(Nota prévia: Alguns poderão considerar estranha esta nova incursão. Porém, há um Senhor que não conheço pessoalmente, mas que, para lá de ser muito persuasivo, e que me perdoe a inconfidência, é detentor de uma característica que deveria merecer a consideração e o respeito de todos os Brigantinos, bem como de todos os que são oriundos do distrito bragançano! Esse Senhor é o responsável pelas «Memórias… e outras coisas», página e blogue que tenho o privilégio de acompanhar há muito tempo, aqui deixando uma pública reverência a quem, como poucos, tanto tem feito pela divulgação de umas terras únicas. Introdução feita, vamos aos “erbanços”… ou aos “garbanços”, para os que interesse tiverem.)
Desde há quase 40 anos, «cada maluco com a sua panca», procuro desenterrar algo com tendência a desaparecer num futuro próximo, aquilo a que vulgarmente vou ouvindo designar como o «falar dos nossos avós». Porém, esse linguajar é muito mais do que essa redutora designação.
Esse «falar dos nossos avós» parece até conter regras, em simultâneo contendo imensos resquícios lexicais e fonológicos do «Mirandés» (que deveria ser de todos nós!), bem como de outros idiomas do ramo do Ásturo-Leonês. Tenho dado, naturalmente, particular ênfase ao meu concelho, o de Macedo, aquele ao qual tenho dedicado muito do meu tempo em busca do entendimento dessa ancestralidade linguística. Contudo, nas incursões que faço a outros concelhos, detecto, com maior ou menor variabilidade, semelhantes fenómenos. Onde entram particularidades fonológicas com estranhos nomes como betacismo, africada ou paragoge, só para citar algumas, para lá do fantástico sistema de sibilantes, no qual somos únicos. E muito aprecio essa unicidade! Na qual cabem os “erbanços”, mas também os “garbanços”, na região mirandesa.
Palavra existente no Português, com [v] escrita – ervanço –, porém substituída que foi sendo pelo mais chique grão-de-bico. Restringindo-me ao concelho onde nasci, Macedo de Cavaleiros, cresci a ouvir designar o dito grão-de-bico, e respeitando a genuína pronúncia, por “irbançu’e” ou por “érbançu’e”. Assim mesmo, que pelas minhas bandas, praticamente não existem vogais átonas. Ou seja, por aqui não há um ovo, mas sim um “óbu’e”. E ninguém cria um porco, mas sim um “pórcu’e”. Tal como ninguém «vai rezar a coroa ao morto», mas sim ao “mórtu’e”. Nem ninguém vai semear o renovo, mas sim o “renóbu’e”. E não existe o verbo «encher», mas sim a versão “intchere”, nem o «beber», mais sim o “bubere”. Quanto à paragoge do [e], este fenómeno fonológico aplicação parece ter em todas as palavras no masculino e no plural, bem como nas palavras no feminino terminadas em consoante (por isso, uma Isabel é, por estas bandas, a “Isabele”). Palavras que contêm a dita paragoge, particularmente se estiverem no fim de uma frase ou oração. Um fenómeno que, não há muito tempo, constatei, igualmente, no concelho de Vinhais, onde me trataram por “Rui’e”. Mas regressemos “ós irbançus’e”…
Palavra que, em «Mirandés», é «garbanço», também já tendo visto a alternativa «grabanço». Na linha do Castelhano e do Aragonês «garbanzo», do Asturianu «garbanzu» ou do Galego «garabanzo». E ainda temos o Euskera, no qual é «garabantzua», bem como o «gravanço» noutras regiões portuguesas, particularmente na Beira. A palavra «ervanço» muito trabalho já deu a eminentes linguistas, que de acordo não se põem em relação à sua etimologia. Uns afirmam-na originária do Grego, através de «erébinthos», outros fazem-na derivar do já referenciado Euskera «garabantzua», outros ainda havendo que a dizem oriunda do Moçárabe, através da referência escrita mais antiga, já com 925 anos, na forma «arbânsus». Parece cada vez mais consensual, no entanto, que a origem da palavra «ervanço» radica no gótico, a partir do proto-germânico e, anteriormente, do proto-indoeuropeu. Como tal, tudo aponta para que o tão nosso «ervanço» («erbanço») seja um «fóssil linguístico», bastante anterior à implantação do Latim e dos seus posteriores «filhos».
Para lá do referido «arbânsus», as formas documentais mais antigas que se lhe seguiram e foi possível apurar, registam a leguminosa como «arvanço» ou «ervanço». Só a partir, sensivelmente, do século XIII, surgiria, no Castelhano, por um fenómeno fonológico de prótese, comum a nomes de outras leguminosas, a inserção do [g] no início da palavra. Fenómeno esse que se arrastaria a outros idiomas e regiões, com a digna excepção do Português, que manteve a forma original, como «fóssil linguístico» proto-indoeuropeu. Língua Portuguesa que haveria, na sua forma escrita, de ver o «velhinho ervanço» gradualmente substituído, numa primeira fase, pela forma simples «grão», antes de «grão-de-bico» ser. Designação que chegaria ao distrito de Bragança, onde, especialmente a partir do século XVIII, a leguminosa surge, igualmente, designada simplesmente por «grão», na documentação escrita que nos foi legada. No entanto, antecedendo a forma com [g], a mais vetusta forma «ervanço» permaneceu na oralidade, como «erbanço», que [v] não temos, resistindo pela região como um quase regionalismo, para lá do «garbanço» em «Mirandés», este pelo Castelhano influenciado.
E agora “martchaba um rantchu’e”, ou “ua seladinha d’irbançus cum atum’e”, ou outra “cousa qualquera” (nota importante: o que está escrito entre aspas resume-se a uma transposição literal da pronúncia que utilizava a minha avó, nada tendo de «científico», sendo apenas para a honrar, bem como a todas as avós deste mundo - “é c’mu ou goz’tu de falare, d’ás bezes’e, p’ra l’insinare ós mous filhus e ó mou netu’e… eis atchum-le graça, e dá-les a risa”).
Bom apetite! Com ou sem os tão nossos “erbanços”! E, um dia destes, se me der na “catchimónia”, já cá trarei os “tchítcharus’e”, ou outra “cousa qualquera”. Talvez possa contribuir para incrementar o orgulho numa essência e numa unicidade, que parece andar arredio. Isso não nos faz melhores ou piores do que ninguém, mas faz-nos muito diferentes! Desejando, com estas humildes incursões, conseguir contagiar, uma pessoa que seja, com a “proa”, ou «proua, an Mirandés», que sinto nestas inigualáveis terras.


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