Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 19 de setembro de 2015

O casal, o lugar e a aldeia, células da vida social e agrária

A comunidade rural nortenha do Antigo Regime tem na aldeia ou lugar o seu quadro territorial e social por excelência de estruturação e definição. Por vezes pode mesmo definir-se ao nível do casal ou mesmo da quinta – como se verifica frequentemente na área do Douro vinhateiro e região brigantina – quando à sua volta se organiza o essencial da vida sócio-comunitária, em termos equivalentes aos de lugar ou aldeia.
Esta comunidade local, estrutura-se em primeiro lugar a partir de quadros agrários que criam laços de forte constrangimento social e comunitário das populações. Na base, essencialmente, está a economia do casal agrícola e também o direito que o suporta, em especial o direito enfitêutico mas também o costume agrário. O lugar, a aldeia, construiu-se muitas vezes na base de um só casal, outras vezes em mais casais fortemente interligados entre si por condicionalismos físicos, geográficos e jurídicos. 
É frequente o casal e também a quinta darem origem muitas vezes a núcleos de povoamento muito dispersos, constituindo lugares muito isolados e separados. Nele se estrutura a partilha equilibrada de bens e recursos agrários que permitem o funcionamento da economia e autonomia do casal agrícola ou doméstico. E pela constituição de casais encabeçados que responsabilizam o cabeça de casal ou pessoeiro pelas obrigações dos consortes, estrutura-se um forte e coeso ordenamento jurídico-social. 
Constrói-se assim uma unidade e corpo social-agrário fortemente estruturado no direito e na economia.
O casal é não só o fundamento do funcionamento da economia agrícola, como o é da ordem social comunitária. Com efeito a partir do casal agrícola e em relação com ele e com as suas partes, se organiza e divide a maior parte do património colectivo da comunidade, a saber, a propriedade dos montes baldios, das águas e servidões. Isto porque em regra se reservam sempre áreas para o livre uso e acesso da pobreza, e aos desapossados da terra.
Nos montes baldios estrutura-se um importante suporte desta economia e sociedade e também desta organização colectiva pelos matos, lenhas, pastos, águas, recursos florestais e minerais que fornecem. Os modos de apropriação e uso são muito variáveis, que podem estender-se por formas de apropriação privada já muito avançada (isto é, de repartição e agregação directa pelos casais e fazendas agrícolas) – ainda que sujeitas a constrangimentos e obrigações comuns –, como a formas mais extensas de uso comum e genérico a todos os membros da comunidade aldeã. Mas a propriedade e uso comum dos recursos estende-se também aos rios e ribeiros e também a algumas práticas de uso colectivo por sobre as propriedades privadas, dos campos e sobretudo das veigas, onde a livre pastagem, o compáscuo (a nossa «vaine pature»), se aplica em muitos casos, abrindo os campos, em regra, no fim das colheitas, à livre pastagem e circulação dos gados. Como estão ainda presentes em muitas terras direitos e usos comuns a certos espaços e produtos mais agrestes e silvestres (colheita de alguns frutos, como a castanha, usos e servidões como as das ervas dos valados).
Por sobre o casal ergue-se o edifício das instituições jurídico-sociais que o conformam: o direito enfitêutico e demais direito e costume agrário, as instituições (com ou sem regimentos), das organizações dos trabalhos agrícolas, da repartição das limas e regas, dos roços, das vezeiras, de outros equipamentos colectivos, como os fornos, os moinhos, os animais reprodutores… Este é um quadro social naturalmente dominado e construído pelos proprietários e de entre estes, pelos cabeceiros e pessoeiros, que no essencial regulam esta economia à sua medida, atentando na sobrevivência de caseiros, cabaneiros, jornaleiros, artistas, pastores, que são também a base e suporte desta pequena economia e sociedade.
Num plano de grande continuidade e contiguidade com este povoamento e sociedade, devem referir-se também as suas instituições de natureza religiosa, elementos essenciais a esta definição e constituição social e comunitária. A aldeia ou lugar, por regra, estrutura e organiza ainda as instituições, os equipamentos e as práticas de uma ordem religiosa própria com grande funcionamento e independência da paróquia, que por todo o lado se quer construir como quadro de vida sócio-religiosa local de referência. Ela está em geral presente na existência da capela para uso do lugar que é administrada em «padroado» comum aos moradores, com maior ou menor presença do pároco. Nela se venera um santo,
particular padroeiro do lugar. Nela se levam a cabo actos de culto, eventualmente missa dominical. 
Nela se suporta a instalação das espécies consagradas para levar em viático aos moradores doentes e «in articulo mortis». A enorme profusão de capelas na nossa paisagem rural é naturalmente a expressão por excelência das formas de povoamento no lugar ou na aldeia e da sua constituição social e económica de base. À volta da capela do lugar se estruturarão ainda muitas vezes actos sociais importantes destas comunidades: a festa devota e festiva ao santo e outros actos festivos e religiosos ao longo do ano, as procissões, votos e romarias; a persistência no largo da capela, de comércio, feira e mercado e também a realização de certos actos de divertimento profano. O suporte económico e administrativo da capela e as práticas devocionais do lugar são obra colectiva dos moradores.
Esta organização e estrutura de base local tem que se bater ao longo dos tempos e em particular ao longo do século XVIII (e intensamente desde a 2.ª metade do século) por 2 movimentos que contribuirão para a sua desestruturação: as forças e tendências do individualismo agrário que corroerão as forças e os constrangimentos da economia do casal e «comunitarismo» do lugar; as forças e os desenvolvimentos da ordem paroquial que centrarão e concentrarão as forças e a unidade religiosa-social na freguesia. As forças do individualismo agrário concorrerão para a mais forte apropriação privada da terra, dos recursos e da renda agrícola. É um envolvimento e concorrência vinda do capitalismo comercial e da sociedade rentista que com o forte apoio das câmaras dos concelhos põem em causa esta sociedade e economia agrária, tradicional, de forte base social – comunitária. E sofre também a forte concorrência da organização eclesiástico-paroquial, que na freguesia e igreja matriz quer concentrar o essencial do funcionamento da vida social-paroquial à volta da igreja matriz e do pároco. 
Conjugam-se para a sua sobrevivência e resistência, para além destes elementos de base «cultural» e «civilizacional» agrária, as dificuldades às comunicações que impõem fortes localismos e até em algumas áreas, relativa abundância de clero «rural» para serviço local.

Memórias Paroquiais 1758

Sem comentários:

Enviar um comentário