(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
...continuação
Passado à disponibilidade, regressado a Bragança, retomo o meu curso normal de vida e como felizmente sempre tive facilidade de arranjar trabalho não se me colocou naquele tempo a necessidade de emigrar, que era a solução maioritariamente tomada pelos indivíduos da minha geração.
A França era nesse tempo o destino de muitíssimos portugueses, sendo que uma fração diminuta se comparada seguia rumo à Alemanha e Luxemburgo. Perdi assim, com este êxodo, grande parte dos amigos que me haviam acompanhado antes da vida militar.
Mas era tempo de crescimento económico igualmente. Lenta mas segura a situação era mais risonha. Marcelo Caetano era já Primeiro Ministro e apesar da “Entourage" que o rodeava as reformas iam-se fazendo e com o aparecimento da SEDES havia gente a ganhar muito dinheiro que depois aplicava noutros negócios sendo a construção civil aquela onde mais capitais eram aplicados.
Infelizmente, nem sempre o planeamento era feito com as cautelas necessárias e começaram a aparecer blocos de apartamentos particularmente nas grandes cidades com deficiências que vinham da sua implantação incorreta e sem acessos e nalguns casos sem energia eléctrica, que a EDP se recusava a fornecer por falta até de licenças de construção, havendo casos até de falta de ligação à rede de esgotos. Antes de 25/04/74 o número de casos era inferior mas após a Revolução a situação piorou e até que o Governo exigiu às Câmaras a obrigatoriedade de planos da Urbanização e se regressou ao bom senso de não construir em leito de cheia.
As coisas eram complicadas e em Bragança o exemplo mais flagrante e ainda visível é o Bairro da Mãe de Água. Há que ter em conta as pessoas que necessitavam de casa onde pudessem residir. Muitos haviam ganho algum dinheiro na emigração e tinham pressa pois o desejo maior era ter casa própria e a maioria nem sabia que eram precisas licenças para construir!
Comprava-se terreno onde parecesse mais condizente com as ideias de cada um e começava a construção sem mais delongas. Normalmente todo o processo era concluído no período de "Vacances" que era grosso modo de um mês, tempo insuficiente, mas que à falta de mais se deixava o não concluído para finalizar no ano seguinte.
É fácil imaginar o caos urbanístico que a ineficiência dos Serviços da Câmara permitiram e a falta de planeamento a médio e longo prazo nos conduziram.
Com a nomeação pela Junta de Salvação Nacional, do Capitão de Engenharia de Aeródromos José Luís Gomes Pinheiro, renasceu nos brigantinos a esperança de se resolverem questões importantes que sem alguém da terra e que lhe tivesse amor, pensava-se, seriam insolúveis.
É de facto este homem que com espírito de missão deita mãos à obra de fazer renascer Bragança das cinzas, qual Fênix que sem nos darmos conta estivesse sepulta algures e inacessível ao nosso devir.
Tinha-se agravado a situação com a vinda dos chamados Retornados que com todo o direito exigiam condições de vida compatíveis com as que tinham nos antigos territórios de onde acabavam de ser obrigados a saírem, sem explicação razoável e onde tinham a sua fazenda e haviam gasto anos longos de trabalho e persistência. O Capitão Pinheiro era sensível a todas as realidades pois havia servido como militar vários anos no Ultramar e antes de ingressar na Academia vivera em Bragança desde pequeno, pois sendo natural de Rabal, a escassos 8km da cidade veio de rapazinho para a cidade e aí estudou, jogou futebol, (era da equipa dos 31-0) hóquei patins, foi escuteiro e era dos rapazes mais bem quistos da sua geração. Recordo-o com saudade e respeito pois vi-o muitas manhãs bem cedo 5/6 da manhã dirigir-se à Estação Elevatória no Sabor para resolver problemas de fornecimento de água que naquele tempo eram recorrentes.
Foi visionário quanto ao aproveitamento das águas de Montesinho, à abertura de outras vias na cidade, à modernização desta para a qual contribuiu com os seus conhecimentos de engenharia e a sua capacidade de trabalho que era notável.
Não resisto a contar uma passagem em que um dia nos recebeu no seu gabinete quando fiz parte da direção do GDB e com o Senhor José Tiago e o Senhor Nuno Álvaro Vaz (Nuno da Rosa d'Ouro ) fomos pedir apoio da Câmara ao projeto de subir o Clube à 2ª divisão. Atendeu-nos com um sorriso e passados uns minutos recebeu uma chamada telefónica do Governo Civil a informá-lo de que o Almirante Pinheiro de Azevedo chegaria a Bragança dentro de uma hora mais ou menos e que ele deveria estar no Governo Civil para a cerimónia de recepção. Resposta do Eng.Pinheiro: -Agora estou a falar com os meus amigos do Desportivo e só quando acabar vou poder ir, mas não tenho gravata e para ir a casa buscá-la atraso a chegada aí.
Após um momento de espera pela resposta do interlocutor e vendo que este não dizia nada, disse ele: -Acho que vou sem gravata, afinal vou encontrar-me com alguém que como eu é um DESENGRAVATADO! Se eu o admirava já, depois disso reservei para ele um lugar na minha consideração que só aos mais íntegros concedo! Ainda hoje a sua memória é para mim de valor inestimável.
A vida teve o curso que se conhece e eu segui o caminho que Deus me demarcou e que levo quase concluído. Com tempo de bonança e também de procela tenho levado, como dizia meu pai, a minha Cruz ao Calvário, embora sempre com a presença e entrega incondicional de minha mulher e filhas que na senda das tradições, usos e costumes da nossa terra e nossa gente sempre estiveram comigo nos melhores e menos bons momentos da vida.
Outra Companhia que nunca me abandonou e que muito prezo e aos quais agradeço a serenidade, os bons conselhos e moderação que sempre me transmitiram, são os livros pois foi com eles que passei os melhores momentos da minha vida.
Obrigado a todos os autores, editores, tipógrafos e livreiros que trabalharam para me fazerem a vida mais completa na leitura de um Bom Livro.
FIM
11/11/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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