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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Viagens — 16 - A bruxa castigada

 E, como não há duas sem três, seguiu-se outra conta. Um dos idosos pediu a palavra para contar esta terceira história de bruxas.
 Diz quem viu — e não tem sido uma nem duas as criaturas que viram, e até tem sucedido que quem vê fica tolheitinho ou esampado para o resto dos seus dias — que as bruxas de cada concelho se ajuntam, todas as terças e sextas à noite, onde é que haja areia, ou então nas encruzilhadas dos caminhos, em grandes saricotés e descantes. E às duas por três aparece também o Diabo para a folia.
 As que são casadas, diz que deixam os homens a dormir e ala, lá vão elas, mais ligeiras que o vento, montadas nas vassouras de varrer o forno. até se conta que havia uma que, quando apanhava o homem a dormir, o benzia com a saia e arresponsava: 
− Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
 Montava na vassoura e alquinava.
 Uma noite, o criado, que dormia na loje, por baixo do quarto, deu tento do caso. Ficou munto admirado, porque nem lhe passava pela cabeça que a ama fosse bruxa. Andou ali uns dias como o tolo no meio da ponte, conto, não conto, com medo que ela, sabendo que ele contara ao marido, lhe deitasse o olhar repassado que o deixasse tolheito para a vida toda. Mas se não  contava, arrebentava, de maneiras que um dia encheu-se de coragem e contou.
 − Ai ele é isso? − diz o amo, que também não sabia de nada. − Então espera-lhe pela pancada.
 Nessa mesma noite, calhou ser sexta-feira. O homem, muito disfarçado, depois da ceia, disse à mulher que estava muito moído do trabalho e já ia à deita. Foi o que ela quis ouvir.
 − Vai, vai,  homem −  disse ela, toda contente,− e que o Nosso Senhor te deixe dormir um soninho descansado, que bem o mereces, enquanto a pobre de mim cá fica a lidar mais um cibinho.
 O homem foi-se à cama, mas ficou à coca. A páginas tantas, quando a ela lá lhe pareceu que eram horas, veio com as partes do costume: 
 − Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
 O homem rapa então da enxada, que tinha levado para debaixo da cama, e diz: 
 − E eu te benzo, minha desavergonhada, com o cabo desta enxada!
 E manteou-lhe ali o lombo bem manteado, que não  lhe ficou a boca doce para mais avarias daquelas. Só se perderam as que caíram no chão!
As contas são geralmente risonhas, embora a risa seja sempre às custas de alguém. O povo transmontano, que é um coração de água, gosta, contudo, de desfechos cruéis, e exige a punição dos que se desviam do caminho recto. Enquanto ouvia a conta da mulher que deixava o marido a dormir e alquinava, eu ia antecipando que a bruxa acabaria por ser derrotada. E assim acontece, de facto. O que significa que, no confronto com a gente normal, as bruxas nem sempre saem vitoriosas, podem perder e ser castigadas. E toma-me a convicção de que esta conta é afinal uma forma de esconjurar o temor das bruxas, uma espécie de antídoto contra o veneno dos seus malefícios.

(Continua. Preparem-se para a chegada em força do Diabo...)

A. M. Pires Cabral

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