Cá em casa acabaram as cápsulas de café. Fui desencantar a antiga máquina de café italiana de ir ao lume e arrumei a máquina que me fazia gastar duas a três cápsulas de plástico por dia. As notícias de continentes e ilhas feitas de plástico, de aves, peixes e baleias com os estômagos repletos de plástico pesavam-me na consciência.
Também mudámos a alimentação cá em casa. Com as miúdas mais crescidas voltamos às refeições vegetarianas na maioria dos dias da semana. Tentámos alterar os hábitos nas compras, mas com muito pouco sucesso: tudo tem várias camadas de plástico a envolver outras camadas de plástico. Passámos a andar com sacos grandes no carro e sempre que podemos recusamos outros sacos nas lojas. Na praia adotámos a “nova regra” que esteve a circular na internet e apanhamos todos os papéis e plásticos que encontramos. Em casa começámos a comprar sacos do lixo biodegradáveis, vendem-se na internet e são caríssimos, mas sentimos que tinha mesmo de ser. As lâmpadas são LED há já vários anos.
Durante a semana não usamos carro; eu uso o metro e as Giras para me deslocar, vou levar as miúdas à escola a pé e a minha mulher vai de bicicleta para o emprego, demora 40 minutos para cada lado, mas prefere a bicicleta ao metro, mesmo quando chove e faz frio.
Temos feito um esforço grande para falar com as nossas filhas sobre os problemas do ambiente. É um dos temas que mais discutimos, mas elas sabem quase tudo porque na creche e no jardim de infância têm trabalhado as questões do planeta com muita frequência. Neste aniversário, em vez de prendas pedimos aos amigos para contribuírem com 5 euros para podermos ir dormir com os tubarões ao Oceanário. Ficámos todos contentes com a iniciativa, mas a boneca LOL ganhou o pódio das melhores prendas.
Falamos com elas sobre reduzir, reutilizar e reciclar, muito embora o “reduzir” e o “reutilizar” tenham ficado para trás e só ensinamos às crianças a reciclar, porque parece que não se pode ensinar que consumir demais é sempre mau para o ambiente.
Apesar de todas estas ações conscientes e necessárias não contribuímos um milímetro para a redução dos problemas ambientais, para a redução do plástico nos oceanos ou para o combate e mitigação das alterações climáticas. Mesmo se todos os nossos amigos fizessem exatamente o mesmo que nós não faríamos nenhuma diferença. Não somos ambientalistas simplórios.
Greta Thumberg explica bem o paradoxo que vivemos: “Quando tinha mais ou menos oito anos, ouvi falar pela primeira vez de uma coisa chamada alterações climáticas, ou aquecimento global. (…) Disseram-me para desligar as luzes para poupar energia e para reciclar papel de modo a poupar recursos”. Mas, “se queimar combustíveis fósseis era assim tão mau, ao ponto de ameaçar a nossa própria existência, como é que as pessoas conseguiam continuar a agir como antes? Porque não havia restrições? Porque não passava a ser ilegal fazê-lo?”.
“Temos de agir como se a nossa casa estivesse a arder. Porque está.” – afirma Greta Thumberg, que nada tem de ambientalista simplória e conhece os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – “Se as emissões têm de parar, então temos de travar essas emissões. Para mim é preto ou branco. Não há áreas cinzentas quando se trata da sobrevivência. Ou continuamos a ser uma civilização ou não continuamos. Temos de mudar.”
O sistema de produção capitalista começou a queimar combustíveis fósseis há 200 anos e temos neste momento a maior concentração de gases de efeito de estufa dos últimos 3 milhões de anos. Estamos a meio da sexta extinção em massa, duzentas espécies extinguem-se por dia e o ritmo desta extinção é pelo menos mil vezes superior às anteriores.
Nunca aconteceu nada assim e até agora quem tem sentido mais os efeitos das alterações climáticas são os países mais pobres, justiça climática é justiça social.
Cá em casa sabemos que os milhares de jovens que saíram às ruas nas greves climáticas dos últimos meses têm toda a razão: a questão não é alterarmos os nossos padrões de consumo individual ou votarmos com a carteira. A questão é mudar o sistema de produção capitalista, é manter o carvão e o petróleo debaixo da terra e fazer a transição energética, mesmo que os lucros das grandes empresas se reduzam, porque não há planeta B.
Ricardo Sant'Ana Moreira
Investigador em Trabalho e Segurança Social
in: Jornal Económico
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