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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

IMAGINAR UMA CONSOADA SEM BATATAS (OU SEM «BALULAS» OU «CASTANHOLAS» , COMO LHES OUVI CHAMAR)


 A cerca de três meses do Natal, lembrei-me da incrível história da batata pelas nossas terras. Em simultâneo me lembrando dos meus bisavós, os quais não conheci, nascidos que foram no século XIX. Tal como os bisavós, e até avós, de muitos. Confesso que custa a conceber que esses nossos ancestrais não comessem batatas! Impensável ideia para actual realidade…

A verdade, porém, é que a tão nossa batata, hoje classificada como «Batata de Trás-os-Montes IGP», a tal que ouvi designar como «balula», mas também como «castanhola», muito tardiamente entrou na ementa dos nossos antepassados. Antepassados esses que não diriam, tal como a “a Ti Maria Imberna, a nha abó”: «Ó mou filhu’e, bai aí ó pote, e abonda di uas catchas de batata”. Nas inesquecíveis Consoadas, onde, a acompanhar o bacalhau ou o polvo, também eram presença obrigatória a “coube-trontcha e ós rábinus’e”. Estes últimos, os rábanos, igualmente conhecidos como “rabas”, tal como à couve-penca também já ouvi designar como “coube-trontchuda”. 

Mas regressemos à batata, inseparável tubérculo da nossa gastronomia. Há pouco mais de 140 anos, o célebre estudioso Leite de Vasconcellos, influenciado pelo seu amigo, o «nosso» Trindade Coelho, vinha ao Nordeste, onde estanciou por terras Macedenses e Mirandesas, com o intuito de perceber a «língua estranha» que por cá se falava. Legou-nos ímpares registos, nomeadamente um, em particular, relacionado com o consumo de batatas. E deixaria escrito que, nesse final do século XIX, a batata já era por aqui cultivada, porém se destinando à alimentação dos porcos! Acrescentando que, pedindo batatas para acompanhar a sua refeição, os convivas se riram disso. O que, de facto, surpreendente sendo, conduziu a que, desde há uns largos anos, também venha tentando perceber qual seria o regime alimentar dos nossos antepassados. Tendo-me perguntado: «Se as batatas eram para os porcos, o que comeriam os meus antepassados?»

Acumulando que fui alguns conhecimentos acerca da alimentação dos que nos antecederam, senti que seria de bom tom partilhá-los, para lá do que já consta nos livros sobre as minhas freguesias, ou em artigos em revistas, ou, até, nas partilhas que vou fazendo pelas minhas páginas. Será a minha singela forma, Escuteiro tendo sido, de honrar a mensagem do seu fundador: «Procurai deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrastes». 

Quando terá entrado a batata na nossa região, chegada que foi à Europa no século XVI? Tudo aponta para que a tão saborosa e inconfundível batata apenas tenha entrado na região de Trás-os-Montes no século XVIII, há apenas 300 anos, assim o confirma o trasmontano médico da corte, ainda na primeira metade desse século. Diz-nos que «em algumas terras frias da Provincia de Traz‑os‑montes ha humas plantas, que se cultivão nas hortas, em cujas raizes se achão huns frutos redondos, á maneyra de tuveras da terra do tamanho de nozes grandes, e algumas maiores, aos quaes chamão castanhas da India; comem‑se cozidas e assadas. São frias e secas; cozem‑se muito mal e digerem‑se pior; causam obstruçoens, flatulencias e cólicas». 

Assim eram designadas as batatas, como «castanhas da Índia» ou, noutros escritos, como «castanhas da terra». Porém, antes disso, foram designadas como «fruto do diabo», porque as diziam causadoras da lepra! Na mentalidade popular, superstições tantas, também tiveram a época onde eram designadas como «alimento das bruxas», por nascer o tubérculo debaixo da terra! Acrescentando as observações do «Dr. Mirandela», rapidamente o Povo, muito dado a crendices, desprezou e subestimou a tão rica batata. Até outros estudiosos e a necessidade virem contrariar os mitos.

Sabe-se que, em meados do século XVIII, a batata já era razoavelmente produzida no vizinho distrito de Vila Real. No distrito bragançano, segundo as memórias que nos foram deixadas, apenas no concelho de Carrazeda havia produção substancial de batatas. Informações corroboradas por alguns interessantes estudos publicados em finais do mesmo século. As crises cerealíferas do século XIX, bem como as doenças que afectaram os castanheiros, haveriam de propiciar a difusão da produção de batatas. As quais, na escassez de cereais, até serviram para confeccionar pão, ao qual chamavam «pão dos pobres». Pão que, nesses tempos de escassez, também se fazia com bolotas ou favas secas! Outros tempos… Se bem que fosse nas classes mais abastadas, as quais até já levavam o tubérculo a exposições agrícolas, que a batata primeiro se impôs. O que conduziria a que, nos registos da Igreja, tivesse passado a constar o pagamento do «dízimo sobre as batatas». 

No entanto, a crer nas preciosas informações de Leite de Vasconcellos, tudo aponta para que a produção, até finais do século XIX, fosse maioritariamente destinada ao gado, nomeadamente ao porcino. A batata seria de tal forma desvalorizada que, nos testamentos ou inventários da época, outras produções sendo relevadas, a da batata nunca vem mencionada, ao contrário da castanha, que persistia em ser o principal alimento dos nossos bisavós. O século XX, com novas informações e outros métodos agrícolas, traria a proliferação da batata, um produto indispensável, na actualidade, em qualquer boa mesa trasmontana. Quem não teve já o privilégio de ir a “ua arranca da batata”? Todavia, quem diria que teria demorado tanto tempo para a saborosa batata se impor na nossa gastronomia? “Ele hai cousas du catantchu’e”!…

Rui Rendeiro Sousa

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