Desta vez, os que integramos as comunidades de influência cristã, tenderemos para fantasiar a propósito do seu quê de mágico que o número do ano sugere. 2020 é um número que nos fascina e inquieta, porque continuamos a viver aos ritmos da nossa curta capacidade de entendimento do universo. Apesar de todas as vaidades, não passamos de sete mil milhões de seres temerosos, mais determinados pelo instinto de sobrevivência a cada minuto do que pela contribuição para a construção da humanidade, o alfa e omega de todas as utopias.
Claro que há outros tantos, ou mais, que não celebram 2020, alguns já vão quase em cinco mil anos, outros ficam-se por cerca de mil e quatrocentos, embora não se furtem à propensão para a fantasia, tão néscia e egoísta como a que nos torna ridículos a nós.
Já era tempo de que, em vez de procurarmos o algodão fofo das fantasias na transição dos anos, nos dispuséssemos a convocar para as celebrações a lucidez que nos permitiria, em vez da festinha e da ressaca agoniante, a serenidade para promover a análise crítica do que tem sido a via dolorosa desta história, que tínhamos obrigação de conhecer, para não voltarmos ao labirinto das aparências, que nos fintam a racionalidade.
Perante o que podemos observar, não haverá razões para repetir discursos de esperança, sempre negada a cada dia. Talvez fosse tempo de reconhecer que a prosperidade material não é o único remédio para o mundo dos homens, que mais importante é a procura da solidariedade, da igualdade, da fraternidade, que são os garantes da liberdade, essência provável da condição humana.
Uma sabedoria difusa, que convive com a torrente da ignorância boçal, selvática e arrogante, diz-nos que de boas intenções está o inferno cheio. Não vale a pena continuar com pias intenções, proclamações angustiadas, quase choramingas, farsas à procura da absolvição, porque não será por aí que daremos contributos para que o futuro seja mais respirável.
A lucidez devia conduzir-nos a reconhecer corajosamente que é preciso mudar de rumo, em vez de caminharmos, num vale de lágrimas, para os abismos da barbárie, consumando destino miserável para uma aventura de milhões de anos.
Se assim não for, resta-nos encarneirar num rebanho desorientado, pelas veredas da indignidade, do instinto que partilhamos com os restantes animais, até à dissolução inglória na biosfera. Pode ser que algures no tempo cósmico, as moléculas que nos configuraram rebentem em flores num outro paraíso terreal.
Teófilo Vaz
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