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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 21 de setembro de 2025

A Matança de Outeiro - Capítulo I – Névoa sobre Outeiro

 Outeiro despertava lentamente sob uma névoa espessa que abraçava cada casa, cada rua de pedra, cada encosta do vale. O orvalho transformava as telhas em pequenas lâminas prateadas, e o cheiro da terra molhada misturava-se ao aroma do pão fresco das fornadas matinais. Cada pedra da aldeia parecia carregar memórias antigas, histórias de vidas, batalhas e sacrifícios que se entrelaçavam com o vento frio do outono.

Tomé, jovem aprendiz de ferreiro, caminhava pelas ruas silenciosas, sentindo o frio cortar-lhe a pele através da roupa grossa. As suas botas faziam barulho ao pisar o chão, misturando-se ao som distante de galos e do riacho que serpenteava pela aldeia. Ao passar pelo velho canhão sobre o cavalete de granito, o seu coração acelerou. A peça de ferro e pedra não era apenas um objecto, era um símbolo. Um símbolo da coragem de um povo que, séculos antes, tinha enfrentado invasores que acreditavam que Outeiro poderia ser facilmente conquistada.

Na oficina, o ferro cantava sob o martelo, mas Tomé mal conseguia concentrar-se. O velho Tiago, sentado à lareira, parecia ver através do tempo. Os seus olhos, profundos e cansados, refletiam a chama que tremeluzia na parede.

Olha bem Tomé, disse Tiago, a voz rouca pelo tempo e pelo fumo da lenha. É aqui, neste sítio a que chamamos Matança, que os homens da aldeia enfrentaram os Castelhanos. Não foi apenas uma batalha. Foi um teste de coragem e de honra. Cada pedra, cada palmo de terra, está marcada pelo sangue deles.

Tomé engoliu em seco. Mas, Tiago… como conseguiram lutar contra tantos? perguntou, quase sem voz.

O velho sorriu, mas havia tristeza nos olhos. Com medo e coragem, ao mesmo tempo. Um homem não precisa de nunca ter medo, basta saber que há algo maior pelo qual lutar. O que eles defendiam era mais do que terra… era a sua gente, a sua história, o seu futuro.

Do outro lado da praça, Maria, jovem curandeira, preparava ervas e poções. Os seus dedos ágeis separavam folhas e raízes, mas o seu olhar percorria constantemente as colinas em redor. Ela conhecia cada som do vento, cada sombra que passava pelos campos. Havia algo no ar que a deixava inquieta. Ela sentia que a aldeia precisava de mais do que apenas ferramentas e armas, precisava de coragem e de união.

João, o caçador, subia pelas encostas, observando o horizonte. Os seus olhos penetravam a névoa, atentos a qualquer movimento suspeito. Ele conhecia cada caminho, cada árvore, cada pedra do vale, e sabia que, se a aldeia fosse atacada, a diferença entre a vida e a morte poderia depender da sua vigilância.

Enquanto o dia avançava, as crianças corriam pelas ruas, alheias às memórias que cercavam a aldeia. Riam, gritavam e brincavam, sem perceber que pisavam sobre o mesmo solo onde antes homens tinham perdido as suas vidas. Os mais velhos, porém, sussurravam entre si, lembrando-se dos relatos antigos de Tiago, das histórias que chegavam de geração em geração, das lendas de coragem e sacrifício.

Tomé sentiu algo estranho no peito. Não era apenas curiosidade ou medo, era uma espécie de destino. Como se, de alguma forma, aquele canhão, aquela colina e aquela aldeia o tivessem escolhido para algo maior. Ele nunca tinha empunhado uma espada, mas algo dentro dele dizia que a sua vida, e a de todos ao seu redor, um dia dependeria da sua coragem.

O sol começou a despontar sobre o vale, cortando a névoa com feixes dourados. Outeiro despertava, mas não apenas da noite, despertava da memória, da história que carregava. E, naquele silêncio cheio de expectativa, Tomé, Maria, João e todos os aldeões sentiram que algo se aproximava. Algo que testaria cada pedra, cada ferro, cada coração da aldeia.

E assim, o sítio da Matança continuava a respirar histórias antigas, aguardando o momento em que a coragem do presente encontraria a memória do passado.

Continua...

N.B.: Este conto tem como base a "Lenda" de Outeiro "A Matança". A narrativa e os personagens fazem parte do mundo da ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas reais, não passa de mera coincidência.

HM

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