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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

As sopas de cavalo cansado…

Por: Maria dos Reis Gomes
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

Tive a sorte de passar algumas férias de verão na aldeia dos meus avós. Estávamos em plenos anos cinquenta.
Os dias  voavam de tão ocupada que eu andava quer com  o transporte de púcaros com água desde a fonte à casa dos avós – havia sempre um cântaro maior para   encher - a modelação de pequenas peças de barro com o “lodo” que se acumulava junto à fonte, a rega – por vezes falhada – das leiras da  pequena cortinha nos momentos que a água era distribuída, a observação atenta do carreiro das formigas, a boneca que se fazia de trapos e enchia com farelo, o ovo que se estrelava com casca e tudo… e a conversa  com uma pequena pereira que o vento modelou com um tronco inclinado, onde eu me sentava e para quem falava  já que não tinha outros ouvintes.
 As crianças com idade próxima da minha estavam ocupadas com as tarefas domésticas e os mais velhos estavam demasiado envolvidos com a azáfama que a estação do ano exigia.  Assim se sucediam os longos dias de estio.
Era o tempo das ceifas. O dia começava cedo para os ceifeiros. Depois de “matarem o bicho” com um pequeno almoço bem abundante que os donos da casa aprimoravam, partiam os ceifeiros e as ceifeiras para os campos de centeio situados em lugares inóspitos com trilhos de difícil acesso mas que a força braçal tinha transformado em lugares de cultivo de centeio, o cereal que à época se semeava nos terrenos pobres  de “ baldio” e ajudava a aumentar  o magro pecúlio de quem ali vivia.
É neste cenário que surgem “as sopas de cavalo cansado” que terminavam o almoço dos ceifeiros composto por petiscos caseiros de primeira escolha e guardados para estas ocasiões.  Nesta zona os ceifeiros eram amigos e conhecidos, não ganhavam a jeira, faziam um trabalho de interajuda - hoje por mim, amanhã por ti –. 
Houve um dia em que as sopas não chegaram ao seu destino. Com os meus seis anos e muito entusiasmada   acompanhava a minha tia no transporte do almoço.  Numa lancheira levava as benditas “sopas”. O caminho, bem afastado da aldeia era agreste e sinuoso. Aquilino Ribeiro chamou a sítios como este - “Terras do Demo”.
Sem conhecer o terreno e cheia de calor tropecei e caí, eu e as sopas… Nesse dia o descanso  “pós almoço”  dos ceifeiros terá sido menos risonho. O néctar dos deuses tinha sido “bebido” pela terra seca.
O episódio foi recontado vezes sem conta com a graça que lhe quiseram atribuir mas na minha memória ficou a conversa dos “ Baldios” e quando na escola primária se falou na “Lei das Sesmarias” no reinado de D. Fernando, estabeleci o paralelismo.
Com outros olhos voltei ao tema. Uma lei de 1375 e outra de 1929. Ambas  se destinavam a repovoar e  apostar na agricultura depois de crises de fome, de peste ou guerra.
Muito se escreveu acerca do assunto fazendo análises políticas e teses de mestrado sobretudo no que concerne à última lei. 
Para mim ficou tão só o essencial de uma vida rural difícil mas  genuína e o fruir da força telúrica que estas terras emanam.

Fevereiro – 2022
Maria dos Reis

Maria dos Reis Gomes
, nascida e criada em Bragança.
Estudou na Escola do Magistério Primário em Bragança, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira em Lisboa e na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação no Porto, onde reside.
Sempre focada no ensino e na aprendizagem de crianças com NEE (Necessidades Educativas Específicas) leccionou no CEE (Centro de Educação Especial em Bragança). Já no Porto integrou o Departamento de Educação Especial da DREN trabalhando numa perspetiva de “ escola para todos, com todos na escola). Deu aulas na ESE Jean Piaget e ESE Paula Frassinetti no Porto.
A escola, a educação e a qualidade destas realidades, são os mundos que me fazem gravitar. Acredito que, tal como afirmou Epicteto “ Só a educação liberta”. Os meus escritos procuram reflectir esta ideia filosófica.

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