segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

“NÃO QUERIA MORRER SEM VOLTAR A VER O PROFESSOR MARCELO”

Pelos vidros do portão da garagem entra uma claridade que ajuda a aquecer o espaço, numa curta tarde deste mês de Dezembro.
Em Seixo de Ansiães, concelho de Carrazeda, Irene Canelhas, 86 anos, está sentada a uma máquina de costura. “Ela olha para mim, eu olho para ela, e assim se passa o tempo”, suspira a mulher que foi modista da mãe do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, durante os 25 anos que viveu Brasil. “Bons tempos aqueles” vividos nos arredores de São Paulo, onde conheceu “a Dona Maria e o senhor dr. Baltazar”, os pais de Marcelo. Coincidiram a ir para lá na sequência da revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal. O casal como refugiado, já que Baltazar Rebelo de Sousa desempenhou funções governativas em Moçambique durante os últimos anos do Estado Novo, e a modista, chamada por uma irmã, para fugir à instabilidade que se verificava em Luanda, Angola, onde trabalhou 11 anos. 
A arte da costura, aprendida com 16 anos com a “dona Miloca”, ainda em Seixo de Ansiães, granjeou-lhe “muita freguesia”. “Nunca me queixei do negócio. Em Angola cheguei a ter sete empregadas e no Brasil foram três”. Gostou mais das africanas. “Eram mais perfeitas no serviço de costura. Mas dedicadas e certinhas”. As brasileiras estavam sempre a “pedir licença para ir ao café ou para ir fumar e, à noite, ainda tinha eu de desafazer o serviço e voltar a fazê-lo”. Entre as pessoas “chiques” que lhe calharam entre a clientela brasileira contava-se uma “freguesa que era natural do Porto e tinha uma oficinazinha de fazer peças em ouro”. 
Foi a ela que a mãe de Marcelo Rebelo de Sousa disse que precisava de arranjar uma costureira de confiança, pois estaria, segundo Irene, “acostumada a quase todas as semanas ter de fazer alguns arranjos na roupa”. Falou-lhe então de “uma portuguesa acabada de chegar de Angola”, à qual acabaria por se afeiçoar até que regressou a Portugal, em 1998. Irene não sabia quem era Maria Fernandes Duarte das Neves, a mulher de Baltazar Rebelo de Sousa. “Lembro que eles vinham sempre de carro com chofer. Às vezes, o dr. Baltazar trazia-me um ramo de flores e eu logo dizia ‘ó senhor dr., não precisava...’, ao que ele respondia: ‘a senhora merece porque põe a minha Maria muito bonita’”. 
A Marcelo Rebelo de Sousa só o conheceu pessoalmente em Portugal, quando era presidente do PSD (1996- 1999) e durante uma deslocação a Carrazeda de Ansiães. Foi a mãe dele que lhe telefonou: “Olhe que ele vai aí a Carrazeda e quer conhecê- -la”. “Ele perguntou-me se eu estava feliz e eu respondi que sim, que estava na minha terra”. E ele tornou que “se algum dia precisasse de alguma coisa, para o informar”. “Eu até já liguei para a casa onde moravam os pais, mas o número está inativo”. Desde que Marcelo é Presidente da República, Irene Canelhas vê-o quase todos os dias na televisão. “Estou sempre a pedir a Deus que lhe dê muita saúde e que não morra tão cedo. É um homem do povo. Tanto beija o pobre como o rico e eu aprecio aquilo”. “Há dias vi-o com um colete vestido a preparar comida para os que vivem na rua. É o melhor presidente que Portugal alguma vez teve”, acrescenta. “Não queria morrer sem voltar a ver o professor Marcelo. O meu maior prazer seria conversar com ele sobre os pais e não só”, deseja Irene, olhos marejados pela emoção. Irene já perdeu o marido e a filha. Vive sozinha e debilitada. Gostava de passar os últimos dias em casa. 
Se for visitada por Marcelo pretende alertá-lo para quem como ela “precisa de melhor assistência a domicílio”. Atualmente, o almoço é-lhe levado pelo Centro de Dia de Lavandeira, que também lhe garante ajuda na limpeza.

Jornalista: Eduardo Pinto

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