São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Estas são as mangas Bourbon, raríssimas e mote/tema desse texto |
Fiz as contas e o resultado foi que o tempo que me falta é muito menos que pensava.
Somei as amizades: vi que algumas tinham sinal negativo. Considerei-as apenas em módulo (sem sinal negativo ou positivo). Em algumas eu cabia direito; noutras, nem tanto! Dividi os sentimentos, adicionei amores (amei poucas pessoas; poucas também me amaram). O número final, embora diferente de zero, não era inteiro.
Vi que sobraram restos: - que fazer com eles?
Multipliquei o dividendo pelo divisor; vi que somando os restos ficava algo; algo inteiro...
Foi quando então me lembrei das mangas Bourbon de minha infância! Suculentas, perfumadas, doces, apetitosas... . Isso me fez pensar.
Acho que vou mudar um pouco. Vi-me voltar no tempo e ser novamente aquele menino que chupava mangas Bourbon. Antigamente, as chupava depressa; tal como o mundo gira. Agora, roo o caroço, até que nenhum suco fique entranhado. Devolvo-o à terra totalmente branco, pálido, albino!
Contei meus anos e descobri que terei muito menos tempo para viver daqui para frente, do que já vivi até agora. Mas, falta-me ânimo, para brigar com medíocres. No mundo atual, a disputa invejosa e insidiosa onde vale tudo, me aborrece. Isso acontece no escritório, no clube que frequentamos, no grupo político ou religioso onde trabalhamos com vigor e denodo... .
Nunca mais quero estar próximo da fogueira das vaidades: - xô vaidades!
Chega de egos estofados e estufados, chega de falsidades e de hipocrisias. Não quero fazer projetos dos quais não poderei ver o desfecho. Quero algo para já e não para amanhã ou depois; quero ver o resultado almejado. Quero que alguém me dê atenção e ao que escrevo ou faço. Se um dia um texto meu, caipira, for reconhecido em público, nesse dia posso partir ou iniciar a caminhada na encosta da montanha da vida. Gostaria que o artista que o ler, fosse saudado com um aplauso enorme. E que o público possa, mesmo que num átimo, admirar o Brasil e os brasileiros, assim como eu admiro e respeito. E assim, espero que finalmente entendam minha missão na literatura.
Nunca mais quero conversas intermináveis, que levam a lugar nenhum. Não quero falar de vidas alheias; que nunca foram importantes para mim. Quero dizer ao meu amor, a minha esposa, do quanto me sinto orgulhoso dela. Tudo, ou grande parte do que tenho, certamente devo a ela. Com ela reparto o edredom e as queixas das dores da senilidade e das minhas pequenas frustrações, como nunca ter conseguido “plantar bananeira”, assoviar com os dedos na língua, tocar violão, ir passear na Europa, para conhecer Portugal e Itália, dentre outras frustrações menores... .
Não quero, nunca mais, ficar me explicando para pessoas melindrosas. Chega de melindres! Não quero ter razão; o que quero é ser feliz!
Chega de respeitar pessoas às quais nunca me respeitaram; um dia sequer!
Quero meter meu conhecimento num saco e sair com ele às ruas, às fábricas ou às engenharias e escolas; aguardando que algum possível curioso, colega, amigo ou parente me pergunte sobre tudo que eu tenho ali guardado.
E, se um dia for perguntado sobre o conteúdo do saco, eu diria a ele que ali estava um velho caipira que amava tanto o Brasil, que desejava morrer logo, para não vê-lo nas mãos dos maus.
Lá, dentro do saco, estariam provas incontestes de que amei muito sim e talvez até tenha sido amado. Mas que meu amor era tal e qual um Itororó, uma cachoeira de rio: instigante, bonito, limpo e sem volta.
Eu diria que, além do sabor da manga Bourbon, lembrar-me-ei dos amigos verdadeiros e dos falsos; ah, desses vou lembrar mesmo! Lá no saco, estariam as lembranças de que meu tempo ficou escasso para mostrar o amor que tenho pela Língua Pátria e por pessoas que se apercebiam ou não disso, às quais procurei entender entre os simples e os humildes, que me ensinaram tanto quanto os grandes autores e sábios.
Ainda que minha alma tenha pressa, não quero perder a essência. Quero ver a mesa repleta de mangas Bourbon, para fatiá-las com o fio da navalha de minha emoção. Ato contínuo gostaria de distribuir nacos de mangas Bourbon, para aqueles que me amaram de verdade. Quanto às mangas, hoje percebo que são raras e quase já não as encontro. As mangas Bourbon de minha infância, cujo caldo escorria no peito da minha camisa de menino poeta, deixaram-me marcado com seu caroço, sua nódoa e seus bagaços, por uma vida inteira. Ah, como eu gostaria de provar dessas mangas mais uma vez! E gostaria de poder distribuí-las para a humanidade inteira! E gostaria que a Humanidade inteira, ao prová-las sorrisse para mim. Em resposta, eu sorriria também. E juntos sorriríamos até a pousada final, junto ao Pai Eterno. E eu, na minha imortalidade dos setenta e poucos anos, distribuiria sabores, perfumes, lembranças, amores e sentimentos puros, até o final dos tempos. E falaria de amor aos filhos; que não tive na Terra.
- Falaria do essencial, daquilo que faz a vida valer a pena, na nossa (triste ou feliz) fugaz vida terrena.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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