(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Levantei-me hoje, já eram as 07:00 a.m. e depois de passar os olhos pelo Face, li um apontamento de Paula Freire que me fez entrar no meu arquivo mental de vivências e cantigas, que sendo tão velhas quanto eu e mais das vezes, ainda mais, as cantigas, claro, continuam a ser parte estruturante da minha ideia ou conceito estético.
A crónica que hoje me proponho escrever será quase um plágio da crónica da autora referida, mesmo que a semelhança se quede na ideia de falar da música que eu como ela, tanto gostámos.
Para mim até aos meus doze ou treze anos, era uma constante pois recordo hoje com clareza que quando fazia a entrega dos pastéis pelos vários cafés da cidade, o fazia sempre cantando, o que levava os que me ouviam a cantarem comigo ou no mínimo a sorrirem, ou comentarem.
Apelo aos meus condiscípulos para um exercício de memória e que tentem lembrar-se de mim com as caixas dos pastéis nas mãos e uma canção nos lábios. Saído da Pastelaria Ribeiro com destino à Avenida João da Cruz, onde tinha dois clientes, mais tarde um terceiro, Café Lisboa da Dona Maximina e Senhor Coelho, Café Avenida e Cervejaria do Inocêncio, esta na casa do Snr. Lagarelhos e outro local do qual guardo recordações gratas, devido a alguns homens que ali trabalhavam e a outros que faziam parte dos quadros da firma Jerónimo & Cia de Vinhais que fazia o transporte público de passageiros e mercadorias de Vinhais para Bragança e vice-versa.
Os da garagem do Lopes & Pires eram dois homens que foram de uma simpatia e paciência para comigo que agradecerei até ao fim dos meus dias, a saber: o patrão, Snr. Lopes e o Snr. Morais, que creio era seu genro e que como ele era também um cavalheiro. Aí eu diariamente entregava uns baús com Pastelaria Fresca para o Café Comercial, Nova Lisboa, S. Paulo, e para o lídimo vinhaense, que, perdoem-me, só conheci pelo nome de Mouco. Homem bom este, que sempre no Natal me enviava uma prenda com votos de Boas -Festas, pelo Chico Reis, pai do Copinhos que era cobrador nas Carreiras do Jerónimo. Este homem juntamente com um seu colega chamado Adérito que era naquele tempo Guarda-Redes do F.C. de Vinhais, bem assim como o Velho Snr. Jerónimo, patrão e "chauffeur" das carreiras, sempre me trataram com simpatia e prontidão, na ajuda que sempre me davam, na hora do despacho e de colocar os baús e caixas no porta bagagens da carreira ou mesmo no tejadilho, onde naquele tempo se transportava quase tudo que fosse considerado "Carga".
Este vai-vem, fazia-o eu sempre cantando as canções que eu avidamente aprendia através da Rádio ou da aparelhagem sonora do Reis da Caleja que, diga-se, sempre esteve na vanguarda de difundir toda a música popular daquele tempo, muito particularmente a que fosse boa para dançar.
Aprendi com o meu amigo Augusto Verbo algumas letras de tangos argentinos que ambos apreciávamos e ele tocava decentemente no seu Realejo Homer, muito bem pois de violino nunca passou da afinação argumentando que a arte só se manifesta quando o artista está bem-disposto e com "good mood to play".
Ensinou-me o célebre Tango à Média Luz, que tem o título original de"Corrientes 348 / e que logo no primeiro verso nos dá uma ideia de algo mágico que nos espera: Corrientes 3- 4- 8, segundo piso , ascensor/No hay Portero ni vecinos /Lá dentro cocktail y amor/,.....e ainda hoje me fascina ouvir esta música de tango e faço-o frequentemente pois tenho tempo agora para poder apreciar o belo da música maior.
Ao tango sempre que o escuto, aparecem como dele indissociáveis imagens do Garrido e do tio João Cachimbo no Salão da Associação dos Artistas em noite de Carnaval. Apetece-me mencionar um homem que me fez sentir feliz só porque partilhava comigo a paixão da música italiana. Chamava-se Palmeirão e era técnico da Marconi, vivendo por cima da Farmácia Soeiro (da Preta) na dependência que tem janelas para a rua e que era parte da habitação do Snr. Zé Leão. Tinha nome de herói da banda desenhada, vestia elegantemente e usava perfume Tabú. Bem falante e bem vivido era o que se poderia chamar um Bon Vivant, aliando ao nome, Clotário Augusto Palmeirão, o saber de eletrotecnia como um dos melhores técnicos da Marconi nos anos 50/ 60. Admirador de Domenico Modugno, recordo que cantava também de Gino Paoli "Sapore di Sale”, isto já de 1963.
Mais antigas mas não menos belas eram de Modugno, Vechio Frack, 1958, Ciao, ciao, Bambina de 1959 e Lazzarella, da qual fizeram um filme que vi, encantado no Velho Cine Camões , com bilhete da geral que era verde e custava 3$OO.
A letra era em dialeto napolitano e soava "beníssimo" mas menos inteligível que o italiano o que me dava um sentimento amargo, pois também não havia quem me traduzisse os versos. Lazzarella ainda hoje é palavra que me soa como algo que é música por si própria. Havia também Marino Marini, Renato Carozone e muitos mais, tais como Vasco Rossi e Sérgio Endrigo com a sua ainda hoje bela "L'arca de Noé" que terminava com um verso que os do PAN deviam adotar como símbolo: Partirá la nave partirá / Dove arriverá, questo non si sá/ Sará comme l 'Arca di Noé / Il canne , il gato,io e té/.
Bem, estaria aqui escrevendo uma eternidade e não lograria dar uma imagem pálida do que era a música italiana quando "io ero Picolo".
Mas a minha grande paixão daquele tempo eram os artistas portugueses que nomearei a seguir e que me cantaram até às lágrimas de felicidade e nostalgia que eu apreendia dos versos escorreitos e melodia harmoniosa que eu compreendia e sentia porque eram parte da minha essência. - Amália,Tristão da Silva, Maria Clara, Toni de Matos, Maria de Lurdes Resende, Carlos Ramos, Frei Hermano da Câmara, Fernando Farinha, Ada de Castro, Francisco José e Teresa Tarouca. Estes do meu tempo de criança, tendo assistido ao tempo dos cantores de intervenção que tiveram engenho e arte de com a sua música corromperem o edifício ideológico do Estado Novo.
( Aprende a nadar companheiro/ Aprende a nadar companheiro/ Que a maré se vai levantar / Que a liberdade está a passar por aqui/ Maré alta , maré alta/- Obra de Sérgio Godinho que com, Zeca Afonso, Adriano Correia d'Oliveira, José Mário Branco, Fausto e Pedro Barroso, criaram músicas e letras inolvidáveis e de sentido transcendente.
Com letra de Manuel Alegre, Adriano fez uma das obras primas da música lusitana, que se chama, Balada do vento que passa, sendo Zeca Afonso a juntar as palavras e as notas de: - Dorme , meu menino, a Estrela d' alva/ Já a procurei, mas não a vi / Se ela não vier de madrugada / Outra que eu souber, será p'ra ti.
Já me tem acontecido levantar-me muito cedo e ainda só se pressentirem no ar sereno da madrugada os primeiros chilreios da passarada que sentem já no ar os precoces raios de sol que lentamente se transformarão em dia claro, melhor dizendo, glorioso, o meu cérebro traz-me à ideia os versos lindos da Canção de Embalar que entretecidos com as notas musicais, me transportam para uma dimensão que só o tempo e o modo adequado conseguem fazer em mim. A música que os autores mais variados e com os seus distintos modos de dizerem e se manifestarem, criaram em mim uma das facetas mais complexas das que a natureza me dotou. Correu tempo que hoje se me apresenta passado meteoricamente e nasceu em mim um gosto diferente por diferentes estilos musicais.
No princípio dos anos 70 o grupo musical americano The Eagles lançou no mercado um World Pop Hit que desde o primeiro momento me apaixonou e continuo ainda hoje a considerá-lo como a canção Rock mais bela jamais criada. Tendo por título Hotel Califórnia é uma obra-prima de som e lírica. Com carga esotérica, que se adivinha é subjetiva no que pretende ser a mensagem principal e está como que num claro-escuro circundada por minutos de solo de guitarra lindíssimos e de difícil execução. É sem dúvida a American Rock Song mais bem construída de todas as que até hoje ouvi e já ouvi muitas, até às que sendo mais formais na sua conceção têm também génio musical que baste, devendo eu confessar que na tropa sempre que os auto-falantes transmitiam Marchas Militares as atribuídas a John de Sousa me faziam sereno e me levavam a sentir-me um verdadeiro Soldado.
O hino nacional americano Stars and Stripes é da sua autoria e isso nos honra pois ele era descendente de portugueses. A Marcha "A Life In The Ocean Wave" que foi adotada para hino do Movimento das Forças Armadas, foi adaptada por Epes Sargent que a tornou um êxito, tendo sido escrita por Henry Russel e introduzida no repertório das Bandas Militares Britânicas. Vai longa esta crónica e não me proponho terminá-la hoje. Decidi agora, dado que a hora vai alta,15:30 p.m. que continuarei amanhã com uma segunda parte, que não será menos interessante que a primeira de hoje.
Falta falar de muitas coisas que me ligam à música como as vezes que em Londres, com as minhas amigas Gorgueiras fui à Ópera ou a Concertos que tinham como cabeças de cartaz artistas-intérpretes como Luciano Pavarotti, Carreras e Plácido Domingo, Freddy Mercury ou Elton John, e para gáudio nosso, também Teresa Salgueiro, Dulce Pontes ou a filha de Elis Regina que me pareceu não ficar atrás da mãe em presença e voz. De Pink Martini digo apenas que tem um grupo fantástico de músicos ecléticos com a cantora China Forbes e a sua voz de ouro puro quando canta, Una Notte a Napoli.
V. N. de Gaia 02 de Junho de 2019.
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Lisonjeada por ter sido motivo de inspiração para a sua crónica, que li com muito agrado. Um bem-haja A. Santos.
ResponderEliminarSalve A. santos; tu não és apenas um, és tantos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderEliminarConfesso que não havia lido o texto da colega colaboradora do MOC, (Paula Freire => o que farei em seguida)que acabou por dar mote ao vosso texto, tão lírico, honesto,verdadeiro e sentimentalíssimo.
Orgulho-me de fazer parte do grupo de colaboradores do MOC,do iminente Henrique Martins,e poder ter acesso a textos como o caso em epígrafe. Modestamente,vou enviando,em doses homeopáticas, meus singelos textos. Moro em São Paulo,Brasil, e fiz contato com o blog (MOC),a partir de pesquisas que faço constantemente sobre o dialeto caipira brasileiro, que ouso afirmar ser primo em segundo ou terceiro grau do Mirandês. Eu estava pesquisando Amadeu Ferreira,seguindo uma pista,a partir das Cartas de Pero Vaz de Caminha, durante a época do descobrimento do Brasil e apreciei suas expressões tão diferentes do Português Castiço que se divulgava à época. Queria achar uma pista de que o dialeto que eu pesquiso não está montado apenas sobre uma base do Nhengatu, língua geral falada no Brasil.durante as excursões de expansionismo,feitas por portugueses, brasileiros,índios e africanos.Cheguei à conclusão, clara e cristalina, que o Mirandês influiu em pelo menos 35 % das palavras do dialeto"Caipirês", conclusão esta que cheguei após mais de quarenta anos de pesquisa. Sou descendente de portugueses pela parte materna, e muito me orgulho do povo português, suas histórias,mitos, costumes,folclore e etc..
Porém,me desviei do assunto sobre o texto do A.Santos: muito me comoveu e me prendeu,o texto. De início, apenas fiquei à espera de que mencionassem algum artista brasileiro; porém quase ao final, ele falou da Elis Regina (a maior de todas) e de sua filha Maria Rita, o que muito me agradou,pois penso delas da mesma forma.
A primeira vez que ouvi uma música portuguesa, em disco de 78 rotações,foi quando,aos dez anos deidade,meu pai comprou nossa primeira vitrola(gira-discos => como vocês dizem).Junto com a vitrola,meu pai foi presenteado com um disco de Ester de Abreu, sendo esta a primeira cantora portuguesa que ouvi em minha vida e meu primeiro contato com o fado e o modo "diferente" de cantar, dos cantores portugueses,mormente no fado.
Não posso mais me estender; por isso despeço-me do A. Santos, pedindo que ele faça a segunda parte desse texto;depois a terceira parte, a quarta parte, a quinta.....,etc..
Um abraço brasuca,