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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

João Serrão de Morais

Local: VINHAIS, BRAGANÇA

Pinho Leal refere-se à lenda de João Serrão; nós vamo-la descrever servindo-nos das informações do velho Marques (Gentil Marques; Lendas de Portugal 2, pp. 181-186):
 «João Serrão, nobre fidalgo, de espírito fogoso e aventureiro, depois do regresso da Índia, aonde fôra em serviço de el-rei, passava o tempo, descuidadamente, administrando os fartos haveres que possuía no casal do Bairro de Além. Novo ainda, resolveu contrair matrimónio com uma nobre donzela de Bragança, de nome Guiomar Freire. Foi numa formosa manhã de Junho que se realizou o casamento. Numerosos convivas, grande festa; nas ruas, fogueiras rescendendo a rosmaninho e a alfazema; dentro do solar, a alegria comunicativa de donas e cavalheiros, o cintilar de vasos de ouro e prata, onde espumava o licor odorante de Riassós. Era alta noite, quando emudeceram os ecos dos últimos acordes dos descantes e das danças. 
 Haviam decorrido oito dias de felicidade perene, quando os jovens fidalgos, sentados sob a copa frondosa de um velho castanheiro da cêrca fronteira, perceberam o ligeiro tropel de um cavaleiro que descia, apressado, a encosta da vila. «Quem será?» disseram. Passaram momentos, e um criado anunciou-lhes um emissário de sua majestade el-rei. Manda-o entrar recebendo de suas mãos uma carta. Leu-a. As faces tornaram-se pálidas, os olhos tristes fixaram a formosa companheira. «Que há?» disse esta. A custo balbuciou algumas palavras; tornou-a a ler; era certo. O rei convidava-o a acompanhá-lo na expedição à Africa, lembrando-lhe os anteriores serviços na Índia. Era uma honra. Que fazer? E a espôsa? e a casa? Mas o rei? mas a pátria? mas Deus? «Vai, diz-lhe a espôsa; a pátria e a religião assim o querem.» 
 O dia 24 estava próximo, não havia tempo a perder; dá ordens, manda aparelhar o melhor ginete, lembra o elmo, a cota e o montante. Abraça a jovem espôsa, trocam as alianças, e lá foi para Lisboa, juntar-se aos expedicionários que na manhã brumosa do dia 24 de Junho de 1578 deviam ir, comandados pelo rei, bater o mouro infiel na sua própria casa. 
 Luta horrível; a história o diz. João Serrão, como tantos compatriotas, ficou prisioneiro nos ergástulos de Fez. 
 Ao caminho florido do Bairro de Além também chegaram as infaustas notícias da derrota. Guiomar Freire, aflita e saüdosa, mandava emissários a tôda a parte, pedindo novas do amado esposo, e todos lhe respondiam com a medonha descrição da inglória batalha. 
 Morto? Prisioneiro? Era-lhe difícil a certeza e por isso, as horas que passavam, mais cruéis. Vestiu-se de pesado luto. 
 No velho solar o silêncio de castelo feudal em ruínas. Apenas da rua Nova se podia descriminar em noites de inverno a luz frouxa de uma alâmpada coada através do vitral da capelinha do velho solar. 
 Um dia, decorridos alguns anos, João Serrão, não podendo obter o resgate, apesar da heroicidade inexcedível dos irmãos trinitários, e tão inexcedível que alguns dêles, como Frei Roque, ficaram em reféns durante muitos anos, resolveu fugir de Fez, com alguns companheiros de infortúnio. Metidos em frágil batel, atravessaram o estreito, indo desembarcar, acossadas pela tormenta, a uma enseada nas costas do reino de Valência. E seguiram através da Espanha, esmolando de terra em terra, andrajosos, como pobres mendigos, dormindo ao relento, o cabelo desgrenhado, a barba esquálida,  escondendo-se dos olhares da polícia de Castela, vergados mais ao pêso da penúria do que ao pêso dos anos. 
 Emfim, chegaram a Portugal. Era já tarde, as sombras da noite vinham baixando do alto do Rossário, quando um pobre mendigo bateu à porta de Guiomar Freire, pedindo guarida. Casa hospitaleira, como tôdas as da região, uma criada trouxe-lhe a ordem de sua senhora ama para entrar. No lar a expressão efusiva de todos os lares trasmontanos; a fogueira aquecendo o ambiente e os corpos gelados da fria nortada. Um logar para o pobresinho», repetiram todos em côro, distinguindo-se a meiga voz de uma donzelinha de quinze anos ao mesmo tempo que erguia a loura cabecita do materno colo de Guiomar Freire; é que João Serrão havia deixado no jardim florido do Bairro de Além a semente fecundante que transmitiria aos vindouros o seu nome honrado. «Jesus Cristo também pediu para nos dar exemplo!» repetiu sentenciosamente a velha ama de Isabelinha Serrão Colmieiro. A nobre fidalga, de faces engelhadas pela dôr, coberta com um negro manto que desde o ano de 1578 não mais abandonara, inclinou a cabeça, exteriorisando o assentimento às palavras da velha criada. 
 João Serrão relanceando os olhares curiosos por tudo e todos, percebeu bem a vida exemplar dos habitantes de sua casa, durante a longa ausência. Depois de cear e dar graças a Deus, cada qual contou sua história; e chegando a vez ao disfarçado mendigo, êste, depois de falar nas conquistas da India, começou a descrever a batalha de Alcácer Kibir; os ouvintes escutavam-no com religiosa atenção, observando que dos olhos húmidos de Guiomar Freire e da filha deslizavam lágrimas ardentes. «Também lá ficou. meu marido», diz ela, soluçando. João Serrão levantou-se, trémulo, e extendendo a mão direita, disse-lhe: «senhora, conheceis esta aliança?» Guiomar Freire vê a dádiva do casamento, reconhece o amado esposo, e, levantando-se amparada pela filha, caiu nos braços de João Serrão. 
 Foi o arco-íris que voltou após tantos anos de tormenta. 
 As janelas do velho solar abriram-se de par em par; os auríferos candelabros acesos levaram à veiga e ao burgo a boa nova da chegada do nobre fidalgo. 
E em paz viveram muitos anos até que a morte os separou e tornou a unir na fria sepultura da capela do velho palácio como se viu na lousa que lhe serviu de tampa: «Aqui jaz João Serrão de Moraes e sua mulher Guiomar Freire.»

Fonte:MARTINS, Pe. Firmino Folklore do Concelho de Vinhais

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