A HISTÓRIA DE PORTUGAL ESTÁ ALICERÇADA EM CRENÇAS E MITOS
Portugal é um exemplo vivo do problema mitológico. Nomeadamente a vida do nosso I Rei, está indissoluvelmente ligada à mitologia. Desde o nascimento de Afonso Henriques até ao dia que o leitor lê esta crónica. Há hoje tantas dúvidas como havia em 25 de Julho de 1111, data mais provável em que ele nasceu. Era dia de Santiago. Dizem os cronistas mais antigos que ele nasceu raquítico e teve de ser levado a Cárquere (Resende) para que a Virgem o curasse. Esse mito faz parte da história Portuguesa. Anda ligado a esse um outro mito: que foi trocado por um filho do aio Egas Moniz. Existem outros não menos importantes em torno do nosso I Rei: é o da Batalha de Ourique (em 25/7/1139), quando lhe apareceu Cristo e o animou a vencer os 5 reis mouros. Completava 28 anos de vida nessa tarde em que pela primeira vez se intitulou Rei de Portugal.
Estes e outros mitos que rodeiam a vida de Afonso Henriques, fizeram com que em 1727 fosse publicada uma tese de doutoramento, da autoria de João Pereira Pinto onde se demonstrava que o Fundador de Portugal fora: Pio, Beato e Santo.
Estes são alguns dos mitos históricos que trazem os historiadores portugueses, quase «às turras», já que não se sabe distinguir a mitologia da realidade.
A Câmara de Viseu, apenas apoiada na mitologia, ordenou nesta fase de campanha eleitoral, erguer uma estátua de «braços abertos e sem rosto», intuindo um qualquer monstro sagrado que há 900 anos, andou por aí a tentar, sem êxito, nos caminhos que percorrera o também mítico Viriato.
Que foi um homúnculo sem rosto, leu-se na nota distribuída à imprensa em Julho último quando Fernando Ruas convocou os mass media para anunciar essa monstruosidade. O país ficou atónito, não com a certeza de que uma zona comercial de Viseu, das mais influentes, vai servir de palco a essa estátua que se aplaude por um lado, mas se condena pelas intenções que geraram.
Sabendo que a História de Portugal está alicerçada na mitologia, é de espantar que levianamente se acredite num piropo fantasioso, principalmente acerca de uma terra, onde não há qualquer espécie de prova, nem sequer de tradição. Mal anda a cultura portuguesa quando se pretende içar ao pico do Evereste, o casco de um barco apodrecido, fazendo crer que ali foi construída essa embarcação.
Todas as vilas e cidades portuguesas deveriam ter uma estátua, um nome na via pública, um letreiro a perpetuar as efemérides referentes ao Fundador da Pátria. Mas que esse mostrengo venha encoberto num plástico pastoso, fazendo crer que os braços abertos pretendem arcar a Lusofonia e deixar na opinião pública a ideia de que tão eloquente figura não teve rosto, nem sonhou a odisseia que se amuralhou em 900 anos, é uma afronta ao império que Camões, Pessoa e tantos outros intelectos registaram em obras que as Bibliotecas, os Arquivos e as Salas de Arte evidenciam.
A tanto não chegou Manuela Mendonça, a Presidente da Academia de História que em 27 de Janeiro de 2009, entrevistada pelo jornalista João Pedro Meneses, exactamente questionada sobre se Afonso Henriques era «um rei sem rosto», ela foi categórica: «não lhe chamaria um rei sem rosto, nem diria que não nasceu para ser rei. Ele nunca quis ser outra coisa e tem um rosto que é Portugal». E a Presidente da Academia Portuguesa de História, que em Setembro seguinte, viria a afirmar coisas gravíssimas, aceitando a teoria de A. Fernandes de que não existira o segundo Condado Portucalense, naquele contexto de ter ou não ter rosto, afirmou: «pessoalmente sou contra a desmistificação de certos mitos».
Como se constata a mitologia é um fenómeno indissociável da realidade. É uma espécie de binómio, como a noite e o dia, o sol e a lua, Deus e o diabo, o alto e o baixo, o feio e bonito. Em todas as actividades, situações e procedimentos humanos coexistem duas faces, dois pontos de vista, duas dimensões da mesma realidade. Daí a bidimensionalidade que deve co-existir, no pleno direito pelo ponto de vista de quem concorda e de quem discorda. Essa é a mundividência dos políticos que têm de defender-se da oposição.
Escrevo estes conceitos na semana anterior em que vai decorrer em Vilar de Perdizes o XXVII congresso de Medicina Popular, criado e sempre organizado pelo famoso Padre Fontes. O mesmo que se lembrou de homenagear as «bruxas» em que não acredita. No próximo dia 13, Sexta-Feira, a capital de Barroso, vai ser mais uma romaria, como já se realizaram muitas mais, transformando a mais fronteiriça Vila Barrosã, num misterioso cortejo em que o sagrado e o profano mais parece estarem de acordo, num inexplicável conluio de tréguas entre Deus e o Diabo.
Toda esta dialéctica filosófica entronca no mundo imaginário dos mitos, dos ritos, dos atritos e conflitos que desde o princípio da humanidade até aos nossos dias trazem o mundo em guerras, convencionais e subversivas, como mais esta que a Síria deixa perceber.
Barroso da Fonte
in:jornal.netbila.com
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