Associação Artística e Teatro Camões |
Foi assim que Tomás António Cardoso, presidente da direção da Assembleia Brigantina, se dirigiu à Câmara, com a expectativa de alcançar “uma porção de terreno disponível que ainda não foi concedido existente entre a Igreja de Santa Clara e o que foi concedido à Associação Artística, afora o necessário para a abertura da rua que há de pôr em comunicação, pela retaguarda da nova praça-mercado, a estrada real que se dirige ao Sabor com o Campo de Santo António, para nele se mandar construir uma casa para nela se acomodar a referida Assembleia”.
Particularizando que a cedência do lote seria “voluntária ou por louvação”, o pedido apresentado foi submetido à apreciação da vereação na sessão de 31 de janeiro de 1889. Apesar de não ter contado qualquer voto de oposição, a prudência ressaltava de uma declaração em que se esclarecia que a concessão definitiva só podia ocorrer “depois de se saber por intermédio do comando da Guarda Fiscal se o Governo aceita ou não o oferecimento que esta Câmara lhe fez do mesmo terreno para a construção do quartel do segundo batalhão da mesma guarda”.
Havia, portanto, que aguardar pela resposta. Um mês depois, o Presidente da Câmara, José Joaquim Braga, lendo um ofício do comando geral da Guarda, anunciava a impossibilidade de se edificar o quartel, porque não existia orçamento disponível para tal finalidade e ainda porque a Guarda ponderava se o arrendamento de uma casa não seria mais vantajoso do que a construção de raiz de uma sede.
Avaliada a situação, o terreno foi concedido à Assembleia Brigantina com a condição de “dar começo à sua construção dentro do prazo de seis meses a contar da presente concessão e a continuá-la ininterruptamente na parte exterior do mesmo edifício até final”. Apesar do rigor da diretiva, algumas dilações se sucederam, razão pela qual, na sessão de 13 de maio de 1890, se leu um requerimento dando conta da vontade de se principiar a construção da casa para a Assembleia Brigantina no terreno marcado no ano anterior pelo vereador Sousa Pinto, e que seguia “a linha do muro ou gradeamento que a Assembleia tinha de fazer, voltada para a Rua Marquês de Pombal”, que prolongava a “parte reta do muro que veda o recinto da casa da Escola Industrial, tendo também como ponto de referência deste, a tribuna da capela-mor da Igreja de Santa Clara, ficando entre aquele muro e o que deverá [sic] o terreno da Assembleia a largura de 10 metros, para uma futura rua que dê acesso ao mercado”.
O Projeto desta construção saiu da mão do engenheiro José Beça, uma personalidade que também se notabilizou com os estudos efetuados no traçado do caminho-de-ferro entre Foz-Tua e Bragança e ainda no desenho de estações ferroviárias como a de Mirandela.
A inação da Assembleia vai permitir que se congregassem vontades para a instituição do Grémio Brigantino.
No último dia do ano de 1905, publicou-se na Gazeta de Bragança um aviso em que a comissão instaladora noticiava a aprovação dos estatutos pelas entidades competentes e ainda marcava o primeiro dia do novo ano para a abertura da agremiação na “excelente casa que fora construída para Assembleia Brigantina, no Largo Marquês de Pombal, e que foi adquirida pelo senhor Henrique da Cunha Pimentel, que fez nela importantes obras”.
Em meados do mês seguinte, a mesma folha relatava que a “nova agremiação de recreio que substitui a extinta Assembleia Brigantina” tinha procedido a eleições dos seus corpos gerentes. A natureza deste texto não permite fazer o historial das associações e das suas sedes sociais. No entanto, recordamos que em 5 de novembro de 1926 se propôs a expropriação por utilidade pública do “edifício onde em tempo esteve instalado o Grémio Brigantino que, pela sua situação e capacidade, poderá adaptar-se não só a moradia dos magistrados, mas até a instalação do tribunal e cartórios dos escrivães”.
Depois de várias vicissitudes, acomodaria as instalações do Paço Episcopal, cujo salão nobre, ainda recentemente, correspondia ao salão de baile onde, sazonalmente, a burguesia mais ilustrada de Bragança afluía na expectativa de diversão e de atualização dos códigos sociais que mais lhe convinham.
Data de novembro de 1886 o pedido que a Associação dos Artistas de Bragança – agremiação ainda existente e que a partir de 15 de janeiro de 1885 passou a designar-se como Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança – apresentou à Câmara para a cedência de um lote na cerca do Convento de Santa Clara, junto à estrada real n.º 37. Neste sítio, em fevereiro de 1888, já se divisavam algumas das linhas da nova sede, que cresceu sob o impulso dos capitais que alguns particulares emprestaram e do trabalho gratuito que alguns associados ofereceram desinteressadamente. Portanto, as festas do carnaval organizadas na nova casa, em 1889, foram uma consequência direta do empenho e do esforço de muitos.
A Associação dos Artistas de Bragança teve a sua génese em 14 de maio de 1865, na Casa do Despacho da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, onde tiveram lugar as primeiras reuniões. A partilha de espaço poderá dar força à hipótese, como considerou monsenhor José de Castro, dos primeiros fundadores terem sido irmãos da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, portanto obrigados à conjugação do bom comportamento moral, cívico e religioso, com outros atributos como a pertença aos setores laboriosos domiciliados em Bragança e a disponibilidade para a prestação de auxílio fraterno aos que vivessem em estado de necessidade. Grandes objetivos que aproximam as práticas consagradas pelos Terceiros e a filosofia que formatava a nova associação mutualista.
Antes de ocupar as novas instalações na cerca de Santa Clara, a Associação esteve instalada, desde o verão de 1870, numa casa ainda existente, quase fronteira à Capela da Senhora da Saúde, em S. Francisco. Mas a permanência na nova sede foi breve porque, em março de 1889, o conselheiro Emídio Navarro, então ministro das Obras Públicas, avaliou as possibilidades que a Cidade oferecia para suportar a criação de uma Escola Industrial. Com este desiderato, ofereceu oito contos de réis pelo edifício da Associação, uma proposta tão alta que não permitiu a recusa. Em breve, a novíssima sede da Associação estava ao serviço da Escola Industrial – e depois, da Escola Normal do Magistério e, mais tarde, do Patronato de Santo António.
Em 1890, a Associação pediu à Câmara a indispensável licença para poder dar bailes na casa do Teatro Brigantino, que lhe pertencia por compra à Santa Casa da Misericórdia.
Os factos vieram mostrar como esta dificuldade conjuntural foi breve. Na verdade, a direção da Associação Artística (Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança), olhando para este espaço, não demorou a perceber que era aí mesmo que se devia abraçar o projeto de uma nova sede capaz de representar condignamente as aspirações dos associados no campo recreativo. Uma perspetiva que iria reforçar a importância urbana do terreiro das Eiras do Arcebispo.
Conselheiro Emídio Navarro |
No conjunto de circunstâncias que se iam desenhando, destaca-se um requerimento que uma comissão da Associação Artística apresentou à Câmara, não só pelos pontos que a Associação pretendia fazer valer, mas ainda pela informação então disponibilizada, nomeadamente a respeitante às consequências da horrenda tragédia ocorrida na noite de 20 de março de 1888 no Teatro Baquet. Importava, por isso, que as lições do desastre ocorrido no teatro da cidade do Porto se aplicassem aos outros teatros do País, em função das vistorias realizadas. À luz das novas exigências, a fiscalização concluiu que a casa do teatro de Bragança não tinha as condições necessárias para, na hipótese de surgir uma situação inesperada e grave, responder em conformidade e de modo a que a integridade dos espectadores fosse salvaguardada. Confirmando o seu encerramento, os autores do requerimento também davam nota de outro tipo de entraves à sua reabertura, escrevendo: “a inutilidade a que, depois duma vistoria oficial, foi votado o Teatro Brigantino após a grande catástrofe do Teatro Baquet, não cessará num período limitado de anos, se se esperar que a ação municipal possa dispor de meios para pô-lo em condições de ser reaberto aos espetáculos públicos”.
Havia, então, que contrariar esta situação que privava a Cidade de um edifício onde a criatividade e arte pudessem ter lugar. Ligando-se o pensamento à ação, deram-se passos para a reabertura do edifício que alojava o Teatro Brigantino, a qual implicava a sua modernização. Nesta fase, um dos primeiros lances relacionou-se com a concessão do aforamento da casa do Teatro à Associação Artística, mediante o pagamento anual de 15 000 réis. Na proposta de aforamento que se submeteu à apreciação da vereação, podiam ler-se as seguintes cláusulas, uma das quais respeitava a uma outra casa para se instalar a sede social: a Associação obriga-se a fazer no Teatro as modificações que forem necessárias para poderem ser dados espetáculos, modificações que devem obedecer a um plano a submeter à aprovação da Câmara; a Associação obriga-se a alugar o Teatro a qualquer companhia artística que pretenda dar espetáculos, mediante uma quantia estipulada pela Associação, por cada noite; para isso se obriga também a conservar o teatro operacional, fazendo as reparações necessárias em qualquer tempo; pela sua parte, a Câmara deveria obrigar-se a obter do Governo o decreto de expropriação por utilidade pública da casa que confinava pelo norte com o edifício do Teatro, necessária para realizar as modificações a efetuar neste, ficando todavia a cargo da Associação o pagamento da importância das despesas de expropriação; a Câmara facultaria à Associação as obras a efetuar nas casas contíguas ao Teatro, assim como as transformações apropriadas à instalação da mesma Associação, que deverá submeter para tal o projeto à Câmara.
Perante tal clareza de intenções, devia a Câmara pronunciar-se, depois de ponderar a matéria que lhe foi submetida para a reconstrução do Teatro por parte da Associação Artística. José Joaquim de Morais Serdeiro foi o empreiteiro que, nesta fase, se encarregou da obra, devendo observar-se as condições gerais e específicas que uma comissão ad hoc, formada por João Baptista Olímpio Ramires, José Inácio Afonso e Francisco Avelino Ferreira, tinha sistematizado com intuito de reestruturarem o edifício e de darem maior ênfase ao espaço da plateia e do placo, às escapatórias, às possibilidades de circulação e até às questões de higiene, pontos reputados como essenciais para a segurança do público. Nestes termos, em 1889, definiram-se as orientações para a reestruturação das instalações.
Evidentemente que a bondade de uma intervenção tão profunda não suscitou divergência de opiniões, pelo que Câmara deliberou aprovar as condições na sessão realizada em 4 de junho de 1890.
Em agosto de 1890, António Augusto Rodrigues Pinela, presidente do conselho administrativo da Associação, entregava na Câmara um requerimento pedindo a expropriação por utilidade pública de “uma casa situada entre o edifício do Teatro Brigantino e a viela que vem da Rua dos Gatos para a Praça Camões, pertencente à viúva de Castro Pereira ou herdeiros, a fim de se proceder ao alargamento da referida viela”, com base nos termos exarados no contrato de aforamento do edifício do Teatro. Uma intervenção urbanística em que participava a Associação, que não somente entrava com 300 000 réis, como ainda se disponibilizava para se associar, custeando os gastos, às intervenções sobre o espaço público, designadamente no alargamento da Viela das Eiras correspondente à Travessa do Relógio, na Praça Camões.
Em marcha desde 1890, as obras da Associação originaram alguns problemas que implicavam diretamente o empreiteiro José de Morais Cerdeiro e a forma como se desfazia dos entulhos. Na sessão de 4 de junho de 1890, “foi mais presente um requerimento do conselheiro Albino Garcia de Lima, residente no Porto, e de António Carlos Pereira de Sá, de Bragança, datado de 25 de maio de 1890, e que é do teor seguinte = Que José Joaquim de Morais Cerdeiro, desta mesma Cidade, empreiteiro da obra da casa da Associação Artística, em contravenção dos regulamentos administrativos, em detrimento do público e dos suplicantes, tem arrojado grande porção de entulho para o Rio Fervença no sítio denominado a Pala. Neste sítio do rio é a presa que deriva água para um moinho pertencente aos suplicantes, e no sítio dos Batoques os entulhos ali acumulados não só causam grave prejuízo no aludido moinho dos suplicantes, mas afetam a saúde pública, por produzirem naquele sítio do rio a estagnação de águas e tornam mais pantanoso aquele sítio já pouco salubre. O suplicado fez para ali despejos dos entulhos contra a ordem que v. exas. lhe deram e por isso os suplicantes vêm requerer que v. exas. se dignem ordenar a pronta remoção dos entulhos daquele local ... A Câmara acordou por despacho deferir ao pedido, mandando-se intimar ao suplicado para que no prazo de dez dias, a contar de hoje, fazer aquela remoção para sítio que não prejudique de forma alguma a ninguém”.
No ano seguinte, a empreitada ainda estava viva, razão pela qual, pouco antes de novembro de 1891, a Câmara, por ver que a “casa e teatro da Associação dos Artistas estava em construção e o chão estava obstruído há muito com materiais de construção e entulho resultante das demolições ali efetuadas”, tentou corrigir os impedimentos que tais práticas causavam à fluidez do trânsito. O Teatro veio a abrir a suas portas para dar continuidade a uma tradição muito arreigada na Cidade, como se demonstra pelas numerosas representações levadas à cena por grupos locais e por companhias que percorriam o País.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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