Apenas duas Amigas aceitaram o repto de comentar a fisionomia de Artur Botelho — e não são particularmente loquazes. Uma, Ana Isabel Soares, escreve uma única palavra: ‘monocelha’. Outra, uma velha Amiga dos tempos de Macedo de Cavaleiros, Maria José Valente Ferreira, estende-se um pouco mais: ‘Farta bigodaça e pêra contida. Tem melhor figura que o Guerra.’
Confesso que esperava mais comentários. E, para suprir a escassez, aí vai a opinião que já deixei expressa algures: “[o rosto] mostra, no arqueado das sobrancelhas e na fixidez algo ausente do olhar, um homem propenso a cismar, mas talvez não dado a versejar. Tem um fácies de homem do campo, cujo pescoço tenha sido entalado à força num papillon. As sobrancelhas formam um continuum e lembram, pelo referido arqueado, as asas abertas de uma ave negra. A cabeleira é farta e crespa, dividida simetricamente por uma risca ao meio. O bigode é farfalhudo, com guias retorcidas à maneira da época, e completado por pêra que mal disfarça um ligeiro prognatismo. Há um não sei quê de doentio naquele rosto [...].”
Mas basta de fisionomia. Continuemos a falar do nosso homem (salvo seja).
Pelo testemunho de um grande amigo e companheiro, também jornalista no Porto, chamado Fernandes da Siva, ficamos a saber, com alguma surpresa, que Artur Botelho, além de uma “robusta personalidade”, era senhor de uma compleição atlética, que fazia valer quando se tornava necessário. Diz Fernandes da Silva: “Nunca provocou ninguém, nunca troçou de ninguém. Mas a sua fama de valente tentou muitas vezes a bazófia dos célebres da desordem e da zaragata, que não resistiam a desafiá-lo. Não vacilava. Sempre os afrontou de cara, sem demora, e por tal maneira se havia, que jamais a sua hercúlea musculatura saiu diminuída dessas lutas.”
Quem diria, olhando para aquele semblante mortiço de homem pacato?
Acontece muitas vezes que os homens mais fortes fisicamente são pacíficos por natureza, embora temíveis quando provocados. É o amigo Fernandes da Silva que nos dá a saber que Artur Botelho, sendo “forte como o aço, justiceiro como poucos, era dotado de um coração cuja sensibilidade surpreendia. A cada passo o via com as lágrimas nos olhos, tocado de ternura pelas coisas mais simples.”
Desconheço se levou uma existência afortunada, mas os seus últimos anos não foram felizes. Tinha duas filhas que adorava, mas viviam, suponho, na aldeia. Ao ser transferido em serviço para Lisboa, fica ainda mais longe delas, o que lhe traz mais sofrimento. Aquele que só ansiava (vale ainda o testemunho de Fernandes da Silva) por “saborear a vida, livre, enfim, das obrigações burocráticas, despreocupadamente, numa velhice feliz, na paz deliciosa da sua cantada aldeia, embalado pelos carinhos e pela jovialidade daquelas que eram toda a sua vida”, adoece, mas fiado na sua robustez, recusa tratamentos e morre aos 67 anos. E é ainda Fernandes da Silva que informa: “Teve no entanto a sorte de cair de pé, inteiriço como sempre viveu, forte na sua vontade de triunfar e cheio de fé nesse triunfo”.
Até aqui, pouco se falou de Artur Botelho escritor, que é afinal a faceta que mais interessa. Mas prometo que falaremos a partir da próxima crónica, se os meus Amig@s quiserem como eu quero. Valeu?
Confesso que esperava mais comentários. E, para suprir a escassez, aí vai a opinião que já deixei expressa algures: “[o rosto] mostra, no arqueado das sobrancelhas e na fixidez algo ausente do olhar, um homem propenso a cismar, mas talvez não dado a versejar. Tem um fácies de homem do campo, cujo pescoço tenha sido entalado à força num papillon. As sobrancelhas formam um continuum e lembram, pelo referido arqueado, as asas abertas de uma ave negra. A cabeleira é farta e crespa, dividida simetricamente por uma risca ao meio. O bigode é farfalhudo, com guias retorcidas à maneira da época, e completado por pêra que mal disfarça um ligeiro prognatismo. Há um não sei quê de doentio naquele rosto [...].”
Mas basta de fisionomia. Continuemos a falar do nosso homem (salvo seja).
Pelo testemunho de um grande amigo e companheiro, também jornalista no Porto, chamado Fernandes da Siva, ficamos a saber, com alguma surpresa, que Artur Botelho, além de uma “robusta personalidade”, era senhor de uma compleição atlética, que fazia valer quando se tornava necessário. Diz Fernandes da Silva: “Nunca provocou ninguém, nunca troçou de ninguém. Mas a sua fama de valente tentou muitas vezes a bazófia dos célebres da desordem e da zaragata, que não resistiam a desafiá-lo. Não vacilava. Sempre os afrontou de cara, sem demora, e por tal maneira se havia, que jamais a sua hercúlea musculatura saiu diminuída dessas lutas.”
Quem diria, olhando para aquele semblante mortiço de homem pacato?
Acontece muitas vezes que os homens mais fortes fisicamente são pacíficos por natureza, embora temíveis quando provocados. É o amigo Fernandes da Silva que nos dá a saber que Artur Botelho, sendo “forte como o aço, justiceiro como poucos, era dotado de um coração cuja sensibilidade surpreendia. A cada passo o via com as lágrimas nos olhos, tocado de ternura pelas coisas mais simples.”
Desconheço se levou uma existência afortunada, mas os seus últimos anos não foram felizes. Tinha duas filhas que adorava, mas viviam, suponho, na aldeia. Ao ser transferido em serviço para Lisboa, fica ainda mais longe delas, o que lhe traz mais sofrimento. Aquele que só ansiava (vale ainda o testemunho de Fernandes da Silva) por “saborear a vida, livre, enfim, das obrigações burocráticas, despreocupadamente, numa velhice feliz, na paz deliciosa da sua cantada aldeia, embalado pelos carinhos e pela jovialidade daquelas que eram toda a sua vida”, adoece, mas fiado na sua robustez, recusa tratamentos e morre aos 67 anos. E é ainda Fernandes da Silva que informa: “Teve no entanto a sorte de cair de pé, inteiriço como sempre viveu, forte na sua vontade de triunfar e cheio de fé nesse triunfo”.
Até aqui, pouco se falou de Artur Botelho escritor, que é afinal a faceta que mais interessa. Mas prometo que falaremos a partir da próxima crónica, se os meus Amig@s quiserem como eu quero. Valeu?
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