Vive e trabalha em Vila Nova de Gaia, mas nunca esquece as origens, que inspiram os seus quadros.
Como vê a maneira como comentam e interpretam a sua obra?
É muito curioso porque muitas vezes os especialistas de arte, ou não, com os meros observadores também acontece, vêem aspectos na minha obra que eu própria ainda não tinha visto e isso é muito interessante. Por exemplo, se repararmos no grande painel desta exposição (O Rosto, Máscara Intemporal), ‘Ordem e Caos’, que é um painel alusivo aos Rituais de Inverno com Máscaras, mas em que os símbolos e os ícones que estão atrás de toda aquela mascarada, que se vê em primeiro plano e que se sobrepõe a esses ícones, traduz a simbologia que está inerente a estas práticas festivas do Nordeste Transmontano, como sejam os ritos que traduzem a fertilidade, a abundância da natureza, dos humanos, dos animais, a iniciação sexual, a abundância de géneros e a mudança de estação, de época, já que são festas cíclicas. Nesse painel, na minha intenção, todos os ícones que estão atrás da máscara, têm uma forte relação com os rituais. São muitas vezes as pessoas, o observador comum, que aponta leituras diferentes daquelas que eu faço. As apreciações feitas deixam-me, em alguns momentos, até algo constrangida. Porque é sempre algo complexo expormos a nossa obra à consideração do público. É como se nos desnudássemos um pouco, como se eu tirasse a minha própria máscara e me mostrasse tal qual sou, na minha forma artística e de me expressar perante o mundo: ‘Aqui estou eu. Aqui está a minha obra’. A minha obra traduz muito daquilo que sou e sinto, das minhas emoções e vivências. Não só no tempo, mas também as minhas vivências enquanto portadora deste património identitário, desta herança cultural que são os Rituais de Inverno com Máscaras.
Que sempre a inspiraram, esta não é a primeira exposição de trabalhos com máscaras…
Na minha obra as próprias máscaras têm vindo a sofrer metamorfoses, têm vindo a alterar-se. De tal maneira que estas máscaras que estão aqui plasmadas em plexiglass e que se sobrepõem a um rosto – que é um rosto de hoje, contemporâneo – foram apropriadas das máscaras que eu já pintei na própria série, só que são transformadas em outra imagem, mas são as mesmas máscaras, simplesmente transformadas, metamorfizadas.
Além das máscaras, há também a sobreposição de poemas. Porquê?
Os poemas que fui incluindo e incorporando na pintura, começaram por ser os poemas de Fernando Pessoa, porque ele é a máscara personificada, com os múltiplos heterónimos, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis. Há nestas pinturas poemas de vários dos heterónimos de Fernando Pessoa e comecei por incorporá-los e associá-los às máscaras das sociedades secretas e a todo o misticismo que essas sociedades transmitem a quem está de fora: ‘O que acontece?’, ‘O que está para lá da máscara?’, ‘Porquê a necessidade da máscara?’. Depois fui incorporando poemas e textos de outros autores, conforme o personagem a que se destinam, é uma maneira de intensificar e reforçar as características desse mesmo personagem.
O rosto e os retratos são um pouco mais recentes. Porque enveredou por esta categoria?
Sim, o meu percurso artístico já passou por várias fases, várias categorias. A paisagem teve um peso muito importante no início da minha pintura, desde paisagem campestre, marinha, rural e urbana. Isso não quer dizer que não gosto de pintar paisagem, ela é o lugar de todos nós e de todas as coisas. Possivelmente, hoje pintarei a paisagem de um modo diferente do que pintava há 25 ou 30 anos. Quando estava a pintar a série do Douro “Margem Douro: Nascente Foz”, em 50 pinturas, que retratam o Douro desde a nascente, nos picos de Urbión, até à foz, entre Gaia e Porto, fui pintando vários aspectos das características dos dois povos irmãos, nomeadamente a arquitetura tradicional, que era comum aos povos das duas margens do Douro, e algumas tradições em vias de extinção, como, por exemplo, os Rituais de Inverno com Máscaras. Foi aí que pintei a primeira máscara, que me deu o ensejo para continuar a pintar uma série de máscaras. Aí avancei para uma outra série completamente diferente da do Douro, que foi “Máscaras e Rituais do Douro e Trás-os- -Montes”, com 40 máscaras que apresentei aqui em Bragança há 10 anos. E a máscara não me abandonou mais, ou eu não consigo abandonar e sair da minha própria máscara, ou da máscara, em geral, da condição humana, que nos protege e defende.
Mas agora mostrando o rosto…
Exactamente, mostrando o rosto. Esta série é diferente por isso mesmo, é que há um rosto e uma máscara. Há essa duplicidade, em que o rosto interfere na máscara e a máscara, por sua vez, também interfere no rosto. Há uma dualidade, que consegui, depois de várias experimentações, através do plexiglass, o acrílico em que a máscara é impressa funciona bem, porque deixa o olhar do observador atingir o rosto, ver o rosto, ver o que está atrás, embora adulterado e metamorfoseado pela máscara, mas deixa-nos adivinhar o que está atrás da máscara.
Faz este ano 30 anos desde que expôs pela primeira vez. O que a motiva a continuar a pintar?
As pessoas, evidentemente, as pessoas de todos os tempos, a actualidade, o que há no mais fundo de nós, as heranças que trazemos e que, de alguma maneira, sentimos a necessidade de transmitir. Para já, ainda estou muito envolvida com este tema, ainda o não esgotei, talvez venha a acontecer, não sei se virei a desenvolver outras linguagens à volta deste tema, mas para já continuo na máscara e no rosto, no rosto e na máscara.
Jornalista: Olga Telo Cordeiro
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