E, como não há duas sem três, seguiu-se outra conta. Um dos idosos pediu a palavra para contar esta terceira história de bruxas.
Diz quem viu — e não tem sido uma nem duas as criaturas que viram, e até tem sucedido que quem vê fica tolheitinho ou esampado para o resto dos seus dias — que as bruxas de cada concelho se ajuntam, todas as terças e sextas à noite, onde é que haja areia, ou então nas encruzilhadas dos caminhos, em grandes saricotés e descantes. E às duas por três aparece também o Diabo para a folia.
As que são casadas, diz que deixam os homens a dormir e ala, lá vão elas, mais ligeiras que o vento, montadas nas vassouras de varrer o forno. até se conta que havia uma que, quando apanhava o homem a dormir, o benzia com a saia e arresponsava:
− Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
Montava na vassoura e alquinava.
Uma noite, o criado, que dormia na loje, por baixo do quarto, deu tento do caso. Ficou munto admirado, porque nem lhe passava pela cabeça que a ama fosse bruxa. Andou ali uns dias como o tolo no meio da ponte, conto, não conto, com medo que ela, sabendo que ele contara ao marido, lhe deitasse o olhar repassado que o deixasse tolheito para a vida toda. Mas se não contava, arrebentava, de maneiras que um dia encheu-se de coragem e contou.
− Ai ele é isso? − diz o amo, que também não sabia de nada. − Então espera-lhe pela pancada.
Nessa mesma noite, calhou ser sexta-feira. O homem, muito disfarçado, depois da ceia, disse à mulher que estava muito moído do trabalho e já ia à deita. Foi o que ela quis ouvir.
− Vai, vai, homem − disse ela, toda contente,− e que o Nosso Senhor te deixe dormir um soninho descansado, que bem o mereces, enquanto a pobre de mim cá fica a lidar mais um cibinho.
O homem foi-se à cama, mas ficou à coca. A páginas tantas, quando a ela lá lhe pareceu que eram horas, veio com as partes do costume:
− Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
O homem rapa então da enxada, que tinha levado para debaixo da cama, e diz:
− E eu te benzo, minha desavergonhada, com o cabo desta enxada!
E manteou-lhe ali o lombo bem manteado, que não lhe ficou a boca doce para mais avarias daquelas. Só se perderam as que caíram no chão!
As contas são geralmente risonhas, embora a risa seja sempre às custas de alguém. O povo transmontano, que é um coração de água, gosta, contudo, de desfechos cruéis, e exige a punição dos que se desviam do caminho recto. Enquanto ouvia a conta da mulher que deixava o marido a dormir e alquinava, eu ia antecipando que a bruxa acabaria por ser derrotada. E assim acontece, de facto. O que significa que, no confronto com a gente normal, as bruxas nem sempre saem vitoriosas, podem perder e ser castigadas. E toma-me a convicção de que esta conta é afinal uma forma de esconjurar o temor das bruxas, uma espécie de antídoto contra o veneno dos seus malefícios.
Diz quem viu — e não tem sido uma nem duas as criaturas que viram, e até tem sucedido que quem vê fica tolheitinho ou esampado para o resto dos seus dias — que as bruxas de cada concelho se ajuntam, todas as terças e sextas à noite, onde é que haja areia, ou então nas encruzilhadas dos caminhos, em grandes saricotés e descantes. E às duas por três aparece também o Diabo para a folia.
As que são casadas, diz que deixam os homens a dormir e ala, lá vão elas, mais ligeiras que o vento, montadas nas vassouras de varrer o forno. até se conta que havia uma que, quando apanhava o homem a dormir, o benzia com a saia e arresponsava:
− Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
Montava na vassoura e alquinava.
Uma noite, o criado, que dormia na loje, por baixo do quarto, deu tento do caso. Ficou munto admirado, porque nem lhe passava pela cabeça que a ama fosse bruxa. Andou ali uns dias como o tolo no meio da ponte, conto, não conto, com medo que ela, sabendo que ele contara ao marido, lhe deitasse o olhar repassado que o deixasse tolheito para a vida toda. Mas se não contava, arrebentava, de maneiras que um dia encheu-se de coragem e contou.
− Ai ele é isso? − diz o amo, que também não sabia de nada. − Então espera-lhe pela pancada.
Nessa mesma noite, calhou ser sexta-feira. O homem, muito disfarçado, depois da ceia, disse à mulher que estava muito moído do trabalho e já ia à deita. Foi o que ela quis ouvir.
− Vai, vai, homem − disse ela, toda contente,− e que o Nosso Senhor te deixe dormir um soninho descansado, que bem o mereces, enquanto a pobre de mim cá fica a lidar mais um cibinho.
O homem foi-se à cama, mas ficou à coca. A páginas tantas, quando a ela lá lhe pareceu que eram horas, veio com as partes do costume:
− Eu te benzo com a fralda do meu cu, para que, enquanto vou e venho, não acordes tu.
O homem rapa então da enxada, que tinha levado para debaixo da cama, e diz:
− E eu te benzo, minha desavergonhada, com o cabo desta enxada!
E manteou-lhe ali o lombo bem manteado, que não lhe ficou a boca doce para mais avarias daquelas. Só se perderam as que caíram no chão!
As contas são geralmente risonhas, embora a risa seja sempre às custas de alguém. O povo transmontano, que é um coração de água, gosta, contudo, de desfechos cruéis, e exige a punição dos que se desviam do caminho recto. Enquanto ouvia a conta da mulher que deixava o marido a dormir e alquinava, eu ia antecipando que a bruxa acabaria por ser derrotada. E assim acontece, de facto. O que significa que, no confronto com a gente normal, as bruxas nem sempre saem vitoriosas, podem perder e ser castigadas. E toma-me a convicção de que esta conta é afinal uma forma de esconjurar o temor das bruxas, uma espécie de antídoto contra o veneno dos seus malefícios.
(Continua. Preparem-se para a chegada em força do Diabo...)
Sem comentários:
Enviar um comentário