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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

NO TEMPO DAS MANGAS BOURBON

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)

Estas são as mangas Bourbon, raríssimas
e mote/tema desse texto
De repente, não mais que de repente, me vi com setenta e poucos anos.
Fiz as contas e o resultado foi que o tempo que me falta é muito menos que pensava.
Somei as amizades: vi que algumas tinham sinal negativo. Considerei-as apenas em módulo (sem sinal negativo ou positivo). Em algumas eu cabia direito; noutras, nem tanto! Dividi os sentimentos, adicionei amores (amei poucas pessoas; poucas também me amaram). O número final, embora diferente de zero, não era inteiro. 
Vi que sobraram restos: - que fazer com eles?
Multipliquei o dividendo pelo divisor; vi que somando os restos ficava algo; algo inteiro...
Foi quando então me lembrei das mangas Bourbon de minha infância! Suculentas, perfumadas, doces, apetitosas... . Isso me fez pensar.
Acho que vou mudar um pouco. Vi-me voltar no tempo e ser novamente aquele menino que chupava mangas Bourbon. Antigamente, as chupava depressa; tal como o mundo gira. Agora, roo o caroço, até que nenhum suco fique entranhado. Devolvo-o à terra totalmente branco, pálido, albino!
Contei meus anos e descobri que terei muito menos tempo para viver daqui para frente, do que já vivi até agora. Mas, falta-me ânimo, para brigar com medíocres. No mundo atual, a disputa invejosa e insidiosa onde vale tudo, me aborrece. Isso acontece no escritório, no clube que frequentamos, no grupo político ou religioso onde trabalhamos com vigor e denodo... . 
Nunca mais quero estar próximo da fogueira das vaidades: - xô vaidades! 
Chega de egos estofados e estufados, chega de falsidades e de hipocrisias. Não quero fazer projetos dos quais não poderei ver o desfecho. Quero algo para já e não para amanhã ou depois; quero ver o resultado almejado. Quero que alguém me dê atenção e ao que escrevo ou faço. Se um dia um texto meu, caipira, for reconhecido em público, nesse dia posso partir ou iniciar a caminhada na encosta da montanha da vida. Gostaria que o artista que o ler, fosse saudado com um aplauso enorme. E que o público possa, mesmo que num átimo, admirar o Brasil e os brasileiros, assim como eu admiro e respeito. E assim, espero que finalmente entendam minha missão na literatura.
Nunca mais quero conversas intermináveis, que levam a lugar nenhum. Não quero falar de vidas alheias; que nunca foram importantes para mim. Quero dizer ao meu amor, a minha esposa, do quanto me sinto orgulhoso dela. Tudo, ou grande parte do que tenho, certamente devo a ela. Com ela reparto o edredom e as queixas das dores da senilidade e das minhas pequenas frustrações, como nunca ter conseguido “plantar bananeira”, assoviar com os dedos na língua, tocar violão, ir passear na Europa, para conhecer Portugal e Itália, dentre outras frustrações menores... .
Não quero, nunca mais, ficar me explicando para pessoas melindrosas. Chega de melindres! Não quero ter razão; o que quero é ser feliz!
Chega de respeitar pessoas às quais nunca me respeitaram; um dia sequer!
Quero meter meu conhecimento num saco e sair com ele às ruas, às fábricas ou às engenharias e escolas; aguardando que algum possível curioso, colega, amigo ou parente me pergunte sobre tudo que eu tenho ali guardado.
E, se um dia for perguntado sobre o conteúdo do saco, eu diria a ele que ali estava um velho caipira que amava tanto o Brasil, que desejava morrer logo, para não vê-lo nas mãos dos maus.
Lá, dentro do saco, estariam provas incontestes de que amei muito sim e talvez até tenha sido amado. Mas que meu amor era tal e qual um Itororó, uma cachoeira de rio: instigante, bonito, limpo e sem volta.
Eu diria que, além do sabor da manga Bourbon, lembrar-me-ei dos amigos verdadeiros e dos falsos; ah, desses vou lembrar mesmo! Lá no saco, estariam as lembranças de que meu tempo ficou escasso para mostrar o amor que tenho pela Língua Pátria e por pessoas que se apercebiam ou não disso, às quais procurei entender entre os simples e os humildes, que me ensinaram tanto quanto os grandes autores e sábios.
Ainda que minha alma tenha pressa, não quero perder a essência. Quero ver a mesa repleta de mangas Bourbon, para fatiá-las com o fio da navalha de minha emoção. Ato contínuo gostaria de distribuir nacos de mangas Bourbon, para aqueles que me amaram de verdade. Quanto às mangas, hoje percebo que são raras e quase já não as encontro. As mangas Bourbon de minha infância, cujo caldo escorria no peito da minha camisa de menino poeta, deixaram-me marcado com seu caroço, sua nódoa e seus bagaços, por uma vida inteira. Ah, como eu gostaria de provar dessas mangas mais uma vez! E gostaria de poder distribuí-las para a humanidade inteira!  E gostaria que a Humanidade inteira, ao prová-las sorrisse para mim. Em resposta, eu sorriria também. E juntos sorriríamos até a pousada final, junto ao Pai Eterno. E eu, na minha imortalidade dos setenta e poucos anos, distribuiria sabores, perfumes, lembranças, amores e sentimentos puros, até o final dos tempos. E falaria de amor aos filhos; que não tive na Terra. 
- Falaria do essencial, daquilo que faz a vida valer a pena, na nossa (triste ou feliz) fugaz vida terrena.


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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