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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Profissão: Contrabandista

Habitante dos Casares perdeu a conta às vezes que passou mercadoria entre as duas fronteiras

Tem 68 anos e passou mais de 20 a fazer contrabando, não fosse ele um dos rostos mais conhecidos dos Casares, aldeia raiana plantada nas fraldas da serra da Coroa, no concelho de Vinhais.

Para conseguir aquilo que a terra teimava em não dar, Fernando Manuel, tal com tantos outros jovens da época, aproveitou o vigor de outros tempos para carregar fardos de 40 e 50 quilos pela calada da noite, palmilhando trilhos de perigo entre Portugal e Espanha.
Perdeu a conta às vezes que levou tabaco para a zona da Mesquita e Castromil ou trouxe bacalhau para Portugal. Chegou a passar de tudo, desde burros ao sabão, e subiu a pulso na difícil carreira do “trelo”, termo utilizado pelas populações raianas para designar as aventuras do contrabando. Tanto assim era, que conseguiu chegar a encarregado de um grupo de quase 50 pessoas que, enfrentando guardas-fiscais e “carabineiros”, passava as noites num autêntico “leva e traz”.
Foi este homem bem disposto e cheio de histórias para contar que o Jornal NORDESTE encontrou numa tarde igual a tantas outras nos Casares. “Houve uma fase em que o ‘patrão’ não me pagava em frente aos outros, porque eu já recebia mais”, recorda Fernando Manuel.

“Passava-se tudo”

Mas, se a jeira aumentava, o mesmo acontecia com as responsabilidades que o ex-contrabandista tinha a seu cargo. Era ele que, em dias previamente combinados, transportava os maços de notas que haveriam de pagar o tabaco, o sabão, os animais ou o bacalhau trocado entre “patrões” portugueses e espanhóis.
Mais tarde, já na década de 80, “passava-se de tudo”. Ou seja, o contrabando começou a ir além do tabaco e do bacalhau, perdendo a inocência da luta pela sobrevivência. “Havia alturas em que eu levava uma caixinha e o que o meu patrão me dizia: ‘vais no meio de dois homens com fardo e, se alguma coisa correr mal, mais vale perder os dois fardos do que a caixa”, recorda Fernando Manuel.
O contrabandista de outros tempos nunca soube o que transportava, mas, pelo tamanho da caixa, suspeitava-se que a droga começava a entrar no circuito do contrabando. “Não sei, porque nunca abri a caixinha, mas havia quem falasse nisso”, reconhece o sexagenário.
Nesta vida de “noites claras”, a convivência entre contrabandistas e guardas-fiscais era quase inevitável, até porque a aldeia tinha um posto desta guarda fronteiriça. O dia a dia corria sem contratempos, com contrabandistas e evitar dormir com o sol já alto para afastar quaisquer suspeitas. Mas, o meio é pequeno e todos sabiam quem andava no “trelo” e quem só vivia da agricultura.

“Estava à sua espera”

Fernando Manuel era mestre na arte de despistar a Guarda Fiscal e na tarefa de escolher a melhor altura para passar a mercadoria. Corria a década de 70 quando guardas do posto e contrabandistas participavam numa matança do porco que se prolongou pela tarde fora. Aproveitando o empenho dos elementos do posto fronteiriço, Fernando Manuel decide engendrar uma saltada a Espanha para levar um carregamento de burros. Combinou tudo na perfeição com um colega, mas eis que aparece um guarda-fiscal no local do encontro. “Oh Manel, o que é que estás a fazer aqui”, pergunta-lhe o agente da autoridade. O contrabandista não esteve com meias medidas. “Ó homem andava a ver onde é que você estava porque lá na matança está tudo à sua espera para almoçar”, atira-lhe Fernando Manuel com uma espontaneidade acima de qualquer suspeita.
Ultrapassado este pequeno contratempo, decide avançar sozinho com os burros, porque o colega distraiu-se com “questões de saias” e faltou ao encontro. “Então ia lá desaproveitar a matança, com todos os guardas distraídos!”, recorda.
É este homem, ainda hoje aguerrido, que tem sempre relatos do “trelo” na ponta da língua. Mais do que isso. É um exímio coleccionador de utensílios usados no quotidiano rural de há 30 ou 40 anos e tem um pequeno museu em casa.

in:diariodetrasosmontes.com

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