Um dia após as autárquicas, Governo retirou proposta de financiamento da carreira aérea transmontana que apresentara a Bruxelas.
O encerramento de serviços públicos em Trás-os-Montes, como tribunais e repartições de Finanças, e a suspensão da carreira aérea que, durante 15 anos, ligou a região a Lisboa estão a deixar uma região periférica do país ainda mais isolada. Esta é a convicção dos autarcas da região ouvidos pelo PÚBLICO.
O imbróglio em que se transformou a questão da carreira aérea é apenas mais uma batalha naquilo que os autarcas da região consideram ser uma guerra declarada pelo Governo ao interior do país. Na melhor das hipóteses, só depois de Maio é que a carreira aérea que ligava Bragança e Vila Real a Lisboa será reactivada, após ter sido suspensa em Novembro de 2012.
Na altura, o acordo com a empresa que operou durante os últimos três anos não foi renovado, com o argumento, assumido pelo próprio primeiro-ministro em Bragança, numa das últimas visitas à região, de que a União Europeia exigia um modelo diferente de subsidiação da carreira. Durante 15 anos, esse apoio público, na ordem dos 2,5 milhões de euros, foi atribuído directamente às operadoras, através de fundos comunitários, e justificado com o isolamento da região. Para salvaguardar o princípio da concorrência, como exigiu Bruxelas, o Governo decidiu adoptar um modelo baseado no livre acesso ao mercado e na liberalização dos preços das tarifas áreas, cabendo às transportadoras que viessem a concorrer à concessão fixar o preço do bilhete, que poderia ultrapassar os 350 euros.
O novo modelo de apoio ao transporte aéreo de residentes e estudantes de Trás-os-Montes assentava num subsídio de valor fixo por viagem, que pressupunha que os beneficiários avançassem com a totalidade do valor da passagem para, só depois, mediante a apresentação de comprovativo de deslocação, requererem a subvenção estatal.
Até há cerca de uma semana, os transmontanos acreditavam que o novo modelo de financiamento da carreira aérea aguardava apenas pela aprovação da Comissão Europeia. Sucede que, em resposta a uma pergunta da eurodeputada do PCP Inês Zuber sobre o andamento do processo, o comissário europeu Joaquim Almunia revelou que o Governo português acabou por retirar a proposta de novo regime de financiamento para a ligação aérea de Trás-os-Montes a 30 de Setembro, um dia após as últimas eleições autárquicas.
O novo presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, do PSD, admite que a falta de confiança das operadoras na viabilidade deste novo modelo de exploração e financiamento esteja na origem do recuo governamental, mas acredita que será apresentada “uma nova proposta”, com um sistema mais parecido com o que estava em vigor. “Em Maio deverá haver alterações aos regulamentos destes financiamentos”, diz o autarca, que espera ver a situação resolvida nessa altura. Até porque “nenhuma auto-estrada substitui uma carreira aérea”, sublinha.
As moções que reclamam o regresso do avião sucedem-se nas assembleias municipais da região e a Federação Distrital de Bragança do PS protesta que o Governo “mentiu três vezes aos transmontanos”. O líder da federação de Bragança, Jorge Gomes, diz mesmo que já nem acredita na reactivação da carreira aérea.
Também socialista, Américo Pereira, presidente da Câmara de Vinhais e da Comunidade Intermunicipal (CIM) de Trás-os-Montes, que representa dez concelhos do distrito de Bragança, considera que é tudo uma questão de “vontade política”. “Uma região como a nossa será mais competitiva, se houver carreira aérea”, frisa. E nota que o argumento de que a Auto-Estrada Transmontana está construída não colhe, porque o túnel do Marão ainda não está feito. O presidente da Câmara de Vila Real, o socialista Rui Santos, afina pelo mesmo diapasão, lembrando até os acidentes de viação que se continuam a registar no IP4 e que na semana passada provocaram mais uma morte. Na Câmara de Bragança, o social-democrata Hernâni Dias também promete não deixar “de lutar para que seja reposta” a carreira aérea.
Américo Pereira argumenta que “subsidiar a carreira aérea de Trás-os Montes é uma questão de justiça, porque as carreiras aéreas para as ilhas também são subsidiadas, assim como os sistemas de transportes públicos de Lisboa”. Na sua opinião, o recuo face à ligação aérea transmontana “é um sintoma de como o Governo pensa os territórios de baixa densidade populacional”.
Mas há outros sintomas, diagnosticam os autarcas, como a propalada intenção de encerrar tribunais ou repartições de Finanças na região, para além da deslocalização do helicóptero do INEM sediado em Macedo de Cavaleiros para Vila Real, o que deixa algumas populações dos concelhos de Miranda do Douro e de Mogadouro fora do raio de cobertura deste meio de socorro. Por isso, os autarcas da região pretendem reunir-se em breve para estudar propostas de alternativas a apresentar ao Governo. É que a “perda de serviços públicos contribui para o isolamento da região”, sublinha Américo Pereira.
Eleito nas listas do PSD, Jorge Fidalgo, presidente da Câmara de Vimioso, tem a mesma opinião. Esta autarquia desenvolve, desde 2002, políticas de incentivo à natalidade e à instalação de famílias e empresas. Desde então que atribui um subsídio aos jovens casais que ali tenham filhos cujo valor passou, há cinco anos, de 500 para mil euros. A câmara também paga as vacinas não asseguradas pelo Serviço Nacional de Saúde. “Esperamos contribuir para que as pessoas fiquem mais confortáveis”, diz o autarca. Este ano nasceram 40 bebés no concelho, o dobro da média da última década, e Vimioso está já a atrair casais de fora. Um deles, contemplado com o prémio este ano, veio de Tomar para o concelho transmontano.
Mas Jorge Fidalgo sente que, apesar deste esforço, os autarcas da região estão “a remar contra a maré”, face às opções governamentais para o interior.
Serviços online
A CIM de Trás-os-Montes admite participar na criação da rede de espaços de atendimento online que é preconizada pelo Governo. Os municípios estão dispostos a disponibilizar técnicos para apoiarem os utentes na utilização dos recursos informáticos, mas ressalvam que não aceitarão que essa rede sirva de desculpa para o encerramento de mais serviços públicos.
O projecto Espaço do Cidadão proposto há duas semanas pelo secretário de Estado da Modernização Administrativa à CIM de Trás-os Montes, visa criar um espaço físico, em parceria com as câmaras, instalando software e dando formação a dois funcionários, para que os cidadãos possam ter acesso a toda a informação dos serviços do Estado, através de um assistente. A ideia é apresentada como pretendendo "alargar a oferta do Estado e aproximá-la das pessoas em tempo real". No entanto, os autarcas "têm uma reserva": "Até que ponto uma medida desta natureza poderá contribuir, ou não, para aquilo que tem sido esta cruzada de encerramento de serviços no Nordeste Transmontano?" Para já, Américo Pereira, que tem sido um dos autarcas da região mais contestatários das políticas de encerramento de serviços públicos, está convencido de que "não será essa a intenção" do Governo.
"Desta vez, quero crer que não é isso que está por trás. Da maneira como o serviço é apresentado, não nos parece que, só por si, seja potenciador desse perigo, o que não quer dizer que no futuro esse e outros motivos não venham a estar na base do encerramento de mais algum serviço. Mas, só por si, neste momento, não me parece", declarou à Lusa.
in:publico.pt
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Os meus parabéns ao Henrique Martins, pela sua vastíssima informação, sempre pertinente a que muitas vezes associa notícias de grande interesse regional, denunciando as políticas de bastidores que querem perpetuar e aprofundar o isolamento desta região e de todo o interior.
ResponderEliminarO Henrique já deveria constar dos nomes que com a força que a razão lhe dá contribuem para a defesa dos interesses da região.
Por mim, o meu muito obrigado pelo serviço público que vem prestando.