordo com as exigências do mercado, diminuição dos vinhos tintos, aumento dos brancos e rosados e ganhos muito significativos nas quantidades exportadas.
A implementação do Vitis nas regiões de agricultura familiar e estrutura minifundiária encerram, sem dúvida, ensinamentos muito úteis que devem ser aprofundados com vista à elaboração de políticas para estas regiões, dominantes no Interior.
É evidente que a concretização desta alteração de paradigma só é possível com uma clara escolha política, pois está em causa romper com a atual repartição dos financiamentos e apoios públicos aos agricultores e aos territórios e com o seu próprio modelo conceptual e instrumentos de aplicação.
Coimbra, 29 Janeiro de 2018
Agostinho Carvalho, Prof. Universitário (Jubilado)
Américo Carvalho Mendes, Prof. Associado da Católica Porto Business School; Presidente da Associação Florestal do Vale do Sousa
António Covas, Prof. Universidade Algarve
Helena Freitas, Prof.a Universidade Coimbra; ex-Coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior
João Guerreiro, Prof. Universidade Algarve
José Portela, Prof. UTAD (Aposentado)
José Ramos Rocha, Eng.° Agrónomo; Gestor de empresas
José Reis, Prof. Faculdade Economia (UC); antigo Presidente CCRC
Manuel Brandão Alves, Prof. ISEG (UL) (Aposentado)
Pedro Bingre Amaral, Prof. Instituto Politécnico Coimbra
Pedro Hespanha, Investigador Centro Estudos Sociais (UC)
Victor Louro, Eng.° Silvicultor; antigo Presidente Comissão N. Combate à Desertificação
in:jornalnordeste.com
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