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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O meu pai, eu e a minha criação

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Sr. Luís Bombadas: O meu pai já em idade avançada e em dia de matança do porco em casa do meu irmão mais velho. A seu lado está a minha filha mais velha, Bela. Foto captada pelo nosso querido amigo João fotógrafo da Foto 101.

Desde que comecei a ter entendimento do que me rodeava que considerei normal a azáfama constante da vida em minha casa, na minha rua e na minha cidade. Azáfama que tocava a todos, pois que sem trabalho não havia pão.
Claro que era outro tempo e a sociedade não tinha ainda sido mecanizada e estavam longe no tempo as facilidades que hoje possuímos a nível de rede viária, veículos seguros, telemóveis e computadores.
Mas regressemos ao tempo em que se punham remendos nas calças e os sapatos eram refeitos inúmeras vezes, assim como o restante vestuário que também era remendado, cerzido, adaptado e usado um tempo demasiado longo se comparado com o tempo de uso médio nos dias de hoje. Como tarefa cimeira que possivelmente ainda hoje o será, estava a obrigação de ter comida na mesa com abundância, para alimentar uma catrefa de filhos e acudir nas outras despesas inerentes à manutenção de uma casa de família. Chegado a este ponto surge como algo acima do meu entendimento a figura do meu pai. Alto para a média desse tempo, musculoso e de rosto regular, com bigode bem talhado e cabelo de risco à direita, penso não mentir ao dizer que era um homem bem parecido e de trato afável. Era também um homem trabalhador no absoluto sentido do adjectivo. Sabia fazer de "tudo" o que dizia respeito à sua arte e sabia cultivar uma horta como se fosse um lavrador de raiz. E fê-lo como eu descrevo até ao fim dos seus dias. Era um homem sereno mas severo para com os filhos, exigindo deles um comportamento social que fosse compatível com o seu quadro moral que se esforçava para nos transmitir. 
Revejo-o hoje a anos de distância, levantando-se do leito às 06:00 da manhã sair para o quintal e lavar-se numa bacia própria que ele colocou para tal fim e que usava todas as manhãs e ao fim do dia quando regressava para jantar, hora sagrada que ele fazia questão de respeitar. Antes da refeição, nova lavagem desta vez mais rápida pois já não constava o fazer a barba que o fazia demorar, mas que ele escrupulosamente repetia todas as manhãs. A água era sempre fria tirada de um cântaro que a minha mãe, sempre alerta, mantinha cheio ao lado da bacia e do espelho para fazer a barba e se pentear.
Saía de casa sempre em jejum e durante muitos anos era um de nós que pelas 10:00 lhe levávamos o café à obra. Era uma cafeteira de 0,5 litro com tampa que a minha mãe preparava com café, algum leite e pedaços de pão de trigo. 
Recordo hoje com clareza e com o mesmo respeito, a forma como ele se retirava do bulício da obra, procurava um sítio para se sentar e serenamente ingeria o que eu diria ser um bálsamo para sarar as feridas do guerreiro. Entregava-me a cafeteira e o seu rosto voltava a ser um rosto quase esculpido, como o são os rostos de bronze de algumas estátuas que enfeitam as praças e jardins das vilas e cidades.
Era um tempo de vivência dura e o que descrevo lembrando o meu pai, poderão os outros dizerem dos seus, pois a maioria dos homens daquele tempo trabalhavam todos e todos tinham profundamente gravado no espírito a diligência e prontidão e não deixavam deslustrar o seu brio de cidadãos e operários.
Com ele aprendi a olhar a vida como uma missão da qual fomos investidos e que obrigava os homens a ganharem com o suor do rosto o pão para os filhos, para si e para os seus. 
Será uma linguagem metafórica a que uso, mas tudo na vida deve ter dignidade e até as palavras que usamos serão mais proveitosas se lha conferirmos na justa medida.
A geração que precedeu a minha foi a geração mais abnegada em termos de equilíbrio entre as várias componentes do homem social português. Esbateram -se as diferenças sociais, melhorou-se o Ensino e progrediu-se imenso nas condições sanitárias e no respeitante à ciência houve progressos que a minha geração já usufruiu em plenitude.
E foi com homens como o meu pai e havia-os com fartura, que na sua rigidez de carácter e força física foram capazes de criar uma outra geração que se alimentou do seu pão e progrediu com a sua dedicação. Do meu pai guardo uma recordação que desejaria que as minhas filhas guardassem de mim quando chegar o tempo e dos homens e mulheres que foram seus condiscípulos, colhi esta minha maneira de olhar a vida.
E hoje resolvi escrever esta pequena prova de admiração e respeito pelos que fizeram de mim um homem feliz e orgulhoso de lhes pertencer.



Bragança 18/12/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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