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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 7 de setembro de 2025

Quando me perguntam se fui à tropa ….

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Corria o longínquo ano de 1982 da Graça do Senhor, dia 4 de janeiro, segunda feira, quando, ao arrepio da minha pessoa, assentei praça no Regimento de Infantaria de Chaves (RIC).
Não obstante aquela “chamada” ter sido contra a minha vontade, sabia, de antemão, que aqueles 16 meses de serviço militar iriam ser uma vida de paisano, de “fare niente”, pelo facto de muitos daqueles jovens que entraram, quando eu, naquela porta de armas para defender a Pátria, eram de Bragança, e tudo malta conhecida.
Já não me recordo a que companhia pertencia. Sei que o Comandante da dita, com a patente de Capitão, era um tipo duma aldeia perto de Bragança, e o aspirante, meu amigo e vizinho no Toural Velho. Ou seja, julgava estarem ali reunidas as condições para tudo correr bem, por estar, como se costuma dizer, com “gente da minha terra”.
Foi naquela fase da vida, dentro daquele quartel, por ter-me cruzado, por acidente, com esse tal Capitão, que percebi o que Fernando Pessoa queria dizer com, abreviando, “Do mal ficam-nos as mágoas na lembrança….”.
O capitão era um homem azedo, mal – amado, mauzinho, revoltado, que gostava de humilhar, na parada, os mancebos, a quem se referia “ó rapaz!”, seguido dum palavrão escabroso.
Tenho presente um episódio – não é virgem - , que jamais esquecerei, protagonizado por esta figura: estávamos numa das habituais marchas na parada, e um colega meu – lembro-me que era duma aldeia do concelho de Miranda do Douro, homem de barba rija, com uma compleição física de meter respeito, casado e pai dum filho –,  que estava a marchar com o passo trocado. Como o Capitão não sabia o que era pedagogia, irritadíssimo, vindo lá de longe e tendo desautorizado o aspirante – o responsável directo da nossa instrução -,  não tem mais nada: covardemente, à falsa – fé, por detrás, atinge-o com um forte murro na nuca, atirando-o por terra. Não satisfeito com a indecência, obriga-o, à força, a levantar-se. 
Ainda durante a recruta, estaríamos ali no mês de março, precisei de ir tratar dum assunto pessoal, atendível, numa repartição pública, a Bragança. Como durante a semana não conseguia estar em Bragança dentro do horário de expediente, pedi ao meu aspirante que me deixasse sair mais cedo de fim de semana.  Porque pessoa moralmente bem formada e compreensível, evidentemente que disse, sem hesitar, “sim”. Foi uma autorização tácita; o que implicava que eu tivesse saído do quartel sem passaporte. Tendo em conta que o Capitão, até àquela sexta – feira, nunca tinha estado presente numa formatura, pensei que a dita saída antes do tempo fosse pacífica.
Qual não foi o meu espanto, quando, estando eu, nessa memorável sexta feira, por volta das 22 horas, a jogar snooker no salão de jogos Flórida II, um arauto da desgraça, meu praça, me diz, com as mãos na cabeça: “ estás f…, o capitão esteve na formatura e deu pela tua falta. Vais preso, porque desertaste”.
Como é evidente, passei um dos fins de semana mais angustiantes e longos da minha vida.
Quando, na segunda feira seguinte, entrei no átrio principal da minha companhia, o meu nome completo figurava, a letras garrafais, num ofício interno, no placard de informação, notificando-me que havia sido “contemplado” com 30 dias de tensão. E disse, p´ra comigo, aliviado: “do mal o menos. É tensão, não é prisão”. Assumi a culpa e, como bom e leal amigo, obviamente, não disse que tinha pedido autorização ao Aspirante.
Mesmo atenuada a pena, com 20 aninhos, nem nos piores pesadelos me imaginava estar 30 dias sem ver a família e o castelo de Bragança. A chorar, fiz uma chamada para a mulher da minha vida. Ela fez outra, de que resultou a “ordem” para, naquele preciso momento, dar baixa à enfermaria. Assim foi. No dia seguinte fui transferido para o Hospital Militar do Porto. Estive em “regime aberto”, durante um mês e meio. Fui à Junta Médica e fui p´ra casa, não tendo posto, até hoje, mais os pés no quartel. Vim a saber que o capitão tinha ficado furioso, por me ter visto livre dele.
Quarenta e um anos depois, um certo dia de 2022, o famigerado capitão viu-me na Caixa Geral de Depósitos e dirigiu-se a mim:
- Você é o ….(não lhe deixei concluir a pergunta).
- Não, o senhor deve-me estar a confundir com outra pessoa.
Quando me perguntam se fui à tropa, confesso que não sei responder.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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