sexta-feira, 17 de julho de 2015

Lagoaça


No limiar do Planalto Mirandês, a freguesia de Lagoaça e o seu termo, são a zona de transição entre aquele e o Douro.
De um lado, as vastas planícies cerealíferas do planalto, do outro a agrura dos socalcos e dos vinhedos do rio.
De um lado o granito, as carrasqueiras, os lameiros, do outro o xisto, os vinhedos, os laranjais e os olivais.
Ali é frio, aqui é quente.
Ali moureja-se de sol a sol para aproveitar tudo o que a árida terra tem para dar, aqui labuta-se com a mesma intensidade e o mesmo pundonor.
O termo Lagoaça poderá resultar de duas componentes etimológicas, Lagoa e Ansa. “Lagoansa”, assim se terá chamado primitivamente, terá sido ponto de encontro para venda e troca de mercadorias “a Ansa”, ou feira franca junto de um terreno alagadiço, pantanoso ou pequena lagoa. Sabe-se que a actual praça central e a rua das Hortas eram em tempos zona alagadiças e de muitas águas, onde passaria um ribeiro. Ainda hoje existe no local, uma interessante fonte de origem medieva.
Porém, segundo reza a lenda, a origem do nome terá a ver com a existência de uma descomunal e ferocíssima serpente, conhecida por todos pelo nome de “Lagóia”, que habitava uma caverna para os lados do Vale de Santa Marinha. Quando a fome apertava ou por qualquer outro motivo despertava do seu torpor, a Lagóia saía do seu esconderijo e ai da criança ou adulto que lhe estivesse ao alcance. Fez tantas vitimas ao longo dos tempos que as gentes viviam aterrorizadas. As montarias para a sua captura nunca davam resultado porque o ofídio escapava sempre, até que conseguem enfrentar o terrível réptil sem recuos e todos armados de instrumentos cortantes liquidam o malvado bicho, voltando desta forma a paz e a serenidade a esta terra. Lagóia, por evolução fonética, originaria o topónimo actual de Lagoaça.
Sabe-se pelos vestígios encontrados, principalmente cerâmica, que foi habitada desde épocas muitas remotas, possivelmente pelos Banienses. Por aqui teria passado a Via Romana que ligava Palência (Pallantia), a Torre de Moncorvo (Civitas Banienses), ou  então, seria um itinerário secundário que oriundo de Vale de Porco, se dirigia ao Povoado de S. Cristóvão (no cruzamento da Lomba do Carvalhão, EN 220 com a EN 221), seguindo depois por Mazouco e Freixo em direcção à Barca de Alva, onde atravessaria o rio Douro.
Os árabes viveram aqui por largo tempo e a comunidade agro pastoril que aqui se desenvolveu nessa altura, está bem viva, quer nos nomes  e apelidos de algumas famílias, quer na estrutura de algumas casas agrícolas ou ainda na forma como foram construídos os caminhos que ligando ao rio, tornaram férteis as agrestes Arribas que o marginam.
Os judeus formaram uma importante comunidade, bem patente nas casas apalaçadas que nos legaram.
A história de Lagoaça diz-nos que foi um curato, pertença dos Marqueses de Távora, que eram donos e senhores do castelo de Mogadouro, motivo pelo qual durante séculos esta freguesia esteve incluída nos termos de Mogadouro, passando para a coroa em 1759, após a perseguição e morte daqueles. Mais tarde passou para o priorado.
D. Dinis, deu-lhe foral a 26 de Abril de 1286 data da criação do concelho de Lagoaça. A 4 de Maio de 1512 foi extinto o concelho que passou a integrar o de Penas Róias.
No concelho de Mogadouro esteve integrada até à sua inclusão no concelho de Freixo em 1842, com as reformas administrativas daquela época.
A Igreja Paroquial de Lagoaça, é de estilo românico, baixa, horizontal e com contrafortes exteriores, torre sineira simples e central, construída provavelmente nos fins do século XVI. O Nicho e o Campanário são de 1740. O interior é riquíssimo com importantes painéis de azulejaria, altares em talha dourada, pia baptismal, o púlpito e o lambril que ladeia toda a nave decorados com cenas da vida de Santo Antão, possui interessantes alfaias religiosas sendo dignos de admiração o pálio e o
As capelas de Santo António, datada de 1646 e que possui um peculiar relógio de sol e a do Senhor da Santa Cruz, construída no século XVII.
A ermida de Santa Marta, no alto do seu monte, de onde em dias claros se podem observar várias outras capelas idênticas, situadas em montes de concelhos limítrofes. A actual capela, que data provavelmente de 1930/1940, foi construída, com elementos de primitiva ermida, por iniciativa de dois habitantes locais que haviam estado no Brasil, o “Taruta” e o “filho da Samoeira”. Da primitiva ermida não há vestígios, sabe-se apenas  que foi construída durante o século XV em honra de Santa Marina ou Marinha. Foi reformada no século XVII, com a introdução de colunas toscanas, actualmente no alpendre. À uma referência de que em 1758, estando aquela capela afastada da povoação um quarto de légua, ali rumavam os habitantes de Lagoaça, em procissão, em busca de chuva. Tradição que ainda hoje se mantêm.
Uma casa com padieira e janela decorada, é casa urbana do séc. XVII, de grande simplicidade e pequenas dimensões, com frontispício de dois registos, provido apenas de vão recto de entrada no 1º registo, sobrepujado por uma janela no 2º. Sobre a porta tem data inscrita -  1617 - flanqueada por duas bandas em baixo relevo e encimada por um fino sulco inciso que define arco abatido. Sobre o lintel assenta directamente o parapeito da janela com decoração incisa definindo, da esquerda para a direita, uma voluta, três semicírculos dispostos como um festão, e nova voluta de remate lateral. O semicírculo central é rematado inferiormente com motivo cordiforme e os dois dos extremos com círculos, também incisos. A decoração do parapeito remata superiormente com moldura igual à do lintel da porta, mas invertida, tendo sequência nas ombreiras e verga. A moldura envolve assim todo o vão, sublinhando-lhe o contorno. 
A antiga casa do Concelho, hoje muito alterada e que durante décadas serviu para albergar o Pão de Depósito ou Pão do Montepio. Este Pão do Depósito, era o resultado da entrega por parte dos lavradores locais de uma parte das colheitas, que depois de vendidas, rendiam juros, custeavam obras e outros melhoramentos ao mesmo tempo que serviam de reserva em caso de crise.
A fonte da praça, uma fonte de mergulho com arco perfeito.
O monte da atalaia ou do picotino.
O porto fluvial.
O miradouro da Cruzinha, com o seu característico cruzeiro, sobranceiro ao Douro num declive acentuado, onde a nossa vista se enche de espaço e respeito contemplativo pela natureza. Lugar excelente para uma tarde bem passada em convívio com os amigos. 
O miradouro do Carril, um óptimo percurso a pé ou de BTT de cerca de 6 kms, para o êxtase de uma paisagem de rara beleza. Por entre margens rochosas e abruptas, uma das mais altas barragens da Europa, a barragem de Aldea d’Ávila, numa dimensão impressionante.
Os recantos romanescos dos ribeiros, nos moinhos.
As águas minero medicinais da Fonte Santa.
As pinturas rupestres da Fonte Santa ou Casal do Mouro, um abrigo rupestre, sobranceiro ao ribeiro da Ponte. O abrigo localiza-se perto das minas da Fonte Santa, actualmente abandonadas, onde se identificam dois "painéis" verticais em xisto, de superfície lisa, com pinturas monocromáticas, provavelmente datadas do II milénio a. C., a ocre. Um dos painéis, uma  laje quadrilátera com de 60 cm de lado  na parede lateral sul, representa duas figuras antropomórficas de tamanho desigual e uma mancha de forma indefinida. O segundo, na parede fundeira, é composto por uma figura antropomórfica aparentemente sobre um animal (talvez um centauro), por uma figura reticulada e por várias manchas de forma indefinida. Dada a potência significativa de enchimentos de terra e a dimensão do abrigo, há que considerar a possibilidade de este ter servido de habitat coetâneo das pinturas. Abrigo rupestre com pintura esquemática provavelmente arquitectura religiosa, pré-histórica. Conjuntamente com as estações de Pala Pinta (Alijó), Penas Róias (Mogadouro) e Cachão da Rapa (Carrazeda de Ansiães), constitui um dos mais importantes testemunhos de abrigos com pintura esquemática da região de Trás-os-Montes.
Um pouco mais a Sul, na Quinta dos Pastores foi encontrada uma necrópole medieval de sepulturas estruturadas com lajes. Os trabalhos nas minas destruíram diversas sepulturas do mesmo tipo.
Um passeio de barco no silêncio e calmaria do rio Douro, apreciando a extrema beleza dos verdes da encosta escarpada das margens, com os seus laranjais e olivais pendurados em pequenos socalcos encravados no meio de enormes penhascos de pedra rude e agreste, ver os peixes saltar na pacatez das águas, ou ser surpreendido pelos únicos habitantes, as aves, desde a andorinha, ao grifo, do abutre do Egipto à águia de Bonelli, até à imponente águia real.
Na zona mais planáltica da freguesia nidifica a cegonha preta.
Percursos Pedestres ou de BTT pelos numerosos trilhos e caminhos rurais que servem o termo da freguesia.
Percursos Todo-Terreno.
Caça (perdiz, coelho, lebre e javali) e pesca(barbo e boga).
Canoagem nas águas do rio Douro.
Enfim, um sem número de coisas, que nos levam a esquecer o tempo e que há vida para além deste pequeno paraíso.
A gastronomia está ligada à principal actividade económica da região, a agricultura.
Assim não é de estranhar que um dos pratos mais típicos, da freguesia de Lagoaça, seja o caldo de vagens secas com carne de porco.
Os enchidos, alheiras, salpicão e chouriças, ou um bom naco de presunto de suprema qualidade para afagar o estômago a qualquer hora.
O cabrito, o borrego, as aves de capoeira e a vitela completam as delícias de qualquer comensal.
O pão é feito na padaria local em forno a lenha e seja de trigo ou centeio, um folar ou um delicioso pão de azeite, são feitos à moda antiga.
As azeitonas, o azeite e o vinho, são produtos locais. E as frutas; laranjas, maçãs e peras, ameixas, uvas, pêssegos e cerejas, tudo fruto da terra e do suor destas simpáticas gentes.
É vulgo dizer-se que, em Lagoaça até a água engorda.
Figuras Ilustres:
José António Simões Raposo

Nasceu em Lagoaça a 29 de Abril de 1840.
Era filho de Martinho Caetano Simões Raposo e de D. Maria da Conceição Linhares Morgado Raposo, descendentes de famílias ilustres de Trás-os-Montes.
Aos 23 anos foi para Lisboa frequentar a Escola Normal, atraído pela sua irresistível vocação para o magistério.
Foi professor de Pedagogia e Métodos na Escola Normal do sexo feminino.
Foi professor na Casa Pia, provisor de aulas, subdirector em 1877 e encarregado da organização, direcção e inspecção dos estudos. Destaca-se  por introduzir a progressão de estudos por classes graduadas pela primeira vez em Portugal, que se alargou progressivamente a todo o sistema de ensino.
Desempenhou as funções de inspector escolar desde Outubro de 1880 e foi vereador da Câmara Municipal de Belém, com o pelouro da instrução.
Eleito presidente do Grémio Popular de Lisboa,.
Desempenhou o cargo de inspector primário no Porto e apresentou-se como candidato a deputado na legislatura de 1887 representando o  "professorado primário".
Foi um dos sócios fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa e secretário da secção de ensino geográfico, da mesma sociedade, onde realizou conferências importantes.
Foi um dos sócios fundadores da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses em 1880. Nesse mesmo ano fez parte da Comissão de Imprensa que se encarregou de promover o Tricentenário de Camões.
Foi emissário do Governo às exposições universais de Viena de Áustria e de Paris.
Participou no Congresso Internacional Pedagógico de Bruxelas, em 1880, realizando, posteriormente, uma visita às Escolas Normais da Bélgica, França, Suíça e Espanha.
Foi o representante de Portugal no Congresso Pedagógico de Madrid, em 1882, proferindo algumas conferências em castelhano.
Participou como conferente no Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano, de 1892, a convite de Bernardino Machado.
Era sócio honorário da Associação Geral do Professorado Espanhol, tendo sido eleito numa sessão extraordinária da assembleia-geral. Para lhe poder ser conferida esta homenagem, foi necessário alterar os estatutos da referida Associação, porque esta distinção só podia ser concedida a cidadãos espanhóis.
Foi oficial da Academia Francesa, agraciado pelo Governo francês, em virtude da qualidade dos trabalhos apresentados pelos alunos da Casa Pia, na secção portuguesa da Exposição Universal de 1878. Trabalhos esses que mereceram ser arquivados e guardados no Museu Pedagógico de Paris. 
Pertenceu a muitas comissões oficiais encarregadas das questões pedagógicas.
Nos últimos anos de vida dirigiu a Escola Normal de Lisboa.
Aqui faleceu a 18 de Junho de 1900


in:destinoportugal.pt

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