As festividades em honra de Santo Estêvão, também conhecidas como “Festa dos Rapazes”, animam várias aldeias e, com ou sem a figura dos caretos, as localidades tornam-se, por estes dias, um verdadeiramente único reboliço. As festividades são um marco, sobretudo nos concelhos de Bragança e de Vinhais e envolvem vários acontecimentos que nos remetem para rituais de passagem e de iniciação. Varge, Aveleda, Grijó de Parada, Parada e Rebordãos são algumas das localidades brigantinas em que, com a presença dos mascarados, se celebram estas festividades.
Já em aldeias como Samil, Alfaião e São Pedro não há caretos mas também não se deixa passar a festa em branco e faz-se a tradicional “mesa de Santo Estêvão” com um almoço à base de bacalhau, para o povo todo. Por Vinhais, a festa, com as cores dos máscaras, é celebrada em Ousilhão, Rebordelo, Travanca e Vale das Fontes. Sem a presença dos mascarados há outras tantas aldeias em que se assinala este primeiro ciclo das festas de inverno.
Da juventude para a vida adulta
Qualquer festa de Santo Estêvão é organizada por rapazes e, dependendo da aldeia onde se celebra, integra diversos rituais, com origens remotas, provavelmente de um tempo muito anterior à cristianização da Península Ibérica. Estas festividades inserem-se no âmbito das celebrações do primeiro ciclo das festas de inverno e, segundo António Tiza, presidente da Academia Ibérica da Máscara, não podemos apenas cingir-nos ao Santo Estêvão, que se assinala a 26 de Dezembro, mas é preciso falar de um ciclo de 12 dias, que começa no dia 25 e se estende até ao dia de reis, já em Janeiro.
Quanto a rituais, ninguém melhor que António Tiza, licenciado em Filosofia, com diversas publicações sobre as máscaras e as festas de inverno, para os explicar. Segundo o entusiasta destas manifestações, a crítica social é dos mais conhecidos costumes nestas festas. O ritual “basilar”, que acontece em aldeias brigantinas como Varge e Aveleda, passa por “ridicularizar” os habitantes da localidade. Os caretos juntam-se e sobem a um carro de bois ou a uma fonte de pedra e, em verso, dão conta dos acontecimentos dos conterrâneos e diga-se que as loas não são feitas para ofender ninguém.
A corrida da rosca que, além de Varge, também acontece em Grijó de Parada, é uma das “cerimónias” que mais prova que os rituais servem para “testar” os rapazes. Dois rapazes vão da meta até um determinado ponto e voltam e, claro, quem for o mais rápido arrecada o prémio: uma rosca de pão. Claro que a virilidade que a vitória representa é o grande “troféu”, mas não ficamos por aqui.
Em Parada e Grijó de Parada, também no concelho de Bragança, faz-se a galhofa que não é nada mais nada menos que uma espécie de luta greco-romana. Dois rapazes, num palheiro ou armazém, pela noite, lutam e vão- -se eliminando até que fique um único vencedor. Já por Vinhais, em Rebordelo e Vale das Fontes, faz- -se a encamisada. Esta ronda nocturna consiste em percorrer a aldeia e é obrigatório ir parando e entrando em todas as casas. Segundo António Tiza, este é um ritual antigo que, há pelo menos cinco séculos, era celebrado pela própria nobreza nas cidades grandes, por altura do carnaval.
Em Ousilhão, ainda no concelho de Vinhais, há outro tipo de visita: quatro rapazes, a que chamam moços, com lenços e castanholas, vão de casa em casa e à sua espera têm uma mesa onde não faltam as iguarias do Natal. Por ali dança-se e canta-se ao som das castanholas, à volta da mesa. António Tiza confirma que todas as manifestações, aconteçam onde acontecerem, nos levam ao que os homens devem ter e ser na vida adulta: destreza e resistência, testada na galhofa e na corrida às rosca; secretismo, explícito no sigilo que manda a escrita e reserva das loas para a crítica social; e gentileza, através das rondas e visitas pela aldeia a saudar os habitantes.
Devolver a festa ao povo
As celebrações do primeiro ciclo das festas de inverno têm vindo a ser recuperadas em vários pontos da Terra Fria, possivelmente por causa da dinâmica e importância que as máscaras e os mascarados estão a assumir, no país e no mundo António Tiza revela que, Pinela, em Bragança, foi uma das localidades que quis devolver a festa ao povo.
A celebração, no dia de Natal, foi recuperada há meia dúzia de anos e tem como essência um charolo de roscas, que também existe em Parada e Outeiro. Mogadouro também tem, pelo menos, duas tradições renascidas: o careto de Valverde, na freguesia que lhe dá nome, e Vilarinho dos Galegos vê novamente na agenda das festas de inverno o mascarão e a mascarinha, figuras que saem no dia reis para pedir esmola para o Menino Jesus. Já em Miranda do Douro, o velho e a galdrapada, de São Pedro da Silva, é outra das celebrações recuperadas.
Há careto ou não há careto?
As festividades têm, em várias aldeias, a presença de mascarados mas não é obrigatório. Contudo, António Tiza está convicto que nem sempre assim foi e que noutros tempos, dos quais não há registo nem memória, os caretos integrariam todas as celebrações onde quer que acontecessem. Ora veja-se: não há grandes diferenças entre a alta e a baixa Lombada, em Bragança, mas a verdade é que Guadramil, já no extremo da alta, teve uma festa com mascarados, perdida nos anos 50. Se Guadramil teve e se, ainda agora, Aveleda, Rio de Onor e Varge têm, porquê razão Babe, Deilão e São Julião, que mantêm apenas a festa sem os caretos, não haveriam de ter tido? Alfaião é outro bom exemplo. Segundo o livro “Máscaras Portuguesas”, de Benjamim Pereira, publicado em começos dos anos 70, é mencionado o mascarado de Alfaião mas, apesar de tudo, hoje a festa faz-se sem a sua figura.
Ainda assim, com ou sem o rosto a nu, a Terra Fria vive, por estes dias, celebrações, cuja origem se perde na memória do tempo, que são como que um cartão de identidade destas nossas terras.
Fotos: António Tiza
Jornalista: Carina Alves
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