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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O Cavaleiro das Sombras - Capítulo IV – A Verdade nas Muralhas


 O sol de inverno erguia-se tímido sobre Bragança, lançando reflexos pálidos na neve acumulada. As muralhas estavam cobertas de gelo, e o frio cortava como lâminas invisíveis. Mas naquela manhã, ninguém tinha ficado em casa. O rumor espalhara-se pelas ruas, o Guardião das Portas, Afonso, convocara o povo à praça para revelar um segredo escondido durante séculos.

A multidão amontoava-se diante do pelourinho. Homens cobertos de capotes, mulheres com lenços grossos, crianças de olhos atentos. Havia murmúrios de curiosidade, mas também de desconfiança.

Afonso subiu à escadaria de pedra com Lídia ao lado, segurando as cartas descobertas nos arquivos. Baltasar, um pouco mais atrás, apoiava-se no bordão e observava em silêncio, como quem pressente que algo maior do que palavras está prestes a acontecer.

Afonso ergueu a voz, grave, firme, projetando-a contra as muralhas:

- Povo de Bragança! Durante gerações acreditámos que Dom Martinho de Soutelo foi um traidor. Que abriu as portas da cidade ao inimigo e nos condenou à vergonha. Mas hoje, diante de vós, trago a verdade que as muralhas guardaram em silêncio.

Um burburinho percorreu a praça. Alguns concordaram, outros desconfiaram.

Lídia ergueu a carta e leu em voz clara:

- “Foi o alcaide quem negociou a entrega da Porta de São Tiago. Para salvar a própria pele, lançou a culpa sobre o cavaleiro.”

O povo murmurou mais alto. Vozes indignadas ergueram-se:

- Mentira! — gritou um.

- Se for verdade, porque só agora aparece? perguntou outro.

Afonso não recuou. Avançou um passo, a mão sobre o punho da espada, não como ameaça, mas como símbolo de firmeza.

- Porque os arquivos foram escondidos! Porque durante séculos preferiram que acreditássemos na mentira a enfrentar a vergonha de um governante cobarde.

De repente, um vento gelado percorreu a praça. A neve acumulada no telhado das casas caiu em blocos, como se o próprio inverno tivesse estremecido. Do alto das muralhas, uma figura ergueu-se, a armadura vazia, o Cavaleiro das Sombras.

A multidão gritou de medo, alguns caíram de joelhos.

A voz espectral ecoou, cobrindo a praça:

- Finalmente… a verdade ressoa nas pedras. Mas o juramento não se quebra apenas com palavras. É preciso que o povo reconheça a injustiça.

Afonso ergueu a mão, ordenando silêncio.

- Povo de Bragança! Não olhem para ele como um inimigo, mas como um homem que carregou a culpa que não lhe pertencia! Hoje, diante destas muralhas, eu, Afonso, Guardião das Portas, proclamo Dom Martinho inocente!

Um silêncio pesado caiu. Olhares cruzaram-se. Depois, lentamente, uma velha mulher ergueu a voz:

- Que o seu nome seja limpo!

Outro homem juntou-se:

- Inocente!

E em poucos instantes, a praça inteira ecoava num só coro:

- Inocente! Inocente!

A figura espectral tremeu, a armadura brilhando como aço ao sol. Por um instante, os olhos vazios refletiram algo parecido com paz. O vento cessou. A neve parou de cair.

E então, diante de todos, o Cavaleiro das Sombras ergueu a espada espectral e pousou-a no chão, como quem encerra uma vigília. A voz, agora mais branda, ecoou pela última vez:

- O meu juramento terminou. As muralhas lembram. O povo recorda. A minha alma descansa.

A armadura desfez-se em pó brilhante, levado pelo vento, como se a própria serra o tivesse chamado de volta.

A praça permaneceu em silêncio, atónita. Baltasar, com os olhos marejados, murmurou:

- As muralhas já não têm dívida. Mas lembrem-se, a verdade nunca deve ser enterrada outra vez.

Lídia apertou a mão de Afonso. Ele olhou para a multidão e viu, não medo, mas orgulho. Pela primeira vez, Bragança libertava-se não apenas do inverno rigoroso, mas de séculos de silêncio.

Continua...

N.B.: A narrativa e os personagens fazem parte do mundo da ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas reais, não passa de mera coincidência.

HM

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